• Nenhum resultado encontrado

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.1. Definições e modelos conceptuais

2.1.3. Capital social

Capital social pode ser definido como o potencial produtivo das relações entre as pessoas que emana da força dessas relações, da confiança que as embebe, da cooperação que as qualifica3. Refere-

se, segundo o antropólogo organizacional I. García18, às redes de

relacionamento baseadas na confiança, cooperação e inovação que são desenvolvidas pelos indivíduos dentro e fora da organização, facilitando o acesso à informação e ao conhecimento e que podem adoptar um carácter formal (determinado pelos laços hierárquicos) ou informal envolvendo laços horizontais (entre pares) e diagonais (entre

colaboradores de distintas áreas e stakeholders). Como diz o mesmo autor, o capital social é a amálgama que interconecta as várias formas do capital humano, criando o activo intangível mais valioso das organizações: as redes humanas de trabalho18. I. García18, citando

trabalhos do sociólogo Ronald Burt que analisou as estruturas de rede do capital social de colaboradores-chave em diferentes

organizações, conclui que “aqueles executivos que desenvolvem capital social de qualidade – criando pontes com pessoas e grupos em regiões estratégicas das suas redes, denominadas como buracos estruturais (structural holes) – destacam-se” por melhorarem a eficácia e a eficiência das equipas que integram e dirigem, por aprenderem mais sobre o ambiente organizacional e o mercado no qual actuam, por obterem promoções mais velozmente e por serem avaliados mais satisfatoriamente.

R. Kreitner & A. Kinicki3 defendem no seu livro “Organizational

behavior” uma assunção estratégica: as pessoas, individual e colectivamente, são a chave para o sucesso organizacional e é através da aprendizagem organizacional (a partilha) que indivíduos e organização evoluem e se desenvolvem. Qual o valor de

trabalhadores competentes que não contactam com outros, que não operam em redes, que não ensinam, que não inspiram? Para que servem as organizações se não são centradas nas pessoas – nas que nelas trabalham e nas que delas usufruem? Sem o capital social adequado é mais improvável que as pessoas se desenvolvam no seu trabalho, que as organizações cumpram a sua missão, que os

negócios floresçam, que histórias de trabalho fiquem na História. G. Hamel, no seu livro “O Futuro da gestão” , idealiza as

organizações como entidades “que realmente merecem a paixão e a criatividade de quem para elas trabalha e que de forma natural

da ineficiência, obriga os trabalhadores “a conformarem-se com padrões e regras e, ao fazê-lo, desperdiça grandes quantidades de imaginação e iniciativas humanas”19: traz a disciplina às operações,

mas põe em perigo a capacidade de adaptação da organização”19.

É necessária, então, uma nova lógica de organização que não sofra de alguns dos problemas das organizações mais tradicionais (old-

style): demasiado lentas a reagir e pouco flexíveis. As organizações

hoje necessárias são mais flexíveis e preparadas para acomodar o necessário balanço estratégico entre custo, qualidade e velocidade.

Estas organizações são focadas nos destinatários do serviço, dedicadas à melhoria contínua e à aprendizagem permanente e estruturadas em equipas ligadas em rede e sustentadas por

tecnologia da informação adequada. A tipologia destas novas organizações contrapõe-se à das organizações tradicionais verticais- piramidais, com estruturas e funcionamento mais horizontais,

construídas à volta dos processos-nucleares, servidas por equipas funcionais cruzadas (que podem operar em vários projectos

simultaneamente) e compostas por elementos multicompetentes em termos técnicos e aptos e rotinados no trabalho em equipa. O

conceito da autoridade vertical e as lógicas de comando-e-controlo fazem menos sentido, dando espaço a grupos de gestão executiva mais pequenos que coordenam os esforços das várias equipas, por vezes geograficamente distantes, beneficiando das tecnologias de informação3. O desafio é a construção de uma cultura e de uma

prática organizacional mais produtivas e satisfatórias, aprender a coordenar o esforço dos trabalhadores “sem criar o fardo de uma hierarquia de capatazes; manter os custos com rédea curta sem estrangular a imaginação humana; e construir organizações onde a disciplina e a liberdade não se excluam mutuamente”19.

