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3. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA: CONSTRUINDO E EXECUTANDO A PESQUISA

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Observar e aprender em uma situação dinâmica como a que diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem deflagrados em um ambiente destinado à educação escolarizada de crianças e jovens, implica considerar procedimentos metodológicos que não engessem o fenômeno em questão, a ponto de empobrecê-lo em sua complexidade e profundidade, sobretudo em se tratando da formação de professores para atuarem neste ambiente.

Por esta pesquisa enfatizar justamente a formação continuada100 de professores de Educação Física a caracterizei sob o enfoque qualitativo, delineado pelos entendimentos da pesquisa-ação. Justifico a escolha pelo enfoque qualitativo por este fornecer maior profundidade aos dados, riqueza interpretativa, contextualização do ambiente, dos detalhes e de experiências únicas oferecendo, ainda, um ponto de vista “recente, natural e holístico” dos fenômenos, assim como possibilidades de mudanças e flexibilidade de análises (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006, p. 14).

Além disso, segundo Minayo (2006), a pesquisa sob o enfoque qualitativo se preocupa com a compreensão da ação e do contexto social, considerando a inteligibilidade dos fenômenos sociais, o significado e a intencionalidade que lhes atribuem seus atores (sujeitos humanos) de maneira que os mesmos possam interpretar e reinterpretar o seu cotidiano e as experiências que nele vivenciam. Assim, o universo das investigações qualitativas “se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam” (MINAYO, 2006, p. 57).

Portanto, na pesquisa sob o enfoque qualitativo deve-se considerar a subjetividade, as representações, as significações das pessoas que também são constituintes do fenômeno pesquisado. Em relação a formação e capacitação de professores,

a abordagem qualitativa de pesquisa pode ser bastante eficaz, pois permite a exploração do ambiente complexo do contexto educacional para o qual esses professores voltarão a sua prática, ao mesmo tempo em que permite aos

100 A formação continuada adotada nesta pesquisa diz respeito a formação do professor que já está atuando na

participantes tornarem-se mais autoconscientes acerca de seus valores e da forma como estes influenciam as suas atitudes frente aos alunos e à comunidade escolar. Essa abordagem na condução de um estudo de formação permite que os professores participantes tornem-se mais sensíveis aos fatores que interferem em seu trabalho e a sua interação com o outro (LOURENÇO, 2012, p. 50).

Lourenço (2012) afirma ainda que as pesquisas de cunho qualitativo estão entre os principais caminhos de investigações sobre os impactos das atividades de formação na prática docente. Nesta perspectiva, bem como na busca de alternativas metodológicas capazes de dar conta da complexidade que envolvem o contexto educacional e a prática docente cotidiana, é necessário o “aprimoramento da convivência entre reflexão e ação, sem preterir uma em relação à outra, numa perspectiva de mudança de certo aspecto da realidade” (CRUZ, 2008, p. 72).

Logo, para estruturar a proposta desta pesquisa com foco na formação de professores de Educação Física sob a ótica da abordagem qualitativa, optei pelos delineamentos da pesquisa-ação, compreendida “como uma técnica de intervenção social com vistas à mudança” (DIONNE, 2007, p. 67). O autor destaca que “a pesquisa-ação se inspira nas técnicas de resolução de problemas para desencadear mudanças”, permitindo assim “duas tarefas simultâneas: uma tarefa de pesquisa, cujo objetivo é desenvolver conhecimentos, e uma tarefa de ação, cujo objetivo é modificar uma situação peculiar” (DIONNE, 2007, p. 67 e 24).

Nesta senda, a pesquisa-ação almeja mudar uma dada situação particular levando em consideração a totalidade concreta tal como ela é vivida. Thiollent (2011, p. 20), referência clássica quando se aborda questões sobre pesquisa-ação a define como

um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

A definição supramencionada “deixa provisoriamente em aberto a questão valorativa, pois não se refere a uma predeterminada orientação da ação ou a um predeterminado grupo social” (THIOLLENT, 2011, p. 20), ou seja,

embora seja precária a distinção entre os aspectos valorativos e os aspectos propriamente metodológicos ao nível de processo de investigação, consideramos que a estrutura metodológica da pesquisa-ação dá lugar a uma grande diversidade de propostas e pesquisa nos diversos campos de atuação social, dentre eles a educação (THIOLLENT, 2011, p. 20).

O autor destaca que uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando realmente ocorrer “uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema de observação”. É preciso, ainda, “que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida” (THIOLLENT, 2011, p. 21). Além disso, “a pesquisa-ação pretende fundamentalmente reduzir a distância entre teoria e prática, dando conta da distância que se criou, em vários campos, entre reflexão teórica e prática profissional” (DIONNE, 2007, p. 31).

