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Caracterização das condições em que se realiza o trabalho com as TD

1 TECNOLOGIAS, TRABALHO E EDUCAÇÃO: A SOCIEDADE EM REDE E A CULTURA DIGITAL SOB AS FACES DE JANO

3 TRABALHO DOCENTE NA PG: APORTES PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS USOS DAS TD NOS PROCESSOS DE

3.3 DO UNIVERSAL AO PARTICULAR E DE VOLTA: O TRABALHO DOCENTE NA PG NO CONTEXTO ANALISADO

3.3.2 Caracterização das condições em que se realiza o trabalho com as TD

Nos valendo dos estudos de Tardif e Lessard (2012) e apoiados em Vieira Pinto (2005), sobre o caráter mediador das tecnologias, entendemos que o trabalho docente na PG com uso das TD se dá na relação com os contextos nos quais esse trabalho se realiza, como infraestrutura, formação e apoio técnico. Mas também na relação com as condições próprias do trabalho docente, como o fator carga de trabalho e com relação ao acúmulo de atividades desempenhadas por esses professores.

Nesta subseção, discutiremos aspectos pertinentes às atividades desempenhadas pelos professores na PG e ao tempo para o desempenho dessas funções.

3.3.2.1 Multiplicidade de tarefas e atividades

A respeito do universo de atividades desenvolvidas pelos professores na universidade, no instrumento de coleta de dados enviado a

51 Lembramos que essa designação é a forma pela qual identificamos os

eles apresentamos algumas sugestões para os participantes assinalarem e, além delas, deixamos em aberto a opção “Outras”, para que fosse preenchida conforme a realidade de cada um. Uma visão geral dessas atividades pode ser visualizada por meio dos dados sintetizados a seguir.

Quadro 10 – Percentual de professores e principais atividades desenvolvidas por eles nas universidades

Posição Atividades desenvolvidas %

1 Orientação – pós-graduação 98,3

2 Ensino – pós-graduação 96,2

3 Banca de processo seletivo para mestrado e

doutorado 87,0

4 Ensino – graduação 85,0

5 Coordenação – Pesquisa 83,6

6 Orientação – graduação 81,6

7 Líder de grupo de pesquisa 77,5

8 Banca de processo seletivo para professor de ensino

superior 73,4

9 Membro de comitê editorial de revista científica 57,0 10 Coordenação – projetos de extensão universitária 32,8 11 Membro de conselhos superiores na universidade 23,5

12 Editor(a) de revista científica 22,5

13 Coordenação de outras atividades de gestão da

universidade 20,5

14 Coordenação – pós-graduação 10,2

15 Coordenação – curso de graduação 4,4

16 Vice-coordenação – pós-graduação 3,4

17 Vice-coordenação – graduação 0,7

Outras 23,2

Fonte: Elaboração do autor (2016).

Além de uma multiplicidade de atividades desempenhadas pelo mesmo professor, percebemos uma predominância das atividades relacionadas ao ensino e à pesquisa na PG e na graduação (como era plausível esperar). Em Sguissardi e Silva Júnior (2009, p. 143), temos o que os autores chamam de “escala hierárquica de importância atribuída às atividades-fim da universidade” (ensino, pesquisa e extensão) pelos professores, na qual no topo se encontra a pesquisa; no centro, o ensino,

e na base as atividades de extensão universitária. Em nosso mapeamento, até certo ponto, as atividades mais desenvolvidas pelos professores acompanham aquelas em que, segundo a literatura, lhes são atribuídas maior relevância. Esse dado também vai ao encontro do que Battini (2011) alertava, sobre o deslocamento da tríade ensino-pesquisa-extensão para as atividades ligadas à relação ensino-pesquisa: embora não tenhamos como mensurar a participação dos professores em atividades de extensão, a coordenação de pesquisas ou grupos de pesquisa prevalece em relação à coordenação de projetos de extensão.

