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O que nos propomos a narrar é de certa maneira uma forma de expor as frustrações de um planejamento de pesquisa que na prática deu errado. Talvez estejamos escrevendo para dar voz ao silêncio, ao que é silenciado por muitos pesquisadores, sobretudo os amadores, como nós. Expor o que deu errado, no nosso entendimento, é reconhecer que também fazemos ciência quando aprendemos a lidar com os imponderáveis da vida real e superamos tais obstáculos, nos reinventando no campo.

No Rio Grande do Sul não tivemos sucesso na abordagem dos dirigentes da COTRIEL – cooperativa com maior representatividade em termos de fornecimento de matéria-prima para o biodiesel. Essa cooperativa possui 6.424 cooperados com contratos ativos com o PNPB. Não conseguimos entrevistar o técnico responsável pelo controle e comercialização da produção para o biodiesel, para compreender a dinâmica de trabalho realizada pela cooperativa junto aos agricultores que aderiram ao programa, bem como compreender quais as vantagens para o agricultor cooperado.

Não conseguimos entrevistar o atual e ex-dirigente da União das Associações de Produtores do Interior de Canguçu - UNAIC - a entrevista abordaria questões relacionadas à dinâmica de participação dos agricultores, a relação dessa participação com os ganhos econômicos, bem como compreender os motivos que levaram 100% dos associados da UNAIC a desistirem do PNPB.

Não conseguimos ter acesso ao técnico responsável pelo gerenciamento do Software SABIDO37 na cooperativa COTRIEL, uma vez que essa cooperativa é referenciada pelo

balanço 2015 do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA como uma das cooperativas que atingiu os índices desejáveis de comercialização pelo software. Portanto, acreditamos que o uso dessa ferramenta de comercialização demanda do operador conhecimento técnicos e certo nível de escolaridade, e que do outro lado, a cooperativa precisa ter infraestrutura adequada com computadores, internet e GPS, o que parece-nos ser um desafio para cooperativas descapitalizadas e compostas por cooperados com pouca escolaridade, dada a complexidade do programa. Nessa entrevista, abordaríamos questões como a apropriação da ferramenta pela cooperativa, funcionamento do software, perfil do técnico responsável pela operacionalização, desafios e vantagens apontadas pela cooperativa na adesão a essa modalidade de comercialização.

Não obtivemos resposta do agendamento com o extensionista rural da EMATER-RS, responsável pelo ATER nos municípios de Canguçu e Espumoso para compreender a visão desses atores sobre o modelo de ATER implementado pelas usinas do biodiesel através dos extensionistas contratados por estas.

Não conseguimos entrevistar um representante da Associação Brasileira de Indústria de Óleos Vegetais – ABIOVE. A entrevista pretendia compreender a relação das usinas de biodiesel com a agricultura familiar através da normatização do Selo Combustível Social. No período da elaboração do projeto de tese, a supracitada associação mantinha um escritório em Porto Alegre - RS, mas no período da pesquisa o escritório fora transferido para Campo Grande- MT. Fizemos contato com o escritório em São Paulo para uma entrevista via Skype. Contudo, solicitaram que enviássemos as perguntas por e-mail para um agendamento. Mas não obtivemos resposta até a conclusão da pesquisa.

3.6.1 Considerações sobre o fazer pesquisa

A pesquisa de campo, embora tenha demandado grande esforço, nos possibilitou a produção de um saber dos pormenores empíricos revelados a partir da aplicação de 263

37 Software desenvolvido pela coordenação de biocombustíveis da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF/MDA)

e funciona como um portal de venda de matéria-prima da agricultura familiar através das cooperativas para as usinas de biodiesel. Acreditamos que os agricultores com pouca escolaridade e aquelas cooperativas com pouca infraestrutura não conseguem utilizar essa ferramenta para acesso direto ao mercado do biodiesel.

questionários em contextos marcados pelas mais diversas formas de viver, produzir e interagir com o mercado.

Nessa pesquisa, não buscamos em momento algum advogar sobre um método em detrimento de outro, mas possibilitar conhecer a realidade mediante conceitos e incursões metodológicas, sem, no entanto, utilizá-los como concluídos, mas articulando com as experiências, os sentidos e as urgências de compreensão do mundo social.

Reforçando que este capítulo não tem a pretensão de ditar normas e métodos, mas de contribuir com a reflexão dos aspirantes a pesquisadores, como nós, de que produzir conhecimento é desafiador, mas ver suas hipóteses se confirmarem é um prazer inenarrável.