Bracht et al (2002) destacam que esse tipo de pesquisa é efetivamente uma estratégia profícua e adequada para a formação de professores quando a intenção é provocar mudanças nas práticas pedagógicas, especialmente entre o que se diz e o que se faz. Além disso, a pesquisa-ação é basilar para a implantação de reformas educacionais ou de transformações da escola, lugar este que os professores, nem sempre, tem presença tão autônoma. Logo, a pesquisa-ação contribui tanto para a formação de professores quanto para a obtenção de saberes e/ou conhecimentos sobre os problemas de ensino, as quais poderão corroborar com a promoção de mudanças nas práticas pedagógicas vigentes (BRACHT et al, 2002; BRACHT, 2013).

Dizer que pesquisa-ação pretende alcançar uma mudança incita a concluir que ela é, sobretudo, um modo de intervenção, um procedimento de ação, antes de ser um método de pesquisa. Deste modo, almejando/pretendendo mudar uma situação particular, a pesquisa- ação pode ser utilizada de forma eficaz e satisfatória. Todavia, não se pode ignorar que a pesquisa-ação tem também como intuito compreender as situações específicas que envolvem o objeto de estudo (neste caso a formação continuada de professores), permitindo, assim, novos conhecimentos e, por esta razão mesma, considerada um método de pesquisa (DIONNE, 2007).

O autor enfatiza que

se a estratégia de pesquisa visa principalmente a desenvolver conhecimentos e evidenciar sua validade, a estratégia de ação visa à mudança de uma situação de maneira eficaz. A pesquisa se apoia em regras metodológicas de caráter científico, ao passo que a ação se constrói com base em processos de planejamento de diversas práticas táticas (DIONNE, 2007, p. 37).

Destarte, os objetivos da pesquisa e os da ação não são necessariamente compatíveis, pelo menos em dada situação ou dado momento, ou seja, a pesquisa nem sempre acompanha os ritmos da estratégia prática da ação. A pesquisa é centrada na produção de conhecimentos e a ação almeja a mudança de uma situação particular. Entretanto,

em pesquisa, sempre é preciso demonstrar o que se supõe. Uma pesquisa será válida quando se comprova o que é afirmado [...]. Uma pesquisa de qualidade é uma pesquisa infalível quanto à prova. Por sua vez, uma ação de qualidade é uma ação eficaz. A busca por eficácia está na base da estratégia de ação. A prova de que uma ação é válida quando esta atinge seus objetivos. É ineficaz quando intervêm diversos parâmetros não previstos e quando a estratégia inicial não é respeitada (DIONNE, 2007, p. 38)

Acredito que embora a pesquisa não possa dar respostas definitivas às perguntas que estuda, a mesma tem dispensado grande esforço para criar processos que aumentem a provável precisão de respostas. E, apesar da impossibilidade de respostas definitivas, principalmente quando se trata de analisar fenômenos sociais, é necessário aperfeiçoar os processos que permitam aproximações cada vez mais fidedignas com relação ao fenômeno estudado. Para isso, procura-se caminhos e instrumentos que devem ser utilizados para aumentar o grau de precisão e confiabilidade que validem os resultados da pesquisa.

Betti (2013) ressalta que ao realizar pesquisa é necessário que se tenha preocupação com a credibilidade (os resultados e interpretações feitas pelo pesquisador são plausíveis para os sujeitos envolvidos?); transferibilidade (os resultados da pesquisa podem ser transferidos para outros contextos?); confirmabilidade (os resultados obtidos são confiáveis?).101

Diante das conjecturas apresentadas, observo que a pesquisa-ação é compreendida como uma série de práticas que associam pesquisadores e participantes em uma mesma estratégia de ação para modificar uma dada situação. E, esta estratégia de pesquisa tem o intuito de adquirir saberes e/ou conhecimentos sistemáticos sobre a situação identificada. A pesquisa-ação, consequentemente, não se limita a utilizar os saberes e/ou conhecimentos existentes, ela também busca mudanças em contextos concretos e estuda as condições e os resultados de uma pesquisa efetuada, a qual deve ser pautada em critérios que maximizem sua credibilidade, transferibilidade e confirmabilidade.

Betti (2013, p. 254) enfatiza, ainda, que “o objetivo não é simplesmente resolver um problema prático da melhor forma, mas, pelo delineamento do problema, compreender e melhorar a vida educativa; preocupa-se, portanto, com a mudança da situação e não apenas com a sua interpretação.” O autor, ao abordar a utilização da pesquisa-ação no ambiente educacional, enfatiza que as características mais relevantes da pesquisa-ação são102:

101Para maiores esclarecimentos sobre os critérios necessários para maximizar a credibilidade, a transferibilidade

e a confirmabilidade das pesquisas científicas uma sugestão seria a leitura do capítulo Procedimentos para maximizar a confiabilidade (p. 242) retratado na obra de Betti (2013).

102Betti (2013) menciona estas características da pesquisa-ação baseando-se nos nas características apresentadas

- estratégia associada à formação das pessoas envolvidas;

- centralização em atuações históricas e situações sociais que são percebidas pelos professores como problemáticas e passíveis de mudanças;

- compreensão do que está ocorrendo a partir da perspectiva dos implicados no processo: professores, alunos, pais e/ou responsáveis, gestores, dentre outros;

- reelaboração do discurso sobre as contingências da situação e estabelecimento das inter-relações entre elas;

- reforço da postura colaborativa dos professores que ao refletirem sobre suas práticas tendem a trabalhar dialogicamente com seus colegas.