Surpreende, ainda, que na parte superior do quadro se destaquem as atividades relacionadas a bancas de processo seletivo para admissão no mestrado e no doutorado (na posição 3) e de professores no ensino superior (na posição 8). Essas são atividades que, em geral, não aparecem como atividades-fim da universidade ou do trabalho do professor- pesquisador e, pelo que conseguimos apreender da literatura existente, são atividades que tangenciam o métier do professor nas análises sobre o trabalho docente. No entanto, apesar de nem sempre nominadas ou identificadas, são atividades das mais realizadas no universo pesquisado, mais até do que a extensão (atividade fim da universidade). Juntamente com outras, essas atividades invisíveis demandam tempo e esforço, o que certamente impacta na jornada de trabalho dos professores ou mesmo na consecução de outras atividades-fim da universidade.

Por sua vez, as atividades vinculadas à orientação e ao ensino na PG – diretamente ligadas à pesquisa – possuem especificidades difíceis de mensurar do ponto de vista cronológico, de quantificação do tempo gasto para a realização da atividade. Sguissardi e Silva Júnior (2009, p. 143) explicam que essas atividades estão entre as mais valorizadas entre os professores, pois, inerente ao acompanhamento dos orientandos para a consecução de suas teses e dissertação, há a produção de “‘trabalhos’ para congressos e artigos para as revistas científicas [...], bastante valorizados no mercado acadêmico e no setor produtivo”. Supostamente, ao que nos parece, essa atribuição de importância não se dá pela visibilidade das publicações em si, mas pela necessidade de produtividade impingida pelos órgãos reguladores e financiadores – em especial a Capes – e que tensionam esse direcionamento maior às ações na PG do que na graduação, seja no ensino, seja nas atividades de orientação. Ainda assim, tanto o ensino na graduação quanto a orientação (esta, ligada à orientação de trabalhos de conclusão de curso e também à iniciação científica, por conseguinte, também ligada à pesquisa) aparecem como as atividades mais realizadas pela maioria dos professores da PG. Podemos dizer,

portanto, que a atribuição de importância a determinadas atividades acompanha a frequência de realização destas, e que o fato de os professores privilegiarem algumas em detrimento de outras só parece ser uma opção dos professores à medida que revertem pontos no Lattes, na pressão pela produtividade.

Atrelado a isso, temos a questão da orientação. A coletânea organizada por Bianchetti e Machado (2006) e os estudos reunidos por Mazzilli (2009a) são emblemáticos no sentido de atestar o quão complexa é a tarefa de orientar teses e dissertações, principalmente em um contexto em que se tem menos tempo e menos recursos e com uma tradição na qual inexiste uma formação de orientadores. Embora não seja uma atividade invisível, pois passou a ser componente curricular dos cursos stricto sensu, a orientação ainda parece ser uma área um tanto nebulosa na qual se aprende fazendo. Sobre essa especificidade da orientação, Mazzilli (2009a) inspira pelo menos duas questões atreladas mais diretamente à nossa pesquisa: a primeira, o questionamento se a orientação ocorre somente dentro daquela carga horária prevista nos currículos dos cursos; a segunda, em que condições o exercício de atividades inerentes a bancas examinadoras entram no rol de atribuições dos professores em termos práticos. Analisando a multiplicidade de tarefas atribuídas ao professor de PG e a complexidade de algumas delas, como a orientação, parece evidente que o tempo de vida está sendo apropriado e consumido pelo trabalho.

Nesse sentido, a quantidade de orientandos que cada professor acompanha é determinante para a prática da orientação. Ainda que, pela revisão de literatura, os pesquisadores tenham recorrido a práticas de orientação coletiva e orientações virtuais, o tempo empreendido para a leitura dos textos, das várias versões das teses, dissertações, artigos, relatórios de estágio e relatórios de iniciação científica, por exemplo, é uma conta que parece não fechar em termos cronológicos.

A esse respeito, o gráfico a seguir sintetiza o que encontramos em nossa investigação no que se refere à relação entre orientador e número de orientandos. O gráfico mostra que não existe um padrão ou um perfil predominante (por exemplo, quanto maior o número de orientandos no doutorado, menor o número de orientandos na graduação; ou uma padronização no número de orientandos dos diferentes níveis de ensino), ainda que o grupo de professores que possui entre três e quatro orientandos no mestrado e no doutorado apresente um perfil mais equilibrado no número de orientandos da PG do que os demais grupos, bastante heterogêneos.

