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O produtor de biodiesel que detém o SCS é obrigado a prestar serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural aos agricultores familiares com os quais firmar contratos, atendendo aos critérios estabelecidos pelas instruções normativas do PNPB.

Nas avaliações do PNPB (MDA, 2015), a prestação dos serviços de ATER foi considerada um dos pontos de fragilidade para o atingimento da meta social do programa. Durante a pesquisa de campo, essa problemática sempre esteve na narrativa dos dirigentes e avaliação dos agricultores pesquisados, que entre uma resposta e outra, durante a aplicação dos questionários, abordavam a oferta dos serviços de ATER por parte das usinas como apenas uma “formalização burocrática” para manterem os benefícios da concessão e uso do SCS.

Sobre o desafio da ATER, é importante mencionar que estamos tratando de agricultores com acesso desigual aos serviços de assistência técnica e extensão rural. De acordo com a figura 20, no total da amostra, 70% dos agricultores já recebiam assistência técnica antes do PNPB e 30% nunca tinham recebido.

Figura 20 - Acesso a ATER antes do PNPB

Fonte: pesquisa de campo.

O fato de nunca terem recebido assistência técnica motivou a adesão de parte dos agricultores, sobretudo, nos estados do Piauí e da Bahia. Conforme observamos na tabela 21, entre os que aderiram, motivados pela possibilidade de acesso aos serviços de ATER ofertados pelas usinas, 85,5% não permaneceram no programa. Já os que afirmaram não serem tais serviços um dos motivadores para a adesão, 83,4% permaneceram no programa.

Figura 21 - Motivos para a adesão ao PNPB correlacionada com a permanência ou não no programa Situação no PNPB

Variável R Permaneceu Não permaneceu Total

Assistência Técnica

Não 83,40% 156 16,60% 31 100,00% 187

Sim 11 65 76

14,50% 85,50% 100,00%

Teste Qui-quadrado significativo p<0,000 Fonte: elaborada pela autora.

As entidades envolvidas na implementação do programa consideram que uma “ATER formatada para o aumento da produtividade acima das necessidades de autoconsumo das famílias dos agricultores dificultou a sua permanência, principalmente entre os mais pobres”.

Os agricultores mais pobres não conseguiram conciliar a demanda por matéria-prima para o biodiesel com a necessidade de produzir para o autoconsumo. De acordo com o ex- dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iraquara-BA, existia uma incompatibilidade entre o que estava previsto no programa do biodiesel e como ele chegou aos agricultores:

Os extensionistas rurais contratados e capacitados pelas usinas de biodiesel do Sul do Brasil tinham como referência um modelo de ATER voltada para produção acelerada [grande escala]. Só que nossos agricultores [Bahia] produziam de forma acanhada para a alimentação básica da família. Muitas famílias, mesmo com propriedade em tamanho bem pequeno, foram convencidas a aumentar a produção de mamona sacrificando a roça de manutenção [autoconsumo] da família. Isso de cara gerou o desagrado por parte dos agricultores mais necessitados, que não conseguiram acompanhar o as orientações do técnico [extensionista] da usina (entrevista 02).

Apesar da prestação do serviço de ATER ser a única contrapartida financeira das usinas contempladas com SCS, conforme detalhamos no capítulo 2 desta tese, a crítica que recai sobre o programa no quesito ATER é de um serviço com pouca eficácia para aqueles agricultores mais frágeis economicamente. A pouca quantidade de extensionistas para assistir a um grande número de agricultores não favoreceu a permanência daqueles que mais precisavam de orientações. A ATER das usinas se resumiu a “preencher laudos e não orientar os agricultores”, afirma dirigente da FETAG-BA.

A seguir listamos, no quadro 2, um resumo das principais características dos agricultores que permaneceram e não permaneceram no programa.

Quadro 2 - Resumo das principais características dos pesquisados que permaneceram e não permaneceram no PNPB

Variável Escolaridade dos respondentes

Permaneceram Registraram mais anos de estudos.

Não permaneceram Registraram menos anos com maior percentual de não alfabetizados. Condição fundiária da propriedade dos pesquisados

Permaneceram Proprietários

Não permaneceram Apensar de discreta, observamos que os agricultores arrendatários ou meeiros tiveram maior tendência a não permanecerem no programa. Logística para a entrega e armazenagem da oleaginosa para o biodiesel

Permaneceram Aqueles agricultores que a unidade familiar está a uma distância de até 10 km.

