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Caracterização dos contextos em que se realiza o trabalho docente com as TD

1 TECNOLOGIAS, TRABALHO E EDUCAÇÃO: A SOCIEDADE EM REDE E A CULTURA DIGITAL SOB AS FACES DE JANO

3 TRABALHO DOCENTE NA PG: APORTES PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS USOS DAS TD NOS PROCESSOS DE

3.3 DO UNIVERSAL AO PARTICULAR E DE VOLTA: O TRABALHO DOCENTE NA PG NO CONTEXTO ANALISADO

3.3.3 Caracterização dos contextos em que se realiza o trabalho docente com as TD

Embora tenhamos, para fins didáticos, denominado de “contextos de trabalho” os aspectos relacionados à infraestrutura física e tecnológica, a disponibilidade de apoio técnico (AT) e a suficiência de formação para uso das TD, entendemos que esses elementos também se constituem como condições para a realização do trabalho docente com o uso das TD

53 No Capítulo 6, retomaremos essa questão, do ponto de vista da relação entre a

inserção das TD nas atividades da PG, a intensificação e a extensificação do trabalho na PG.

na PG. Nesta subseção, analisaremos como essas categorias aparecem em nossa investigação.

3.3.3.1 Estrutura física e equipamentos disponíveis

Considerando que o acesso às tecnologias é imperativo para o seu uso, no trabalho docente ou em qualquer contexto, questionamos os professores acerca da infraestrutura (equipamentos, conexão à internet, espaço físico) disponível em casa e na universidade, a fim de entendermos se os espaços de trabalho ampliados possuem relação direta com a infraestrutura desses diferentes locais, além de caracterizar a frequência com que os professores de PG realizam suas atividades nesses diferentes espaços. Os dados sintetizados no gráfico a seguir ajudam a entender, em parte, o porquê da maioria dos professores ‘optarem’ pela extensificação do seu trabalho ao levarem em consideração a relação entre carga horária de trabalho, atividades a serem desenvolvidas e recursos tecnológicos disponíveis.

Gráfico 11 – Comparação de infraestrutura universidade-residência do professor para realização do trabalho da PG

Fonte: Elaboração do autor (2016).

Desses dados, sobressai que apenas uma quantidade pouco expressiva de professores não realiza atividades da PG em casa. Esse dado não coincide com outros já discutidos anteriormente: o número de professores que, em tese, não leva trabalho para casa e sua percepção sobre a suficiência do tempo de trabalho para a realização das atividades. Se, na forma como vimos anteriormente, o percentual de professores que

Infraestrutura para realizar o trabalho da PG (%)

8,53

31,06 0,68

3,41

56,31

Na univers idade dispõe de infraestrutura melhor Em casa dispõe de infraestrutura melhor Não há diferença de qualidade Não se aplica / Não realiza atividades da PG em

casa

realiza suas atividades em casa aproximava-se de 95%, o gráfico acima mostra, diferentemente, que esse número quase chega à totalidade.

De outro lado, temos um número que podemos considerar baixo (8,5%) de professores que avaliam que a universidade tem uma estrutura melhor para a realização das atividades da PG. Isso não quer dizer, porém, que essa infraestrutura inviabilize a realização do trabalho, mas – na forma como foi indagado – tão somente que, no geral, os professores possuem condições mais adequadas de trabalho fora dos espaços da universidade no que se refere à disponibilidade de tecnologias. E talvez por isso sejam, em muitos casos, compelidos a trabalhar em casa, estendendo ou substituindo o local de sua jornada de trabalho, sem que isso seja considerado necessariamente um aspecto negativo do seu trabalho: em alguns casos, trabalhar em casa com o uso das TD é sinônimo de flexibilidade, como se depreende desse depoimento: “Flexibilidade de espaço e de tempo, ou seja, posso estar mais em casa, viajar e estar em outros lugares que não o local de trabalho, usufruindo de lugares que seriam apenas de lazer (e, portanto, menos aproveitados, não fosse a possibilidade de comunicação pelas TD)” (P052).