Gráfico 10 – Número de professores e de respectivos orientandos por nível de ensino

Fonte: Elaboração do autor (2016).

Por sua vez, identificamos no grupo de professores com mais de cinco orientandos no doutorado a predominância de docentes que atuam em universidades federais (40%) e que estão inseridos há mais de 15 anos no doutorado (42%). Entretanto, se compararmos o tamanho dos programas das diferentes dependências administrativas, identificamos que as universidades particulares concentram o maior número de orientandos por orientador no doutorado. Enquanto nas particulares 24,5% dos professores orientam mais de cinco doutorandos, nas estaduais esse percentual é de 21% e nas federais 9,2%. Mesmo assim, temos casos desviantes, em que identificamos professores de universidades federais com mais de 10 orientandos no doutorado, o que pressupõe que a realidade de cada PPGE é muito específica e não pode ser reduzida a uma média quantitativa genérica.

Por fim, ao analisar a categoria “Outras”, citada no Quadro 10 anterior, identificamos um rol de 68 atividades diferentes listadas pelos respondentes, entre as quais se destacam, pelo maior número de envolvidos, as atividades de pareceristas, chefias de departamento e presidente ou coordenador de Núcleo Docente Estruturante (NDE) de cursos de graduação. Assim como ocorre com o ensino e com a pesquisa, para essas “outras” atividades também há uma variedade de processos de trabalho inerentes a cada uma delas, o que ajuda a situar melhor o mote da precarização e intensificação do trabalho em função da multiplicidade de atividades: para além do trabalho docente propriamente dito escapam,

Professores e número de orientandos - por nível de ensino

65 44 61 38 26 7 39 12 20 48 71 51 49 26 23 4 31 22 37 57 53 47 42 4 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Sem orientandos 1 orientando 2 orientados 3 orientandos 4 orientandos 5 orientandos Mais de 5 orientandos Não informado Graduação Mestrado Doutorado

no geral, todas as demais “outras” atividades exercidas pelos professores envolvidos na PG, em um tempo de trabalho nem sempre suficiente para a execução de todas elas.

A partir da análise da variedade e quantidade das atividades e das tarefas que os professores citaram, parece claro que eles e elas são trabalhadores multitarefa e polivalentes; ao mesmo tempo, vítimas de um “atropelamento informacional e de várias tarefas requisitadas ao mesmo tempo” (P181).

3.3.2.2 Sob o signo de Jano – e Saturno: sobre tempos de trabalho Além das atividades desempenhadas pelo professor de PG nas condições concedidas a ele, outro fator determinante na dimensão “condições de trabalho” é o tempo destinado para a realização dessas atividades. De acordo com Tardif e Lessard (2012), procuramos caracterizar o trabalho docente na PG com relação ao tempo destinado a ele. Nosso ponto de partida é o contrato formal de trabalho e a carga horária semanal prevista. Em consonância com o tipo de contratação predominante (professores concursados sob o regime de dedicação exclusiva), temos o perfil predominante que corresponde a 40 horas semanais (91,5% dos professores). Em alguns casos,em que o regime de contratação é pela CLT, a carga horária semanal chegou a 44 horas semanais. Já em outros, em que a carga horária ultrapassou esse número – há professores que registram de 50 a 60 horas semanais de trabalho –, todos os professores identificados estavam vinculados a mais de um PPG e, portanto, somaram as horas de trabalho dos dois locais na resposta. Nesses casos, não foi possível distinguir quantas horas são vinculadas a cada local de trabalho.

Questionamos se, em função das atividades realizadas na universidade, a carga horária de trabalho era suficiente, e 71,4% dos professores responderam que não. Isso faz com que 68% do total de professores (e 94% dos professores que consideram a carga horária de trabalho insuficiente) realizem, sempre ou frequentemente, horas a mais de trabalho para dar conta das atividades da PG. Nessa caracterização geral, o mais interessante foi observar que, mesmo entre os professores que manifestaram que sua carga horária semanal era suficiente, existe um grupo de docentes – todos de universidades públicas – que indicaram frequentemente realizar horas a mais de trabalho na universidade.