Todavia, como mencionado anteriormente por Dionne (2007) e, ainda, enfatizado por Cruz (2008), Thiollent (2011) e Betti (2013), tanto a pesquisa quanto a ação, precisam seguir um rigor metodológico baseado na identificação do problema/situação da pesquisa, definição dos objetivos da pesquisa e da ação, definição dos procedimentos de investigação, realização da pesquisa e da ação, análise e avaliação dos resultados103.

Conforme o explicitado, reconheço que a associação entre pesquisadores e participantes está no centro do processo da pesquisa-ação e a qualidade do vínculo humano entre pesquisadores e participantes é extremamente importante para assegurar a dinâmica exigida pela pesquisa-ação. Este vínculo, segundo Dionne (2007), conduz a uma atenção especial no que tange à imersão no ambiente que se propõe pesquisar, sendo preciso respeitar alguns parâmetros, como por exemplo:

- compartilhamento de representações comuns no que diz respeito aos fundamentos da pesquisa-ação e à ideologia subjacente;

- capacidades de comunicação interpessoal, aptidões de abertura e empatia; - engajamento e implicação por parte do pesquisador e do grupo;

- aceitação da negociação no processo de pesquisa e consideração das restrições de ambos os lados;

- identificação de zonas de interesses em comum, as quais resultarão na escolha da ordem de prioridade das situações a serem pesquisadas e das soluções a serem encaminhadas sob a forma de ação concreta;

- resolução ou, pelo menos, esclarecimento das situações observadas;

103As etapas pertinentes à identificação do problema/situação da pesquisa, definição de seus objetivos e da ação

já foram detalhados na introdução desta pesquisa. Já as questões relacionadas à definição dos procedimentos de investigação, realização da pesquisa e da ação, análise e avaliação dos resultados serão descortinadas posteriormente.

- acompanhamento das decisões, das ações e de todas as atividades intencionais do pesquisador e do grupo;

- aumento de saberes e/ou conhecimentos tanto por parte do pesquisador quanto do grupo104.

Cruz (2008) enfatiza, ainda, que ao utilizar a pesquisa-ação é necessário que os participantes percebam que podem confiar no pesquisador, caso contrário, informações relevantes e preciosas deixarão de ser fornecidas, vindo a “causar um desconforto comprometedor dos procedimentos estabelecidos para coleta de dados, haja vista o caráter imprescindível da franca colaboração dos participantes” da pesquisa (CRUZ, 2008, p. 74).

Deste modo, na pesquisa-ação o pesquisador desempenha

um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas. Sem dúvida, a pesquisa-ação exige uma estrutura da relação entre pesquisador e as pessoas da situação investigada que seja de tipo participativo. Os problemas de aceitação do pesquisador no meio pesquisado têm que ser resolvidos no decurso da pesquisa. Mas, a participação do pesquisador não qualifica a especificidade da ação, que consiste em organizar a investigação em torno da concepção, do desenrolar e da avaliação de uma ação almejada (THIOLLENT, 2011, p. 22).

Esses cuidados devem ser assumidos pelo pesquisador de modo a conduzir uma investigação em que a formação, a construção de saberes, as decisões tomadas e também a forma como forem analisados os processos, sejam desencadeados pelos participantes em conjunto com o pesquisador imerso no contexto da pesquisa. Assim, o pesquisador deve preocupar-se em promover situações em que os participantes troquem e adquiram saberes, bem como desenvolvam reflexões que se traduzam em ações/atitudes adequadas à sua atuação prática no ambiente escolar.

Destarte, para a consecução dos objetivos desta pesquisa, procurei respeitar as características tanto do enfoque qualitativo quanto da pesquisa-ação, porém não limitei minhas investigações apenas em aspectos acadêmicos e burocráticos. Enfatizei o que os professores de Educação Física “tinham a dizer e a fazer”105. Procurei não apenas levantar dados, mas sim desempenhar um papel ativo na realidade dos fatos observados durante as coletas, ou seja, durante a pesquisa106.

104Os parâmetros mencionados foram propostos por Descarries e Corbeil (1993, p. 28) apud Dionne (2007, p.

70).

105Grifo meu.

106Thiollent (2011, p. 22) destaca que “em geral, a ideia de pesquisa-ação encontra contexto favorável quando os

pesquisadores não querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais”.

Nesta perspectiva, segundo Thiollent (2011, p. 22), “é necessário definir com precisão, de um lado, a ação, quais são os agentes, seus objetivos, caminhos e obstáculos, e, por outro lado, qual a exigência de conhecimento a ser produzido em função dos problemas encontrados na ação ou entre os atores da situação”.

Diante disso, a priori, apresento os caminhos percorridos a fim de atingir os objetivos propostos para esta pesquisa e, em seguida, os demais itens citados por Thiollent (2011) serão descortinados.

3.2 PROCEDIMENTOS PARA A EXECUÇÃO DE UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO