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4.9 CAPITAL SOCIAL DOS PESQUISADOS

4.9.1 Capital Social por permanência

A variável “associativismo” é composta por uma escala de 0-12 que levou em consideração a frequência com que os pesquisados participavam das atividades promovidas pelas organizações que são associados, tais como cooperativa, sindicato dos trabalhadores rurais e associação dos produtores rurais. As respostas multiplicadas por três são: a) nunca; b) semanalmente; c) uma vez por mês e d) sempre que ocorrem encontros ou/e atividades. Contudo, a distribuição em ambos os grupos se apresentou bastante desigual (desvio padrão alto) caracterizando uma distribuição não normal. Assim, optamos por logaritmizarmos a variável para permitir que seja preservada a relação linear entre as variáveis e reduzir problemas de assimetria.

Conforme observamos na tabela 12, a média no log do associativismo para os agricultores que permaneceram no programa foi de 1,2283. Valor maior se comparado com a média dos agricultores que não permaneceram, que foi de 0,7585. Assim, intuímos que ser engajado em organizações sociais pode estar relacionado com a permanência no programa.

42% 58% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% Sim Não

Tabela 12 - Variável associativismo logaritimizada correlacionada com permanência

Variável Situação no PNPB N Média Desvio Padrão

LOG ASSOCIATIVISMO

Permaneceu 118 1,2283 ,71620

Não

permaneceu 56 ,7586 ,73884

Teste (T) estatisticamente significativa (p<,0,01). Fonte: pesquisa de campo.

A priori, os dados vão corroborando a hipótese de que participar de cooperativas e/ou associações pode ser uma das variáveis que contribuíram para a permanência dos agricultores no programa. Para Sennett (2012), a cooperação é o lubrificante da máquina de concretização das coisas, como partilha que permite compensar as carências individuais. Para o autor, a cooperação é intrínseca ao ser humano, mas precisa ser desenvolvida e aprofundada.

Dentre os 7 princípios que regem o funcionamento de toda e qualquer cooperativa, segundo a Aliança Cooperativa Internacional (ACI, 1995), gostaríamos de enfatizar o princípio “autonomia e independência”, que parte do entendimento que a cooperativa é uma associação de ajuda mútua de pessoas que se unem para atender suas necessidades nas áreas econômica, social e cultural, controlando elas mesmas o funcionamento de sua organização.

De acordo com um dirigente de cooperativa no Rio Grande do Sul (entrevistado nº 12), “as grandes cooperativas tratam os agricultores apenas como números para cumprir a obrigatoriedade do percentual mínimo de agricultores familiares para que possam comercializar diretamente para Agência Nacional de Petróleo e Biocombustíveis - ANP através da DAP jurídica”.

De acordo com a percepção dos dirigentes de Sindicatos dos Trabalhadores/as Rurais - STTR e cooperativas menores, a “impessoalidade na gestão e organização das cooperativas maiores vem provocando mudanças nas adesões e participações dos agricultores, principalmente, os mais pobres”. Para um dos dirigentes entrevistados, “a resposta para esse distanciamento é dada pela baixa participação e desconfianças dos agricultores”.

Corroborando com a narrativa acima, podemos observar na figura16, que os laços de confiança nas relações comerciais estabelecidas entre os agricultores pesquisados e as cooperativas são frágeis. Do total da amostra, 82,73% dos agricultores informaram que confiavam pouco, 1,8% não confiam, e apenas 15,45% afirmaram confiar na cooperativa.

Figura 16 - Opinião sobre confiança nas relações comerciais com as cooperativas parceiras do PNPB

Fonte: pesquisa de campo.

Uma das explicações para a desconfiança apontada pelos pesquisados pode estar relacionada, também, pelo histórico de falências de grandes cooperativas na região Norte do estado do Rio Grande do Sul. No caso emblemático ocorrido na Bahia, a COOPAF faliu deixando mais de 5 mil agricultores desassistidos pelo programa.

Ainda sobre a desconfiança, um dos dirigentes da Fetraf-RS ressaltou que:

Nos últimos anos, milhares de agricultores perderam toda a produção em decorrência da falência de grandes cooperativas. E esse fato tem deixado os agricultores cuidadosos no momento de entregar a produção. Hoje eles, mesmo com pouca produção, entregam para várias cooperativas para não terem prejuízos no caso da falência de uma delas. O agricultor confia, desconfiando (Entrevistado 08 / Rio Grande do Sul).