2.1.3.1. Cultura, identidade e aprendizagem organizacionais

Cultura organizacional é, segundo F. Nunes,20baseando-se nos

trabalhos de Trice e Beyer (1993):

• um fenómeno colectivo (implica partilha, mesmo que parcial, dentro de um grupo de indivíduos),

• conotada emocionalmente (inclui elementos afectivos sobre o modo de expressão das emoções que servem também para diminuir a ansiedade por reduzirem a indefinição e a incerteza), • assente na história (resulta de uma história de convivência de

experiências e de resolução conjunta de problemas), • intrinsecamente simbólica,

• dinâmica (pode evoluir) e

• intrinsecamente ambígua (não existe uma coerência total entre todos os seus elementos).

É complexa por natureza.

Identificam-se várias perspectivas de abordagem da cultura organizacional; a mais útil parece ser a integradora, que se centra no que é partilhado e único naquela organização – “o padrão de

crenças e valores partilhados que confere sentido aos membros de uma organização como tais e lhes proporcionam as regras de

comportamento na sua organização” (tradução de F. Nunes de Davis, 1984)20.

Convém, no entanto, distinguir entre cultura e identidade organizacional. Cultura organizacional define-se, então, como o

“conjunto de valores partilhados pelos membros da organização” que “funciona como um esquema interpretativo, historicamente

desenvolvido e socialmente mantido, providenciando aos

constituintes organizacionais um contexto de significados sobre a organização e a realidade que ela ocupa”21. A identidade

categoria social, “define o que a organização é em relação a um sistema societal alargado a que ela pertence”. Segundo S. Tavares a cultura organizacional responde à questão «o que é que nós

valorizamos?», a identidade organizacional responde à questão «quem é que nós somos?»” sendo a cultura organizacional “uma manifestação da identidade organizacional”21. Já Kreitner &Kinicki3

olham para esta relação de outro ângulo e dizem que a cultura organizacional cumpre quatro funções: fornece aos membros da organização uma identidade cultural, facilita um compromisso colectivo (ao tornar claros valores, atitudes desejáveis, objectivos a médio e longo prazo por ex.), promove a estabilidade do sistema social (por ex., o grau em que o ambiente de trabalho é percebido como positivo e de apoio ou o grau em que os conflitos são geridos; podendo-se avaliar pela taxa de saídas e entradas de trabalhadores por ex.) e modula o comportamento ao ajudar os membros da

organização a tomar consciência da mesma e dos seus contextos (apoia na percepção do que a organização faz e por que o faz e como pretende alcançar os seus objectivos).

A maior parte das organizações terão um misto de várias culturas e crenças e podem ter sub-culturas funcionais, hierárquicas,

geográficas, … dependendo de múltiplas variáveis. Aliás, a cultura organizacional vai sendo construída e moldada pela combinação e integração de todos os que trabalham na organização ao longo do tempo3. Declarações formais da filosofia da organização, da sua

missão, visão e valores, os materiais de recrutamento e socialização

dos trabalhadores, os slogans, o role modeling, os programas de

formação, o coaching, os critérios de promoção e recompensas explícitos, as actividades e os processos que os líderes valorizam, as reacções dos líderes a incidentes e crises, a própria estrutura física e organizacional são todos mecanismos para embeber as organizações de uma dada cultura.

As culturas organizacionais podem ser fortes ou fracas dependendo de variáveis como coesão, consenso de valores e compromisso individual em relação aos objectivos colectivos. Mas nem sempre uma cultura forte é uma característica desejável, por ex. se for avessa à mudança pode dificultar o processo de adaptação a uma nova realidade. O que interessa verdadeiramente mais do que ser forte ou fraca é a natureza dos valores nucleares3. E quanto a estes

valores-nucleares, se se pensar na efectividade e eficiência organizacionais, não é uma configuração construtiva, passivo- defensiva ou agressivo-defensiva do modo como se aborda o trabalho ou das interacções entre os trabalhadores que fazem a diferença por si só3. Todas podem ter as suas vantagens e

desvantagens, num dado e único contexto. O que realmente conta é a capacidade adaptativa das organizações ao longo do tempo. No entanto para variáveis como a satisfação no trabalho, esta tipologia de culturas organizacionais parece mais útil. Estudos demonstraram que as culturas construtivas estão positivamente associadas a maior satisfação no trabalho, intenção de permanecer na organização e inovação e negativamente associadas a comportamentos de evitamento do trabalho. As passivo-defensiva e agressivo-defensiva estão negativamente associadas a satisfação no trabalho e intenção de permanecer na organização.

