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Características de Manipulação

No documento Introdução Aos Materiais Dentários (páginas 134-137)

Os efeitos da composição do vidro no processo de reação são muito pronunciados e de importância considerável na determinação da aceitabilidade das características fi nais de manipulação do cimento. A proporção de Al:Si do vidro dos cimentos de ionômero de vidro é mais alta que a dos cimentos de silicato, porque o ácido poliacrí- lico e seus análogos são muito mais fracos que o ácido fosfórico. Um dos efeitos dessa proporção aumentada é a redução do tempo de trabalho.

Contudo, os cimentos de ionômero de vidro são pre- viamente inclinados a ter tempos de trabalho e de presa prolongados. Isso era certamente um problema sério com as formulações iniciais desse cimento até ser superado pela inclusão da concentração ótima de ácido tartárico. Acredita-se que o ácido tartárico possua duas funções. Primeiro, reage rapidamente com os íons de cálcio que são liberados do vidro, havendo a formação de tartarato de cálcio, que possui o efeito de prolongar o tempo de trabalho. Isso é seguido por uma melhoria na taxa de for- mação das ligações cruzadas de poliacrilato de alumínio, o que acelera a reação de presa (Fig. 2.3.10).

Pela manipulação da composição do vidro e do tamanho da partícula e pela incorporação do ácido tartá- rico, as características de manipulação foram muito aper- feiçoadas no decorrer dos anos e hoje são bem-superiores aos produtos disponíveis inicialmente. Essas melhorias são apresentadas na Tabela 2.3.1. Como consequência de tais mudanças, agora os cimentos de ionômero de vidro possuem uma presa bem mais defi nida.

Adesão

Um dos aspectos mais atrativos do cimento de ionô- mero de vidro é ser um material restaurador de inserção em uma única porção (não necessita de inserção incre- mental), que é capaz de aderir diretamente à dentina Vidro de alumínio-silicato

Sílica gel

Poliácido de ligação cruzada

Figura 2.3.9 A estrutura de um cimento de ionômero de vidro.

MATERIAIS DENTÁRIOS DE USO CLÍNICO

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e ao esmalte. Foi mostrado que os íons de poliacrilato tanto reagem com a estrutura de apatita (deslocando os íons de cálcio e fosfato e criando uma camada inter- mediária de íons de poliacrilato, fosfato e cálcio) como aderem diretamente ao cálcio na apatita, como mostra a Figura 2.3.11.

A adesão à dentina pode ser do tipo ponte de hidro- gênio ao colágeno combinada com uma ligação iônica à apatita na estrutura dentinária. A resistência de união, como medida nos testes de resistência de união por cisalhamento, sugeriria que não é particularmente forte (2-7MPa), mas a experiência clínica indicaria que é durável quando o material é usado para restauração de lesões de erosão. Sejam lá quais forem os detalhes do pro- cesso de adesão, a adesão criada é sufi cientemente forte, tal que quando um CIV se descola, a fratura em geral é no interior do cimento e não ao longo da interface. Por isso, a principal limitação da resistência de união do cimento de ionômero de vidro parece ser a sua baixa resistência à tração, que é apenas ao redor de 7 MPa e é devida à natureza friável destes materiais.

Para se obter uma boa adesão à dentina, a superfí- cie deve ser tratada primeiro com um condicionador. O melhor condicionador parece ser o ácido poliacrí- lico, embora o ácido tânico tenha se mostrado também efi caz. A típica resistência de união por tração que

foi medida quando unida à dentina está mostrada na

Tabela 2.3.2.

O objetivo principal do tratamento da superfície é remover os resíduos e produzir uma superfície lisa e limpa. O ácido cítrico não deve ser usado porque abre os túbulos dentinários, aumentando a permeabilidade dentinária e o potencial de reação pulpar. Além disso, ele desmineraliza a dentina, o que pode comprometer a adesão ao componente apatita.

Estética

Um requisito importante para qualquer material restau- rador para uso em dentes anteriores é o seu mimetismo com os tecidos dentários adjacentes, de forma a se torna- rem indistinguíveis. Os fatores que governam são a cor e a translucidez do material restaurador.

Nos cimentos de ionômero de vidro a cor é produzida pelo vidro. Ela pode ser controlada pela adição de pig- mentos, tais como o óxido férrico ou o carbono preto. Com ácido tartárico Sem ácido tartárico V iscosidade Tempo

Figura 2.3.10 O efeito do ácido tartárico na curva de viscosidade em função do tempo de presa de um cimento de ionômero de vidro.

Tabela 2.3.1 Características de manipulação dos cimentos de ionômero de vidro (CIVs) antigos e novos

Material Mistura Trabalho Presa Acabamento

ASPA 60 s 90 s 6 min 24 h CIV moderno 20 s 75 s 2 min 7 min Ligação iônica Ca2+ COO– COO– COO– Poliácido Ponte de hidrogênio H Esmalte

Figura 2.3.11 Mecanismos de adesão dos cimentos de ionômero de vidro.

