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Para melhor compreensão e análise dessa variável, a recodificamos em 4 extratos de tamanhos diferentes, que foram separados pelos intervalos que mais apareciam na amostra para hierarquizar as respostas mais frequentes e, certamente, correlacioná-las com a permanência ou não dos agricultores familiares no programa do biodiesel. Conforme figura 13, os dados demonstraram que dentre os respondentes que possuem de 01-05 hectares, 85,5% deles desistiram do programa,

40 A compactação é o aumento da densidade do solo e a redução da sua porosidade que se dá quando ele é

submetido a um grande esforço ou a uma pressão contínua. Isso acontece, por exemplo, em função do tráfego de tratores e máquinas agrícolas pesadas, do pisoteio do gado sobre o campo ou do manejo do solo em condições inadequadas de umidade. Além disso, certos tipos de solo são mais vulneráveis à compactação como os do cerrado e semiárido (DIAS JR.; PIERCE, 1996).

enquanto que entre os respondentes que possuem áreas acima de 20 hectares, 94,5% deles permaneceram no programa.

Figura 13 - Tamanho da propriedade dos agricultores pesquisados

Fonte: pesquisa de campo.

O resultado do cruzamento foi estatisticamente significativo41 pelo teste do Qui-

quadrado42, da variável tamanho da propriedade correlacionada com a variável permanência ou

não-permanência no programa. Fundamentou empiricamente uma das nossas hipóteses iniciais, de que existia uma tendência de permanecerem no programa aqueles agricultores que possuíam propriedades mais extensas, conforme observamos a partir dos dados da tabela 10.

Na escala de 01 a 05 hectares, 82% dos pesquisados não permaneceram e 17, 5% permaneceram; na escala 06 a 10 hectares, registra-se mais equilíbrio, com 45% permanecendo e 55% não permanecendo; na escala de 11 a 20 hectares já decresce a permanência dos menores e aumenta a dos maiores, pois 68,6% permaneceram e 31,4% não permaneceram. E assimetria mais significativa foi registrada na escala acima de 21 hectares, com 94,5% dos agricultores pesquisados permanecendo e apenas 5,5% não permanecendo. Dito de outra maneira, das

41 Isto quer dizer que as diferenças encontradas têm uma probabilidade grande (mais que 95%) de ocorrer no

universo de onde a amostra foi extraída.

42 Teste adequado quando estamos cruzando 2 variáveis qualitativas (ou categóricas) e queremos verificar se as

diferenças encontradas podem ser generalizadas para a população, para maiores detalhes ver Ramos (2014, p. 42).

24,0 15,2 19,4 41,4 0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0

características dos que não permaneceram, os que possuem áreas menores foram os que registraram maiores índices de não-permanência no programa.

Tabela 10 - Tamanho da propriedade dos agricultores que aderiram ao aderiram ao PNPB por permanência Permaneceu Não permaneceu Total

Até 5 hectares 11 52 63 17,5% 82,5% 100% De 6 – 10 hectares 18 22 40 45% 55% 100% De 11 – 20 hectares 35 16 51 68,6% 31,4% 100% Mais de 20 há hectares 103 6 109 94,5% 5,5% 100%

Teste qui-quadrado deu significativo (p<0,05). Fonte: pesquisa de campo.

Os agricultores inseridos no Programa e que possuem uma média de 8 hectares estão representados, significativamente, nas amostras dos estados da Bahia e do Piauí. Os agricultores com média de 31 hectares estão concentrados na amostra do estado do Rio Grande do Sul, que é justamente o estado com maior adesão e permanência ao PNPB.

Dentre os agricultores que desistiram do programa no estado sulista, um dos motivos apontados no questionário tem relação com o tamanho da unidade de produção: aqueles que estão na média de cinco hectares desistiram do cultivo da soja e, necessariamente, do programa. O tamanho da propriedade no contexto dos estados da Bahia e do Piauí é uma das variáveis que segundo o teste Qui-Quadrado podem ter contribuído para a desistência dos agricultores no programa, uma vez que deixaram de produzir determinadas culturas (milho, mandioca e feijão) para investirem na produção exclusiva da oleaginosa (mamona), utilizando- se de todos os recursos disponíveis pela família (terra e força de trabalho). A cultura da mamona passou a disputar espaço privilegiado na pequena unidade de produção, provocando desequilíbrio na economia doméstica, como frisa o agricultor informante do sindicato entrevistado:

O que entrava de dinheiro da venda de mamona para o biodiesel não dava para comprar comida pra família e o milho das criações. Sabe como é!? A gente labuta com muitas coisas ao mesmo tempo, para no final das contas sobreviver da roça. O agricultor pobre que tem um punhadinho de terra não pode ficar só com uma coisinha plantada. Aqui se planta de tudo, se faz de tudo um pouco para sobreviver. (E. P. S. 55 anos, Iraquara, Bahia.