No sertão da Bahia, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cafarnaum- BA criticou a atuação da cooperativa criada para organizar os agricultores que aderiram ao PNPB, mas que no seu entendimento, estava preocupada com o mercado da mamona, e não com as relações de solidariedade entre os agricultores e na busca de melhorias nas condições de vida dos agricultores pobres, tendo histórico enraizado de desarticulação. Segue trecho da entrevista que demonstra o desencontro entre as expectativas de uma cooperativa idealizada pelas entidades representativas da agricultura familiar e como ela se desenhou na prática.

A cooperativa criada para atender aos agricultores que aderiram ao PNPB era gerenciada por pessoas diferentes dos agricultores, eram profissionais, que sequer entendiam da dinâmica de uma agricultura tão sofrida como a da região do polígono da seca. A ideia de cooperação deu lugar aos negócios. Os agricultores não se reconheciam naquela proposta de cooperativa que só recebia e pagava pela mamona (Entrevistado 03). 1,82% 82,73% 15,45% 0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 80,00% 90,00%

Essa realidade empírica vai de encontro às teorias sobre participação e solidariedade gerada pelos laços cooperativos. De acordo Sennett (2012), a solidariedade é gerada pela cooperação e, ao mesmo tempo, gera vínculos sociais no cotidiano e na organização política, de forma que cooperação e solidariedade vão se complexificando, na medida em que se aprofundam as relações e as habilidades.

É possível afirmarmos, a partir das entrevistas com gestores das cooperativas, que os vínculos sociais construídos são mais fortes naquelas menores, geridas pelos próprios agricultores, cujas atividades são desenvolvidas conforme habilidades dos cooperados.

Outro dado importante diz respeito ao acesso a informações naquelas cooperativas altamente especializadas, com quadro de funcionários especialistas em negócios. Nelas, o pesquisador é recebido, mas precisa atender a várias burocracias através de ofícios enviados desde a diretoria de comunicação até chegar ao Presidente. Das duas entrevistas com as maiores cooperativas que dominam o volume de matéria-prima comercializadas para o biodiesel, os entrevistados não permitiram que as falas fossem gravadas e tampouco responderam a questões como, por exemplo, a pouca participação dos agricultores nas atividades promovidas pela cooperativa.

Essas cooperativas com estruturas “blindadas” repercutem na fragilidade da construção dos laços de solidariedade entre os cooperados. A ausência de receptividade e de entendimento do outro na cooperativa, conforme demonstrado na fala do entrevistado nº 03, poderia refletir na perspectiva do conceito de “cooperação como habilidade”, desenvolvido por Sennett (2012), e que trata da “capacidade para entender e mostrar-se receptivo ao outro para agir em conjunto” (p. 10). Contudo, o autor entende que esse é um processo espinhoso, cheio de dificuldades e ambiguidades, e quando não praticado, leva a consequências destrutivas (SENNETT, 2012).

A atuação das cooperativas altamente especializadas47 é contraproducente à proposta de

fortalecimento dos laços sociais com a participação dos cooperados e, em alguns casos, acaba gerando uma cooperação degradada em conluio (SENNETT, 2012, p. 16).

Conforme aponta Sennett (2012), a cooperação intensa exige habilidade, a técnica de fazer algo bem feito. Cooperar é realizar com destreza as habilidades sociais sérias, que são as chamadas habilidades dialógicas: ouvir com atenção, agir com tato, encontrar pontos de convergência e gestão da discordância ou evitar a frustração em uma discussão difícil. Em outras palavras, para o autor a receptividade que favorece a participação aparece na prática.

47 Tomo emprestado de um dirigente de cooperativa entrevistado o termo “cooperativas altamente especializadas”

para designar aquelas cooperativas geridas por profissionais contratados. Esse “modelo” de cooperativa tem sua atuação voltada, exclusivamente, para a comercialização da produção, focada na visão estratégica de negócios.

As lideranças sindicais e dos movimentos sociais envolvidos na implementação do PNPB atribuíram o não atingimento da meta social do programa ao fracasso das operações comerciais daquelas cooperativas criadas para atender às burocracias do PNPB com vistas à comercialização direta para a ANP.