Para Bachelard (2006), na pesquisa é importante compreender como vencer os obstáculos epistemológicos imbuídos de uma cultura científica; para o autor, somos fascinados pelas generalizações de primeira vista, logo, somos mobilizados pela motivação científica e superamos as armadilhas de explicar o que observamos pelo senso comum. Ao recorrer às ideias científicas, podemos então ordenar nossas descobertas em uma lógica inteligente, que provoca o conhecimento intelectual sobre o observado, sobre a situação pesquisada, sobre as dinâmicas sociais investigadas. É no campo científico que vivemos uma ruptura epistemológica. Assim, consideramos o nosso rito de iniciação no método quantitativo um aprendizado que superou os preconceitos construídos e alimentados pela própria academia.

Por fim, concordamos com Morin (2000) que a pretensão da pesquisa de campo é dilatar os sentidos, ampliar o horizonte da compreensão, encontrar novos caminhos e percorrer antigas trilhas. Fazer honra à complexidade nos leva hoje a dedicar-nos à tarefa de insuflar sentido. De acordo com a autora, é necessário rastrear a rede de relações que tece um acontecimento, tratar de expandir o universo dimensional de nossa experiência e historicização, sabendo sempre que é impossível seguir todas as pistas ou suspeitar ao menos da sua existência - entre outras coisas, porque vão surgindo em nossa própria atividade de elaboração. Ainda nesse sentido, Morin (2000, p. 38) reforça que é possível fazer ciência racional na medida em que há uma profunda imersão nas experiências da vida articuladas com a elaboração intelectual, o que resulta na interpretação do mundo e das interações sociais em sua diversidade.

4 ANÁLISE DO PERFIL DOS AGRICULTORES FAMILIARES PESQUISADOS

Neste capítulo, nos propomos a analisar o perfil dos agricultores familiares que permaneceram e dos que não permaneceram no Programa Nacional de Uso de Produção do Biodiesel - PNPB. Para isso, buscamos, a partir da análise quantitativa descritiva, cotejada por entrevistas realizadas com uma multiplicidade de atores sociais envolvidos na implementação do programa e diários de campo, conhecer e interpretar aspectos da diferenciação interna no segmento da agricultura familiar, determinada pelos diferentes meios de vida no ambiente rural (ELLIS, 1998).

No presente capítulo evidenciamos as características da situação de vulnerabilidade social daqueles agricultores que não permaneceram no programa, tais como: limitação de área, pouca organização social, baixo nível tecnológico, assistência técnica e capacitação incompatível com o estilo de agricultura praticada, baixo grau de instrução, capacitação, capitalização, renda agropecuária insuficiente para assegurar a reprodução da unidade de produção, entre outros.

Temos também os produtores tradicionais descapitalizados que recorrem às práticas de migração para trabalhos temporários e dependem da aposentadoria de um dos membros da família ou dos programas de transferência de renda.

A partir das evidências empíricas, podemos tratar das tendências sociais predominantes nos espaços sociais pesquisados. Estamos tratando de subgrupos (remanescentes e não remanescentes no PNPB) dentro do grupo denominado agricultura familiar.

A fim de estabelecer uma correlação entre características específicas e as formas sociais da agricultura de base familiar, estabelecemos os parâmetros “permaneceu” e “não permaneceu” para verificar a heterogeneidade social e econômica no seio das formas sociais de produções prevalecentes entre os agricultores pesquisados.

Estudos anteriores (ABRAMOVAY, 2007; SOUSA, 2010; FLEXOR 2007; MATTEI, 2010; TIBÚRCIO, 2011; BARCELOS, 2015) que se propuseram a explicar os desafios para a inclusão social dos envolvidos na agricultura familiar por meio do PNPB focaram a explicação na produção, nas diferenças regionais e na influência dos grupos de pressão para transformar a soja na matéria-prima principal para o biodiesel. Portanto, ao longo desses estudos, observava- se nítido desconhecimento sobre quais características esses agricultores familiares traziam que os fizeram alcançar a permanência ou não no programa.

Além de traçar esse perfil, também avançamos através da estatística descritiva cruzada para inferir sobre os condicionantes da permanência ou não permanência dos agricultores pesquisados no programa. Para melhor compreensão, optamos por utilizar um conjunto de variáveis que caracterizam: a) capital natural – terra; b) capital social - associações, cooperativas; d) capital humano - educação, assistência técnica; d) capital financeiro – renda, financiamentos.