Voltando à efectividade organizacional, Kreitner & Kinicki3citam

vários estudos e defendem a perspectiva adaptativa como sendo a que está mais solidamente associada a um alto desempenho,

nomeadamente económico, ou seja, as culturas que favorecem o desenvolvimento de uma maior capacidade adaptativa aumentam a possibilidade de sucesso de uma organização. Estas culturas ajudam a organização a antecipar e adaptar-se a alterações contextuais.

Nestas culturas pratica-se uma abordagem de assunção de risco, de confiança e de proactividade da vida da organização e individual.

Os seus membros apoiam activamente os outros a identificar

problemas e a implementar soluções viáveis. Partilha-se um sentimento de confiança e de entusiasmo e há uma boa receptividade à

mudança e à inovação. Estas culturas adaptativas têm muito das características das culturas construtivas e estão integradas,

obviamente, em organizações de aprendizagem. Novamente, uma cultura com estas características não nasce do nada. Kreitner &

Kinicki3 avançam pontos a ter em conta para desenvolver e preservar

uma cultura adaptativa. O início passa pela liderança, que deve desenvolver uma visão (objectivos de longo-prazo que descrevem em que é que uma organização se quer tornar) e estratégias que se

adaptem bem ao contexto organizacional. Depois, ao longo do tempo, a cultura adaptativa é criada pelo sucesso organizacional e pela habilidade em enfatizar a importância de todos para esse

sucesso organizacional, reforçando e suportando os valores ou filosofia nucleares da satisfação de necessidades fundamentais e

melhorando-se a liderança. Finalmente, é necessário criar uma infraestrutura que preserve a adaptabilidade da organização.

No campo dos comportamentos organizacionais, a

aprendizagem organizacional merece agora um desenvolvimento. F Nunes et al20, referenciando Nevis et al (1995) concebem a

aprendizagem organizacional como a” capacidade ou processos organizacionais orientados para manter ou melhorar o desempenho a partir de experiências” e encaram a organização como um sistema de aprendizagem com dois componentes interdependentes – as orientações da aprendizagem (o que é aprendido e onde ocorre a aprendizagem, como as fontes do conhecimento, formas de

disseminação da informação, focalização da aprendizagem, etc) e os factores facilitadores (o que promove a aprendizagem, como

informação sobre a envolvente, disponibilidade da informação, esquema mental propício, variedade, liderança, etc). A

aprendizagem organizacional é assim determinada pela cultura organizacional, destacando-se o papel da formação na organização, da informação sobre a organização e a envolvente externa, da

informação de retorno sobre o desempenho de cada trabalhador e da organização, do clima organizacional, da liderança. Todos estes aspectos têm a ver com outros três processos: a identificação

organizacional, a vinculação dos indivíduos às organizações e o desenvolvimento de comportamentos de cidadania organizacional.

2.1.3.2. Identificação organizacional, vinculação dos indivíduos às organizações e cidadania

organizacional

T. Davemport cita Ortega y Gasset “ A metáfora é provavelmente a potência mais fértil que o homem possui”2 para afirmar que

conceber metaforicamente os trabalhadores como investidores, ajuda a que as chefias considerem os trabalhadores “como agentes livres e que apenas obterão a sua adesão através de um meio:

pagando valor com valor…sugerindo uma série diferente e mais sólida de vínculos… os laços de ouro (embora nem sempre monetários) do benefício mútuo…”. Os trabalhadores “… produzirão mais valor para as empresas quando elas gerarem maior valor para os

trabalhadores”2. Esta metáfora é central para as concepções de

identificação organizacional, vinculação dos indivíduos às

organizações e cidadania organizacional, que fazem a ponte entre cultura e aprendizagem organizacionais (focos do capítulo passado), por um lado, e motivação e satisfação no trabalho por outro

(objectos da próxima secção).