Ainda no grupo que considera a carga horária semanal suficiente, não há diferenças significativas em relação ao perfil do grupo geral no que se refere à atuação em mais de um programa ou em relação a regimes

de trabalho; mas, no máximo, com relação à dependência administrativa das IES que, contudo, por meio da nossa investigação – até mesmo por não nos propormos a isso – não se teve condições de apreender52.

De acordo com a revisão de literatura abordada anteriormente, a categoria tempo emerge como central nas análises sobre as condições de trabalho na PG, atreladas à intensificação do trabalho sob a égide de um sistema produtivista de avaliação. Comparada com a multiplicidade de atividades desempenhadas por esses professores, conforme visto anteriormente, compreendemos algumas manifestações apreendidas na literatura que colocam os pesquisadores como uma nova classe de boias- frias (BIANCHETTI; VALLE, 2014), o que coincide com o que Marx (1996, p. 111) já assinalava: “o homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida [...] está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga”.

Nesse sentido, evidenciar como alguns professores – dentre os que consideram sua jornada de trabalho suficiente para realizar as atividades da PG – se manifestam sobre seu trabalho pode ser esclarecedor: “aumento das preocupações; acúmulo de trabalho; cansaço” (P042). “Diluição das diferenças entre tempos e espaços de lazer e trabalho” (P045). “Excesso de trabalho, diminuição do tempo de lazer, aumento de atividades [...]” (P047). “Intenso, esgotante” (P090). “O trabalho agora é full time” (P154). Diante desse paradoxo, entre a percepção de que o

52 Sobre a relação entre quantidade de PPG em que o professor atua e sua

percepção de suficiência ou não da carga horária de trabalho, estatisticamente não há grandes alterações. Enquanto, no geral, 32,8% dos professores atuam em mais de um PPG, no grupo que considera a carga horária semanal suficiente, esse percentual é de 28,3%. Já no tocante à dependência administrativa das IES nas quais esse grupo de professores atua, houve inversões significativas: se no grupo geral o percentual de professores de IES particulares era de 31%, no grupo que considera o tempo de trabalho suficiente caiu para 23,4%. Entre os professores das IES estaduais, o grupo geral correspondia a 28,6%, e no grupo específico de docentes que considera a carga horária semanal suficiente esse percentual caiu para 23,4%. Já entre os professores das federais, que correspondiam a 40,5% do geral, inversamente o percentual de professores que consideram sua carga horária semanal de trabalho suficiente aumentou para 53,08%. Embora não tenhamos pretensão de fazer comparativos entre IES, mas, sim, apreender a totalidade do trabalho docente na PG, essas variações são interessantes de ser analisadas em pesquisas futuras que incluam variáveis, às quais não tivemos intenção de investigar e que, para as quais, se adotem outras metodologias.

tempo de trabalho é suficiente e a manifestação de que o trabalho é full time, parece que a ideia de “flexitempo” (SENNETT, 2012) aportou na PG53. E, em paralelo, que os professores estão, tal como os súditos da

região do Lácio na mitologia romana, sob a égide de Saturno – deus do tempo, equivalente a Chronos na mitologia grega – e do rei Jano, com suas duas faces: mesmo quando o tempo de trabalho se traduz em menos tempo de lazer, cansaço, esgotamento e aumento das preocupações; mesmo quando o trabalho é em tempo integral, ainda assim, muitos professores o percebem como suficiente para a consecução de suas atividades.

Compelidos a serem mais produtivos e competitivos, como vimos, parte significativa dos professores não apenas estende sua jornada de trabalho, como também leva trabalho para casa: 88,7% dos professores afirmam que sempre ou frequentemente realizam as atividades da PG em casa. Outros 6,6% dizem esporadicamente realizar as atividades em casa. Esse índice, por sua vez, não é coerente com o percentual de professores que considerou a carga horária como insuficiente (71,4%). Essa discrepância considerável nos leva a ponderar duas situações: a) se aparece entre os professores a percepção de que sua carga horária de trabalho é suficiente, quando na realidade não é; b) se estender o espaço de trabalho para sua residência é um mecanismo utilizado não apenas em função da intensificação do tempo e do acúmulo de tarefas, mas também em função da infraestrutura disponível em casa, na comparação com aquela disponível na universidade.

3.3.3 Caracterização dos contextos em que se realiza o trabalho