Aqui cabe uma discussão atrelada ao que Sennett (2012) avaliava com relação à configuração do trabalho sob a égide do novo capitalismo, que se apresenta como um mosaico de trabalho em horários diferentes e de forma individualizada – e com o crescimento do trabalho em casa, principalmente no setor de serviços. Estruturado em torno do conceito de flexitempo que o autor utiliza, essas características só se tornam possíveis com o advento e a incorporação das TD nos processos de trabalho. O “prêmio” por trabalhar em casa, no entanto, revela-se enganoso pelas novas formas de regulação do trabalho, dentre as quais a meta por produtividade ampliada, à medida que os trabalhadores trocam uma forma de submissão ao poder por outra, sob o aparente signo de flexibilidade. Nesse sentido, pondera Sennett (2012, p. 66): “O tempo nas instituições e para os indivíduos não foi libertado da jaula de ferro do passado, mas sujeito a novas formas de controle do alto para baixo. O tempo da flexibilidade é o tempo de um novo poder”.

Com relação aos espaços físicos disponíveis na universidade, apenas 2,6% dos professores não dispõem de salas próprias, individuais ou coletivas, para realizar suas atividades. Esse grupo é composto majoritariamente por professores de universidades federais oriundos das Regiões Sul e Sudeste – nos limites de nossa pesquisa, não temos como identificar se existem e quais são os fatores decisivos para a indisponibilidade de salas próprias nesse grupo. Por outro lado, 74,5%

dos professores dispõem de pelo menos uma sala e 31,3% de duas salas, individuais ou coletivas, para a realização de suas atividades. No quadro a seguir, está sintetizado o tipo de sala que os professores dispõem (ou não) para realizar suas atividades na universidade.

Quadro 11 – Tipos de salas que os professores dispõem na universidade para a realização de suas atividades

Tipo de sala Frequência

Sala própria, compartilhada com outros professores 163

Sala própria individual 81

Sala de grupo ou núcleo de pesquisa ou laboratório 57 Apenas sala coletiva (sala dos professores) 15

Não dispõe de nenhum tipo de sala 10

Não informado 7

Fonte: Elaboração do autor (2016).

Verificamos também que, nas salas onde os professores trabalham na universidade, o número de equipamentos é alto e seus tipos, variados. Coexistem, entretanto, espaços com grande variedade de equipamentos com espaços nos quais o único equipamento disponível é o notebook pessoal.

Quadro 12 – Equipamentos existentes nas salas em que os professores trabalham

Equipamento Frequência

Computador convencional 248

Acesso à internet sem fio 209

Impressora 207

Acesso à internet – via cabo 203

Scanner 138

Data show 118

Notebook/laptop ou tablet particular 117 Notebook/laptop da universidade 108

Outros 29

Não possui / Não se aplica 10

Na categoria “Outros” do quadro acima, ressalta-se a presença de equipamentos tais como aparelhos de videoconferência, Smart TV, TV digital, lousa digital, tablets, câmeras fotográficas e filmadoras digitais, aparelho de GPS, HD externo, microfone, amplificadores de som, tecnologias assistivas, dentre outros. Além disso, contabiliza-se a presença de tablets e data show particulares. Alguns professores destacaram que há equipamentos adquiridos com recursos de suas pesquisas, principalmente oriundos do CNPq. Nos parece que a produtividade e a competitividade impostas à PG, além de garantia de uma boa avaliação, também opera numa lógica meritocrática na manutenção de recursos que propiciam os meios, as ferramentas de trabalho dos professores.

Tal como o contexto geral da sociedade, mas não na mesma proporção, uma parcela de professores da PG está excluída do acesso às TD em seu local de trabalho. São professores, em sua quase totalidade, de universidades federais que, salvo duas situações, não possuem auxílio técnico ou de bolsistas para ajudar nas questões de informática e que, em sua totalidade, dizem sempre realizar as atividades da PG em casa, onde possuem infraestrutura física e tecnológica para trabalhar. Comparando a disponibilidade de infraestrutura física e tecnológica com fatores como dependência administrativa das universidades e região geográfica na qual se encontram, não foi possível estabelecer um parâmetro que fosse determinante para encontrarmos realidades distintas. Nesse caso, diferentemente dos mapeamentos realizados sobre a presença mais geral das TD no Brasil, que apresentam discrepâncias consideráveis em função de fatores como região geográfica (SANTAELLA, 2013), o lócus da PG não pode ser tomado como um reflexo de seu entorno social para mapear a distribuição tecnológica desigual.