Tabela 2.3.2 Efeitos dos tratamentos superfi ciais na resistência de união à tração dos cimentos de ionômero de vidro ao esmalte e à dentina

Tratamento superfi cial Resistência de união (MPa) Esmalte Nenhum 3,2 Ácido cítrico 5,6 Ácido poliacrílico 7,1 Dentina Nenhum 3,1 Ácido cítrico 3,7 Ácido poliacrílico 6,8

CIMENTOS DE IONÔMERO DE VIDRO E CIMENTOS DE IONÔMERO DE VIDRO MODIFICADOS POR RESINA

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Enquanto a cor não representa um grande problema, a translucidez dos primeiros cimentos de ionômero de vidro era inadequada, sendo mais comparável com a da dentina do que com a do esmalte. Esta falta de translu- cidez signifi cou que a aparência estética dos cimentos de ionômero de vidro foi sempre considerada inferior à da resina composta. Os cimentos pareciam opacos e sem vida, o que limitava sua aplicação como material restaurador para tratamento de lesões de erosão e cavi- dades classe III não críticas. Existem essencialmente duas causas para a opacidade dos cimentos de ionômero de vidro:

1. Separação de fase do vidro. De alguma forma tal pro-

blema pode ser superado pela redução do conteúdo de alumínio, cálcio e fl uoreto do vidro, mas isso reduz a resistência do material e prolonga os tempos de tra- balho e de presa.

2. Discrepância do índice de refração. Este problema pode

ser minimizado pela redução do conteúdo de alumínio e aumento do conteúdo de fl úor; contudo, esse último conduz à separação de fase. Em geral, os cimentos de ionômero de vidro com boas propriedades ópticas tendem a possuir características defi cientes de presa. A translucidez de um material restaurador pode ser descrita e medida considerando-se o seu inverso ⎯ opa-

cidade. Opacidade é defi nida como sendo zero para um

material transparente e 1,0 para um material branco opaco. A opacidade, ou relação de contraste, é defi nida como a proporção entre a intensidade da luz refl etida por um material quando colocado contra um fundo escuro e aquela obtida para um fundo branco de refl ectividade conhecida (70% no caso dos cimentos odontológicos).

Esta não é uma propriedade absoluta do material, pois depende da sua espessura e da distribuição do espectro da luz visível incidente. Tal propriedade, denominada C0,70 (Cap. 18), dá valores médios para o esmalte e a dentina de 0,39 e 0,70, respectivamente. As primeiras formulações dos cimentos de ionômero de vidro atingiam valores de C0,70 na faixa de 0,7 a 0,85. Elas foram melhoradas e agora

estão se aproximando aos valores do esmalte, com valores de C0,70 de 0,4 para algumas formulações.

A opacidade é afetada pela absorção de água, que causa uma diminuição na opacidade. Portanto, clinica- mente, a restauração pode escurecer quando entra em contato com a saliva.

Selecionar a cor e a translucidez apropriadas é uma tarefa difícil, pois são afetadas pelas propriedades ópticas do material subjacente. Em algumas ocasiões, a transluci- dez tem que ser sacrifi cada lançando-se mão de um mate- rial relativamente opaco com o objetivo de mascarar uma subestrutura particularmente escura. Nesses casos, os cimentos de ionômero de vidro podem se mostrar particularmente benéfi cos.

Mesmo que a combinação inicial da cor e da translu- cidez entre o esmalte e o cimento de ionômero de vidro

seja importante, também é importante que essa boa com- binação seja mantida no ambiente severo que é a cavi- dade bucal. A perda da qualidade estética da restauração pode surgir pelo manchamento que, se for excessivo, poderá ser considerado como falha clínica e necessitar substituição.

Os cimentos de ionômero de vidro parecem ser menos suscetíveis ao manchamento que os cimentos de silicato, que os precederam. Isso foi atribuído à adesão superior entre a matriz e o vidro do cimento de ionômero de vidro, quando comparada à adesão entre a resina e a carga no compósito. Contudo, os compósitos melhoraram consi- deravelmente nos últimos anos e agora são menos sus- cetíveis ao manchamento superfi cial. O manchamento das margens em torno dos cimentos de ionômero de vidro também se mostrou bem menos pronunciado que das resinas compostas. Isso pode ser um refl exo da exce- lente adesão que pode ser obtida entre um cimento de ionômero de vidro e os tecidos dentários. Um outro fator contribuinte pode ser a contração de presa dos CIVs, que é consideravelmente menor que a das resinas. De fato, os cimentos de ionômero de vidro tomam presa por uma reação ácido-base mediada por ligações cruzadas das cadeias de poliácido, que inerentemente produz menos contração que a polimerização. Por isso, tensões interfa- ciais locais geradas serão menores, e a adesão possui uma melhor chance de sobrevivência.