Identificação organizacional é a construção da identidade social do indivíduo num contexto organizacional; é a auto-percepção do indivíduo no que concerne à relação que este estabelece com a

tem sobre a organização na sua própria identidade, podendo essa identificação focalizar-se em diferentes alvos (por ex. como

pertencente a uma unidade de saúde, mas também ao grupo dos médicos de família e ao departamento da qualidade) e assumir diferentes graus de importância dependendo da “saliência que a categoria «organização» tem sobre as restantes categorias sociais para a constituição do auto-conceito do indivíduo”21.

Os processos de identificação organizacional envolvem “algum tipo de percepção de congruência de valores entre o indivíduo e a organização”21 e são essencialmente dois:

• por afinidade – existe o reconhecimento por parte do indivíduo de que a organização tem valores e crenças semelhantes aos do próprio;

• por emulação – a pessoa modifica o seu auto-conceito por forma a que se torne semelhante à percepção que o indivíduo tem da identidade organizacional; implica internalização das crenças e valores da organização.

Estes processos de identificação organizacional têm como objectivo a “produção de uma identidade social positiva e de uma imagem satisfatória do seu auto-conceito; por outras palavras a elevação da auto-estima”21 e têm vantagens e desvantagens. No

campo das desvantagens surge a formação de estereótipos e

consequentemente o desenvolvimento de preconceitos e o excessivo conformismo às regras e aos papéis organizacionais que pode

acarretar diminuição da capacidade de inovação e de adaptação a mudanças. Nas vantagens para a organização, pelo aumento do conformismo dentro da organização e pela concordância com as suas regras, objectivos e papéis organizacionais aumentam os comportamentos congruentes com a identidade organizacional, aumenta o controlo da organização, diminuem os conflitos internos,

melhora o clima organizacional e regista-se uma maior implicação organizacional.

A implicação organizacional é o constructo que ajuda a

“conceptualizar a relação de vinculação de um indivíduo para com a organização em que trabalha”21. ESta implicação organizacional tem

três componentes21:

• implicação afectiva – é a ligação afectiva ou emocional do trabalhador à organização; fica-se na organização porque se quer;

• implicação de continuidade – tendência para o trabalhador “se envolver em cursos de acção consistentes, baseados no

reconhecimento dos custos (ou benefícios perdidos) associados ao abandono da organização”; fica-se na organização porque se precisa;

• implicação normativa – crença na responsabilidade de

lealdade que o trabalhador tem para com a organização; fica- se na organização por dever.

Os resultados de meta-análises efectuadas sugerem que a implicação organizacional está mais fortemente relacionada com variáveis situacionais - como as relações superior-subordinado e o trabalho desafiante – do que com características pessoais ou estruturais da organização3,21. Por outro lado, o trabalhador “pode

focalizar a sua implicação, não na organização como um todo, mas nos diferentes alvos organizacionais, sejam eles o departamento, o grupo de trabalho, a chefia ou outro”21.

No campo das consequências, os três tipos de implicação estão positivamente relacionados com a retenção dos trabalhadores na organização (quanto maior a implicação, maior a retenção), já para outras variáveis, as associações variam conforme o tipo de

está negativamente associada (maior implicação, menor absentismo) e quanto ao desempenho, a normativa e a afectiva estão

positivamente correlacionadas mas a de continuidade está negativamente correlacionada; o mesmo acontece com o desempenho extra-papel ou comportamentos de cidadania

organizacional - apenas a afectiva e a normativa estão positivamente correlacionadas.

O conceito de cidadania organizacional ou comportamento extra-papel refere-se a comportamentos que estão para lá da job

description, daquilo a que o trabalhador está contratualmente

obrigado. Inscrevem-se nestes comportamentos os comentários construtivos, a expressão de interesse pelo trabalho dos outros, fazer sugestões de melhoria, treinar novos trabalhadores, cuidar das propriedades da organização. O desenvolvimento de

comportamentos de cidadania organizacional é determinado mais pela liderança e características do ambiente de trabalho do que por características da personalidade e é de grande importância porque está associado positivamente com a satisfação no trabalho, o

desempenho e a efectividade organizacional3,21.