Ainda sobre o tamanho das propriedades, os extensionistas rurais pesquisados, em geral, ressaltaram que dentre os agricultores que aderiram ao Programa do biodiesel, além das áreas já serem pequenas na sua constituição inicial, elas continuaram num processo de “encolhimento”. Vejamos o que afirma um dos extensionistas entrevistado:

Quando os filhos se casam, os pais vão retirando um roçado, para eles tirarem o sustento da família e construir a nova moradia. Aí, as roças aqui da região estão se transformando mais num lugar de moradia rural que uma área de produção. O pouco que eles plantam é para adiantar o lado da família na alimentação. Daí veio um dos problemas do programa, pegar essa área já pequena e plantar só um cultivo, no caso, a mamona. Isso terminou afetando a sustentabilidade do Programa do biodiesel aqui na Bahia, porque a partir desse problema vieram outros maiores, com a venda da mamona para os atravessadores, mesmo com contrato com a usina. O problema não foi a produção da mamona, nós [extensionistas] que trabalhamos diretamente com esses agricultores sabemos que o problema foi a falta de critérios para selecionar o tipo de agricultor que pudesse atender a demanda da usina. O programa não previu que o tamanho da área seria um problema em médio prazo. (T. A, 28 anos, Iraquara, Bahia).

Os dirigentes da FETRAF dos municípios pesquisados no Rio Grande do Sul demostraram consciência da inviabilidade econômica da soja para as pequenas unidades familiares. No entanto, esses agricultores familiares permanecem cultivando a oleaginosa porque estão inseridos num contexto produtivo em que a soja é difundida entre as propriedades, facilitando a comercialização e acesso ao crédito rural para custeio da produção. Essa lógica de valorização dessa commodity “obriga” o agricultor a cultivar soja porque os incentivos locais para financiamentos giram em torno dela, e não de outras culturas, conforme entrevista:

Como agricultor familiar pequeno, a gente pega o dinheiro para custeio pra ver a propriedade em movimento porque, lucro mesmo, não dá. Os custos de produção são altos e as terras das propriedades pequenas perdem a fertilidade cedo porque não é possível fazer a rotação de culturas e nem cobertura morta. A gente não consegue colocar a terra para descansar porque é pequena. A soja para propriedade pequena é ilusão e permanecer no Programa do biodiesel para os pequenos que cultivam soja, as vantagens vêm da entrega do produto sem atravessador ou cerealistas. A usina facilita o recebimento e para o pequeno que produz pouco e não tem capacidade para estocar, isso ajuda muito. E ainda tem um bônus, que é pouco, mas ajuda a cobrir despesas pequenas. Se esses pequenos pudessem fazer a venda de balcão [breve período de armazenamento], poderia ter melhor preço. Mas a venda dessas propriedades pequenas é no disponível [venda imediata, logo após a colheita]. Só que também estamos falando do vício que é produzir soja. A gauchada quer ter soja na estância [risos], sempre foi assim, mesmo tendo só um punhado de terra (Entrevistado 01, 65 anos, Sertão, representante da FETRAF Rio Grande do Sul).

Com base nas entrevistas, compreende-se que nas pequenas propriedades a produção de oleaginosas com contrato antecipado para o mercado do biodiesel desequilibrou a relação produção-consumo familiar. A produção entregue no final da safra apresentou-se como um desafio para os agricultores que precisavam do dinheiro em menores períodos de tempo. No contexto estudado, os agricultores que abandonaram o programa tinham a prática de receber

antecipadamente uma parte do que previam colher. E essa prática marcou o início da desestabilização no programa, sobretudo nos estados do Nordeste.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Morro do Chapéu, no estado da Bahia, “é preciso rever políticas públicas que não levam em consideração a realidade dos agricultores, sobretudo no que diz respeito ao tamanho da propriedade e sobre o seu modo de fazer agricultura”, conforme abaixo:

As políticas públicas que pretendem inserir os agricultores familiares, sobretudo aqueles que possuem pequenas áreas no mercado do biodiesel, precisam, antes de mais nada, reconhecer que esses estabelecimentos rurais estão se transformando em moradias, tendo em vista que, apesar de pequenos elos continuam diminuindo porque os pais vão dividindo os roçados com os filhos que se casam. Vivemos uma realidade do encolhimento das propriedades para atender com terras as novas gerações. Parece algo antigo esse problema [terra], mas é atual para nós que vivemos da roça. Então, pensar um programa que não leva isso em conta, exigindo escala de produção como estratégia de inserção do agricultor familiar pobre num mercado tão especializado como o do biodiesel, é constatar a desistência em massa daqueles que aderiram na ilusão de uma vida melhor, mais confortável, sem precisarem sair para dar um dia de serviço nas roças dos outros (agricultor, Morro do Chapéu, Bahia).

