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PARTE 2: O TRABALHO INFORMACIONAL CORPORATIVO

5. O TRABALHO NAS ORGANIZAÇÕES CONTEMPORÂNEAS

5.5. Conhecimento e gestão de pessoas

As três práticas gerenciais delineadas neste capítulo apresentam conexões diretas ou indiretas com a gestão de pessoas. A função RH – no passado considerada atribuição exclusiva dos profissionais de recursos humanos – tornou-se não apenas uma responsabilidade adicional para os gerentes de linha, como também ampliou-se em escopo. Descrevemos, em seguida, alguns desafios da gestão de pessoas decorrentes dessa realidade organizacional impactada pelo conhecimento. Os desafios selecionados não representam, naturalmente, a totalidade dos enfrentados pelos gestores de pessoas e pelos profissionais de RH. Mas foram destacados por enfatizar alguns conceitos centrais deste capítulo, articulados na figura 5.1. Vamos a eles:

• Atualização do conhecimento – Para preservar sua capacidade de prover vantagem competitiva, o conhecimento requer atualização permanente. Sua obsolescência e sua relativa facilidade de replicação (cópia pela concorrência) o tornam um recurso que demanda cuidados especiais. Manter atualizado o capital intelectual da organização é tarefa que requer, entre outras ações, a capacidade de atrair e reter pessoas aptas a atender a esse desafio (ULRICH, 2002). Manter pessoas talentosas na organização, em tempos de esgarçamento de vínculos empregatícios, exige práticas de RH que considerem tal ação um objetivo estratégico. Um exemplo conhecido é o uso de critérios formais de avaliação gerencial que consideram uma falta grave a perda de profissionais de alto desempenho (WELCH, 2001).

• Alinhamento estratégico – O discurso do alinhamento das práticas de RH à estratégia empresarial tornou-se lugar-comum. Isso não significa, contudo, que tenha se concretizado na maioria das organizações. Algumas das características de um RH efetivamente alinhado à estratégia seriam (ULRICH, 2002):

o As práticas de RH são encaradas como fonte de vantagem competitiva, mudando o foco da redução de custos para o da geração mensurável de valor;

o As políticas e as práticas de RH devem traduzir as exigências dos clientes (e, poderíamos acrescentar, dos demais interessados no negócio);

o As práticas de RH devem criar organizações flexíveis, com capacidade de responder, mais rapidamente que os concorrentes, às mudanças externas; o O RH deve ser capaz de promover as mudanças culturais necessárias à

realização dos objetivos estratégicos.

• Adequação cultural e organizacional – Desconsiderar as características culturais e as peculiaridades de cada negócio pode ser determinante para o fracasso de práticas inovadoras de gestão de pessoas, normalmente concebidas em instituições ou em empresas norte-americanas. Por trás das falhas na implantação de tais práticas normalmente se encontra a infundada “crença na transferibilidade da tecnologia administrativa” (MOTTA, 1998:4). A tentativa de ajustar a realidade organizacional aos modelos conceituais invariavelmente distorce a essência de tais modelos e perturba o cotidiano administrativo, impedindo que se alcancem os benefícios planejados.

• Produtividade do conhecimento – A aplicação de conhecimento às atividades produtivas teria se dado, segundo Drucker (1997), em três momentos qualitativamente distintos: aplicação de conhecimento a ferramentas, processos e produtos (da revolução industrial até fins do século XIX); aplicação de conhecimento ao trabalho (na primeira metade do século XX); e aplicação de conhecimento ao conhecimento (da segunda metade do século XX até hoje). Nas organizações contemporâneas, cabe aos gerentes a responsabilidade pela produtividade do conhecimento. Isso significa que uma das principais atribuições gerenciais é propiciar a aplicação de conhecimento novo ao conhecimento existente de maneira a torná-lo continuamente produtivo (DRUCKER, 1997). Isso significa um desafio não apenas para os gerentes de linha, como gestores de pessoas e de conhecimento, mas também para o RH, responsável pela concepção de políticas e práticas que dêem sustentação a essa dinâmica do conhecimento na organização. Transformar as práticas de RH em algo mais que atos isolados exige, ainda, que os envolvidos, gerentes de linha e profissionais de RH, dominem a teoria que fundamenta a gestão de pessoas (ULRICH, 2002). Competência em teoria não significa simplesmente a posse de um determinado conteúdo de conhecimentos. O indivíduo com essa competência é, além de bem-informado, capacitado a refletir

sobre uma dada situação e a compreender sua complexidade e suas múltiplas implicações (McSWITE, 2001). Ou ainda, conforme o modelo clássico de Katz (1955), esse indivíduo possuiria habilidades conceituais que o capacitariam à utilização informada de seu conhecimento técnico e de sua experiência. O desafio dos gestores de pessoas e profissionais de RH não é, portanto, somente o de lidar com a obsolescência dos conteúdos teóricos dessa área de conhecimento – comumente de caráter prescritivo, generalizante e reducionista. Tampouco se restringe ao aprender a aprender, se este se dirigir apenas a tais conteúdos. A questão fundamental é a capacidade analítica e crítica que possibilite a prospecção de conhecimento realmente novo (e não os ‘vinhos velhos em garrafas novas’) e de conhecimento útil, com sua posterior utilização contextualizada ao tipo de organização e às características culturais.

A relevância da gestão de pessoas na economia do conhecimento, bem como os desafios que se apresentam a essa função organizacional, estão claramente ilustrados na experiência de Jack Welch (2001) em seus 20 anos como CEO da General Electric. Ao longo de seu relato autobiográfico, enfatiza o papel da gestão de pessoas como fator essencial para o alcance de resultados empresariais. O desafio de atrair, reter, desenvolver e recompensar pessoas competentes é enfrentado com ações objetivas e coordenadas, criando um sistema com coerência interna e com resultados expressivos.

As práticas administrativas da GE voltarão a ser examinadas e, principalmente, criticadas em seus aspectos conceitualmente e filosoficamente discutíveis. A escolha desse exemplo se deve à sua influência na gestão contemporânea, na qual tem sido apresentada como referência em inovação administrativa e, principalmente, em resultados. Por isso mesmo, consideramos necessária uma reflexão mais cuidadosa sobre o modelo Welch de gestão, evidenciando seus fundamentos e características menos visíveis – o que será realizado na parte 3 desse estudo.