Não permaneceram Todos os agricultores que a unidade familiar está localizada a uma distância acima de 30 km.

Área produtiva da unidade familiar

Permaneceram Áreas com aproveitamento produtivo acima de 75%. Não permaneceram Áreas com aproveitamento produtivo de até 25% ou menos. Tamanho total da propriedade

Permaneceram Agricultores com propriedades com tamanho acima de 21 hectares. Não permaneceram Agricultores com propriedades com tamanho até 05 hectares.

Infraestrutura da unidade de produção

Permaneceram Propriedades mais estruturadas para a produção (maquinários, transporte para comercialização, armazéns para estocar produção, irrigação etc.)

Não permaneceram Propriedades em precárias condições de produção, pouca ou nenhuma mecanização, contam com o uso de arado com tração animal, etc. Capital Social

Permaneceram

A média de associativismo é maior entre os que permaneceram, embora, observamos mudanças quanto a afiliação nas entidades que mentem relações comerciais, como as cooperativas, por exemplo. Mas, ainda assim, os que permaneceram no programa são mais engajados e articulados com suas instituições sociais.

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Não permaneceram

Baixo nível de participação e estão localizados em contextos geográficos com pouca ou nenhuma existência de cooperativas, associações. A entidade mais próxima dos que desistiram são os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, porque existia a exigência de serem filiados e com suas contribuições sindicais em dias para terem acesso a aposentadoria especial.

Capital financeiro

Permaneceram

Possuem renda média mensal superior de 10 mil reais. Dedicam-se a mais de uma atividade agrícola (trigo, frutas) e produção de leite todas voltadas, quase que, exclusivamente, para o mercado. Movimenta as atividades com recursos de financiamentos. Mesmo antes do PNPB sempre tiveram acesso a algum programa de crédito agrícola, inclusive, com mais de uma DAP por família.

Não permaneceram

Renda de até R$ 1.500,00. Descapitalizados, são marcados por um processo de vulnerabilidade econômica e social com importante dependência dos programas de transferência de renda e aposentadoria especial. Os homens em idade produtiva se dedicam a migração temporária para viabilizar a reprodução social do grupo familiar na roça. A renda familiar é oriunda de um cultivo que podemos chamar de carro-chefe com finalidade comercial, como o caso da mamona e demais cultivos são destinados ao autoconsumo ou a mercados de circuitos curtos como; feiras livres e porta a porta. Os investimentos para a produção são de recursos próprios oriundos, quase que, exclusivamente, da migração temporária ou prestação de dias de

serviços nas fazendas da região. Nesse grupo familiar, ainda existe a troca de dias de serviços com os vizinhos, reforçando os laços de solidariedade. Pouco ou nenhum acesso a créditos do Pronaf ou outras políticas públicas agrícolas.

Processos de mercantilização

Permaneceram

Aqueles com maior envolvimento com o mercado. Comercializam através das cooperativas, Apesar de tímida a participam dos mercados institucionais (PNAE, PAA), os recursos disponíveis na propriedade são revertidos em mercadorias, as estratégias de reprodução do grupo familiar são focadas nas estratégias de acesso aos mercados, estão no programa pela oportunidade de acesso a novos mercados.

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Não permaneceram

Sua relação comercial ocorre com uma rede de atravessadores e venda direta para os consumidores em feiras- livres e porta a porta, sobretudo, com a venda de frutas da época, aves criadas em sistema de tradicional (caipira), ovos. Tudo em pequenas quantidades e sem regularidade.

Composição da força de trabalho familiar

Permaneceram

A mão de obra disponível na família é suficiente para atender ao PNPB. E costumam contratar temporários no período de plantio e colheita, mesmo antes de aderirem ao PNPB. O fato de serem mecanizados diminui a dependência de mão de obra externa.

Não permaneceram

Mão de obra familiar disponível não foi suficiente para atender a demanda do PNPB. Antes com programa esse grupo familiar nunca havia contratado diaristas quando precisam, faziam trocas. Após o programa precisam contratar força de trabalho temporário para a realização dos s tratos culturais e colheita, inviabilizando, economicamente a atividade agrícola com foco no programa. Produção, totalmente, manual.