Solubilidade

Devido à sua alta solubilidade, os silicatos odontológicos tinham a reputação de perda do material na boca. Em alguma extensão, isso pode ser atribuído ao preparo e à manipulação incorretos, mas é uma característica ine- rente de todos os cimentos odontológicos e, como tal, os cimentos de ionômero de vidro não são exceção.

Contudo, esse aspecto negativo do comportamento do material pode ser minimizado por uma apreciação dos mecanismos envolvidos e pela adoção de uma técnica clínica apropriada. Os processos que levam à perda de material são complexos, e existem muitas variáveis en - volvidas, tais como a composição do cimento, a técnica clínica usada e a natureza do ambiente. A perda de mate- rial de um cimento de ionômero de vidro pode ser clas- sifi cada em três categorias principais:

■ dissolução do cimento imaturo;

■ erosão a longo prazo; e

■ abrasão.

A dissolução do cimento imaturo ocorre antes do material ter tomado presa totalmente, o que pode levar até 24 horas. A proteção temporária por uma camada de nitrocelulose, metil metacrilato ou resina amida atuando como um verniz seria sufi ciente para minimizar tal efeito. Esta proteção deve sobreviver por pelo menos uma hora, pois leva muito tempo para o cimento de ionômero de

MATERIAIS DENTÁRIOS DE USO CLÍNICO

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vidro obter as propriedades que são alcançadas quando está totalmente reagido. No momento, existe muita controvérsia sobre a qualidade e a duração da proteção oferecida pelos diferentes vernizes disponíveis, e alguns clínicos defendem o uso de uma resina ativada por luz sem carga, pois ela dará uma proteção mais prolongada. Uma alta proporção pó/líquido ajuda, porque acelera o processo de presa, enquanto que uma fi na mistura tem o efeito contrário e também afeta adversamente as pro- priedades mecânicas (Fig. 2.3.4).

Tendo o cimento tomado presa totalmente (em geral dentro de 2 a 3 dias; manifestado por uma queda brusca da quantidade de material desprendido na água), tal forma particular de perda de material cessará. Desse ponto em diante, a perda de material pode ser conside- rada a longo prazo, já que é em função das condições no meio bucal.

A perda do material a longo prazo pode surgir tanto do ataque ácido quanto da abrasão mecânica. Isso é muito surpreendente, uma vez que a principal aplicação dos cimentos de ionômero de vidro é a restauração de lesões surgidas por causa do efeito combinado do ácido e da abrasão. O potencial de ataque ácido tende a ser bastante marcado nas regiões de estagnação, tais como em torno da margem gengival. Aqui, a placa se acumula e um ambiente altamente ácido se desenvolve devido à formação de ácido lático. Os cimentos de ionômero de vidro são mais resistentes a tal forma de ataque que os cimentos de silicato, como indicado por uma redução na extensão das marcas superfi ciais.

Os cimentos de ionômero de vidro são usados exten- sivamente em aplicações, onde estarão sujeitos à abrasão mecânica, como a escovação. Sua resistência à abrasão é defi ciente, o que limita a sua aplicação a condições de baixa tensão e certamente impede o seu uso como mate- rial restaurador permanente para dentes posteriores.

Um teste in vitro, no qual amostras de cimentos foram inseridas em pequenos suportes e submetidas a um jato líquido consistindo em um ácido diluído, tentava verifi - car a perda de material por uma combinação de abrasão e ataque ácido. Usando esse método, as indicações são de que os cimentos à base de ácido poliacrílico são mais resistentes à abrasão/erosão que os cimentos à base de ácido maleico. No entanto, deve-se lembrar que essa observação é baseada num teste laboratorial e seria neces- sário ser confi rmado clinicamente antes que sua valida- ção possa ser estabelecida.

Liberação de Flúor

O fato de que os cimentos odontológicos se dissolvem no meio bucal é considerado um efeito adverso, pois leva à degradação do material. Contudo, o fl úor também é libe- rado, e acredita-se que isso aumenta signifi cativamente a resistência à formação de lesões de cárie do esmalte adjacente à restauração. Ainda é um assunto de debate se

a liberação de fl úor ou outros fatores (p. ex., a liberação de outros íons, as propriedades antibacterianas e a capa- cidade adesiva) exercem um papel importante nas carac- terísticas anticariogênicas dos cimentos de ionômero de vidro. Todavia, têm sido feitas tentativas para conferir tal propriedade aos amálgamas e compósitos, assim como também para os cimentos de ionômero de vidro.

É um dilema interessante para o dentista fazer a escolha entre um cimento de ionômero de vidro ou um compósito, com o primeiro sendo defi nitivamente mais fraco, mas promovendo alguma proteção dos tecidos cir- cundantes, e o último sendo mais estável e mais forte, mas não fornecendo tal proteção.

IMPORTÂNCIA CLÍNICA

O cimento de ionômero de vidro é um material de inserção em uma única porção, que libera fl úor e que é intrinsecamente adesivo.

No documento Introdução Aos Materiais Dentários (páginas 134-137)