A relação dialógica entre agricultores e cooperativas prevista no desenho do programa era inexistente e, somado a isso, os agricultores não confiavam nessa relação comercial que se iniciava em decorrência de uma mera burocracia. Não foram capacitados e nem tinham a cultura da participação. Todos esses desencontros diminuíram as expectativas de participação dos agricultores, sobretudo os da região Nordeste, no programa. O que permanece nos estados da Bahia e Piauí é o descrédito no programa e, consequentemente, em cooperativas.

De acordo Diniz e Favareto (2012), embora alguns produtores do Nordeste tenham conseguido se beneficiar do aumento do preço da mamona, isso não ocorreu por causa dos incentivos do programa, como assistência técnica, financiamentos, participação das entidades associativas e garantias de venda. Os atravessadores e proprietários de depósitos se sentiram ameaçados com a presença de outros agentes de compras, como as usinas, e adotaram preços iguais ou superiores aos ofertados pelo programa em contrato de venda e compra antecipado.

Cooperativa de crédito é a modalidade de cooperativa que parte dos agricultores que aderiram ao PNPB e estão vinculados como cooperados. A credibilidade dos agricultores, atualmente, é depositada na cooperativa de crédito. Eles são associados, contribuem e participam das reuniões de prestação de contas. De acordo com o entrevistado 03, “as cooperativas de grande porte recebem matéria-prima e outros produtos dos não cooperados como estratégia para não perderem o mercado do biodiesel e das commodities”.

De acordo com a figura 17, observamos que 54% dos agricultores pesquisados informaram não se sentirem parte das cooperativas em que estão associados e 46% informaram se sentirem parte, inclusive, com relações de proximidade entre os demais cooperados.

Figura 17 - Opinião dos agricultores sobre sentirem ou não parte das cooperativas

Fonte: pesquisa de campo.

Esse sentimento de pertencimento e/ou proximidade varia de acordo com o tamanho da cooperativa, o que está diretamente ligado ao seu quadro social. Os dirigentes das cooperativas, por eles consideradas pequenas e familiares, informaram que o que os diferenciam das cooperativas grandes e especializadas é “a amizade, solidariedade, sentarem para tomar um chimarrão”. “Nas cooperativas de grande porte, o agricultor trata com os funcionários, entregam sua produção, assinam um documento de entrega e logo vira um número”. “Aqui, sabemos quando tem um companheiro passando por dificuldades, aqui, a gente se ajuda”, “somos companheiros de estrada, de luta” (Entrevistado nº 06, presidente de cooperativa). Ao estudar o comprometimento dos cooperados em cooperativas de comercialização no Rio Grande do Sul, Siedenberg ressalta que o “despertar da solidariedade entre os cooperados é maior naquelas cooperativas menores em que a gestão é realizada pelos próprios cooperados” (2004, p. 52).

Esse cenário sobre a importância da participação em associações, cooperativas e Sindicatos é retratado na figura 18. Observamos que 11% dos agricultores consideram nada importante a participação em entidades associativas, 47,5% consideram pouco importante, 33,1% importante e 8% muito importante.

46% 54% 42% 44% 46% 48% 50% 52% 54% 56% Sim Não

Figura 18 - Opinião dos agricultores sobre a importância da participação em cooperativas, associações e sindicatos da categoria

Fonte: pesquisa de campo.

Acreditamos que a pouca compreensão sobre a importância de sua participação em cooperativas comerciais repercutiu, também, na falta de comprometimento na entrega da matéria-prima contratada pelas cooperativas. Como exemplo, podemos reforçar que, mesmo com a presença de cooperativas operando comercialmente junto ao PNPB, os agricultores preferem manter relações comerciais diretamente com as usinas, no caso do Rio Grande do Sul, ou com atravessadores, no caso da Bahia. O número de contratos dos agricultores com as usinas é infinitamente superior ao número de contratos com as cooperativas.

Os dados empíricos, de fato, representam a realidade vivenciada pelos agricultores em relação ao associativismo. Um dos desdobramentos é que os agricultores mantêm relações comerciais com cooperativas, mas não participam da sua dinâmica social.

A seguir, abordaremos a relevância do capital financeiro para a permanência ou não dos agricultores pesquisados no programa.