Acesso serviços de ATER

Permaneceram

Esses agricultores mesmo antes de aderirem ao PNPB sempre tiveram acesso a programas de Assistência Técnica e Extensão Rural- ATER, seja através da Emater, Cooperativas e empresas de insumos. Para esses agricultores, a extensão rural fornecida pelas usinas não foi o maior motivador para aderirem ao programa.

Não permaneceram

Pouco ou nenhum acesso a programas de Assistência Técnica e extensão rural – ATER. Um dos motivadores para a adesão ao programa foi à possibilidade de acesso aos serviços de ATER ofertados pela usina de biodiesel parceira.

5 CONDICIONANTES PARA PERMANÊNCIA DOS AGRICULTORES FAMILIARES NO PNPB

Neste capítulo realizamos a análise de regressão logística com objetivo de verificar a existência de uma relação funcional entre uma variável dependente dicotômica (permaneceu=1 ou não=0 no PNPB) com uma ou mais variáveis independentes para predizer quais as chances dos agricultores pesquisados permanecerem ou não no programa do biodiesel. O nosso estudo partiu do entendimento de que o PNPB é um programa com importante dimensão social, cujo desenho original previa a inclusão da agricultura familiar, com foco prioritário para os agricultores pobres, historicamente marginalizados pelas políticas públicas de fomento ao desenvolvimento rural.

De acordo com o MDA (2005), Abramovay (2009) e Flexor (2010), o programa do biodiesel inova na sua formulação da política pública energética quando se propõe a diminuir as desigualdades regionais, sobretudo no acesso a crédito rural, inovação tecnológica, acesso a um novo mercado criado com a intervenção governamental e assistência técnica para a introdução de novas oleaginosas para diversificar a matéria-prima utilizada na produção do biodiesel no Brasil.

Contudo, é importante mencionarmos que apesar da relevância dos estudos sobre o programa do biodiesel realizados por Souza et al. (2015), Flexor e Kato (2015), Barcelos (2015), Tibúrcio (2011); Mattei (2010), Silva (2017), Abramovay (2009), Resende (2017), Prado (2015), Azevedo (2010), Pedroti (2013), sentimos a ausência de informações que nos levassem a compreensão acerca dos sujeitos sociais, ou seja, dos agricultores familiares implicados nessa política. Parte significativa dos estudos acima mencionados está ancorada na tradição teórica sobre implementação de políticas públicas que dominou a década de 1970, cujos resultados dos estudos remetiam para a ideia de “falha de implementação” colocando o programa do biodiesel em dois polos, o de “sucesso ou fracasso”. Portanto, concordamos com McConnell (2010) quando diz que ainda é necessário avançarmos nos estudos sobre implementação de políticas públicas, sobretudo no reconhecimento dos aspectos que estão entre o “sucesso” e o “fracasso”, o que ele vai denominar de “áreas cinza”. Para McConnell (2010), a realidade é que os resultados de uma política pública estão em algum ponto entre os extremos de “bem sucedido e mal sucedido”, em outras palavras, a dificuldade adicional é que uma política pública tem várias dimensões, muitas vezes sucedendo em alguns aspectos, mas não em outros, de acordo com os fatos e suas interpretações.

Diante do postulado, entendemos que à luz dos estudos já realizados sobre o alcance da dimensão social do PNPB não é possível afirmarmos se a diferenciação social presente no segmento da agricultura familiar é uma chave explicativa para entendermos as características determinantes para permanência de um grupo de agricultores, e outros não, no programa do biodiesel.

Os resultados da nossa pesquisa vêm demonstrando que a inclusão da agricultura familiar no PNPB tornou-se um desafio para os implementadores porque, no recorte normativo das políticas públicas rurais, todos os agricultores que aderiram ao programa são considerados iguais, mas que na prática, tratam-se de sujeitos economicamente desiguais, o que os faz também, socialmente desiguais. E no horizonte dessas desigualdades, é necessário perguntarmo-nos sobre as possibilidades e limitações para a participação e permanência no mercado do biodiesel por um segmento da agricultura marcado por acentuadas diferenças sociais.

Por fim, com o intuito de contribuirmos com esse debate, conforme proposto nas nossas hipóteses iniciais, construímos sete modelos com o objetivo de testar o efeito das variáveis independentes principais com o máximo de especificações e fatores de controles para apresentarmos todos os resultados que fizeram parte do percurso até os achados finais desta pesquisa. Com os resultados desses modelos é possível predizer sobre as chances dos agricultores pesquisados permanecerem no programa, conforme apresentaremos no decorrer deste capítulo.