Ainda sobre o tamanho da propriedade, o consultor contratado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA com vistas a acompanhar a implementação do programa no território da mamona no estado da Bahia no período de 2007 a 2010, frisa que:

Pode até ser que na sua pesquisa não apareça a relevância do tamanho da propriedade como um dos fatores que também contribuíram para a desistência dos agricultores que aderiram ao programa aqui na Bahia. Para esses que possuem uma média de 3 hectares de terra, a mamona, geralmente, ocupava apenas 1 hectare para eles venderem fracionadas durante todo o ano. A prova disso é que eles apelidam a mamona de “poupança verde”, “poupança no galho” e “tira do aperto”. Sabemos que para o Nordeste, a escolha da mamona foi infeliz, mas eu diria que estimular a adesão do agricultor muito pobre, de propriedade muito pequena, foi uma decisão mais infeliz ainda. Agora estão aí, dizendo que não querem mais nenhum projeto, se sentindo enganados porque achavam que o programa resolveria todos os seus problemas. E a gente sabe que essas coisas o Programa não pode prever porque tem uma diferença grande entre quem pensa as políticas públicas e quem faz acontecer na prática (G. R. M, 42 anos, Consultor MDA).

Tomando como referência analítica a percepção dos atores sociais envolvidos na implementação do programa, pode-se inferir que a problemática envolvendo o tamanho da propriedade é fruto do não reconhecimento da “diferenciação interna” existente no referido grupo social (GALESKI, 1972). Ainda de acordo com o autor, o que se coloca como ponto para reflexão é se o “o campesinato deve ser tomado como um todo ou se sua diferenciação interna é elemento primordial” para se pensar melhor a sua articulação com mercados mais especializados.

A produção para o autoconsumo e a maximização do fator de produção (terra) são características dessas unidades agrícolas com até dez hectares. Os dados empíricos não contradizem outros estudos, como o de Grisa e Schneider (2008), que atestam ser a “produção para o autoconsumo uma estratégia recorrente pelas unidades familiares e se diferencia de acordo com a dinâmica da agricultura familiar” (p. 482). Os autores estudaram a realidade dos agricultores do Rio Grande do Sul. Isto posto, essas características se confirmaram, também, com agricultores pesquisados nos estados do Piauí e da Bahia. Para esses últimos, de acordo com o dirigente da Fetag-BA, “produzir uma única cultura que não seja comestível é incompatível com o estilo de agricultura dos plantadores de mamona da região Nordeste. Quem planta mamona é o agricultor familiar mais sacrificado do Nordeste e com pouca terra”.

A depender da dinâmica produtiva da unidade familiar pesquisada, o tamanho da propriedade pode ser um dos fatores limitantes para a permanência dos agricultores familiares no programa do biodiesel. Se observado do ponto de vista da utilização da terra para a produção de alimentos com vistas ao autoconsumo, prática essa que ocorre, quase que exclusivamente, entre os agricultores pesquisados nos estados do Piauí e da Bahia, é possível que a variável tamanho da propriedade explique a incompatibilidade do modelo de produção doméstica - PD Ploeg (2006) - com as aspirações do programa, que por sua vez estaria mais próximo do modelo de Produção Capitalista de Mercadorias – PCM (PLOEG, 2006), por exigir regularidade de entrega, escala de produção e especialização produtiva.

Ainda sobre o tamanho dos estabelecimentos, Dalmazo, Sorrenson e Figueiró (2002) verificaram que os pequenos agricultores, mesmo ligados ao mercado, não são movidos pela lógica capitalista com a produção de mercadoria visando lucro, mas pela lógica camponesa, de produção para autoconsumo e manutenção do status atual, com minimização dos custos.

Por fim, a partir dos dados analisados e reforçado pelas percepções dos atores sociais envolvidos na implementação do programa, podemos afirmar que existe uma importante associação com o tamanho da propriedade no universo da amostra dos que desistiram e dos que permaneceram no programa, ainda que não possamos falar em causalidade, por ser ainda uma análise descritiva bi-variada43.

Na visão do extensionista rural de uma usina produtora do biodiesel, o “programa falhou porque deixou a cargo das usinas a responsabilidade de implementar o Selo Combustível Social – SCS”. E essa decisão sobre quem estaria no perfil mais adequado para atender a dimensão

43 A relação causal do tamanho da propriedade e a permanência foi testada no modelo multivariado e é apresentada

social do programa ficou a cargo dos extensionistas contratados para selecionar, cadastrar e dar assistência técnica àqueles agricultores que aderiram ao programa. Contudo, de acordo com o consultor do MDA:

Nem sempre esse extensionista conseguia dar conta da complexidade que envolvia essa adesão. O programa, ao ser formulado, não previu que os agricultores com propriedades muito pequenas não se manteriam no programa por incompatibilidade da escala de produção e necessidade da venda imediata para a manutenção das despesas semanais etc.

A análise do consultor reforça os dados que encontramos na pesquisa de campo. Embora não possamos, ainda, afirmar que têm mais chances de permanência no programa aqueles agricultores que possuem propriedades maiores, é possível inferir que existe uma correlação entre o tamanho da propriedade e a permanência ou não dos agricultores pesquisados.

4.8 INFRAESTRUTURA DA UNIDADE DE PRODUÇÃO DOS AGRICULTORES QUE