3.3.3.2 Necessidade de utilizar as TD na PG: indução ou opção? É sabido, pela observação cotidiana, mas também pela revisão de literatura, que várias das atividades dos processos de trabalho dos professores da PG demandam a utilização de sistemas informatizados. Desde iniciativas mais individualizadas de interesse do pesquisador (atualizar o currículo, participar de editais de pesquisa, submeter trabalhos e artigos, produzir textos) até aquelas atividades burocráticas mais abrangentes da rotina acadêmica. Acrescenta-se, neste item, que várias atividades técnicas e administrativas foram incorporadas pelos professores (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009; MANCEBO, 2009), algo que também pode ser apreendido em nossa investigação: “A

burocracia universitária passou a ser regida por processos TD [...]. Os departamentos diminuíram os colegas administrativos (sic) e, portanto, somos nós quem gerenciamos toda a vida acadêmica e funcional” (P029). Outros depoimentos também apontam no sentido de que a inserção das TD induziu a um redimensionamento do trabalho dos professores à medida que eles passaram a incorporar em suas funções atividades que antes eram desempenhadas por técnicos administrativos da universidade. Essas também podem ser consideradas atividades invisíveis no trabalho docente.

Apesar do aparente consenso sobre a necessidade de utilizar as TD nos diferentes processos de trabalho, 63,9% dos professores pesquisados acreditam que é facultativo ao professor o uso ou não das tecnologias nas atividades da PG. Contudo, comparando esse posicionamento com outras respostas dos mesmos professores, apreendemos algumas contradições importantes: do grupo de 181 professores que afirma ser facultativo o uso das TD na PG, paradoxalmente, 90 concordam totalmente com a afirmação de que “existem atividades que só podem ser realizadas com as tecnologias digitais”, e ainda, 25 concordam totalmente com a afirmação de que todas as atividades dependem do uso das TD. Se considerarmos o grupo dos que “concordam parcialmente” com ambas as afirmações, esse universo é ainda maior.

Formulamos a mesma questão, sobre o caráter opcional ou não de uso das TD nos processos de trabalho na PG, de outra forma aos professores. E os resultados foram substancialmente diferentes: em vez dos 181 anteriores, tivemos apenas 32 professores (10,9%) que concordam totalmente com a afirmação de que o uso das TD é opcional para a realização de suas atividades na PG.

Por sua vez, tendo observado que apenas uma pequena parcela dos professores (2%) concorda que o uso das TD não é necessário para a realização das suas atividades na PG, tentamos identificar junto aos pesquisados se a incorporação das TD nos processos de trabalho ocorreu/ocorre por indução, mesmo contra a sua vontade. Os resultados foram bastante heterogêneos: 28,7% dos professores discordam totalmente dessa posição. Outros 27,4% concordam parcialmente. Por sua vez, 24,3% discordam parcialmente da afirmação. E, finalmente, 20,1% deles concordam que os professores da PG são induzidos a utilizar as TD em seus processos de trabalho.

Admitimos que esse não é um dado fácil de ser apreendido. Se de um lado temos a emergência da internet das coisas54 (SANTAELLA,

2013), que engloba o fato de os dispositivos digitais estarem tão incorporados à nossa vivência que gradativamente deixamos de percebê- los como tais; podemos ter também um comportamento semelhante no que se refere à percepção sobre o que é ou não compulsório ou opcional dentre as atividades profissionais na PG. Mas, por outro lado, podemos indagar: o que de fato é entendido como obrigatório no tocante ao uso das TD na natureza desse trabalho? – ainda que não faça sentido considerar como opcional a redação de um texto sem o suporte digital.

Retornando às nossas indagações de pesquisa e considerando o padrão multifacetado dos professores, podemos inferir que o uso das TD não é opcional no trabalho na PG, mas que muitos aderem por perceber vantagens imediatas nesses usos. Entretanto, muitos professores não consideram (ou naturalizam) o caráter indutivo de atividades que somente podem ser realizadas com o uso das TD na PG. Em parte, isso pode estar relacionado à possibilidade de algumas dessas atividades serem ‘terceirizadas’ a algum bolsista ou orientando, desobrigando o professor do uso das TD, mas repassando adiante essa indução ao uso.

3.3.3.3 Formação e apoio técnico para uso das TD

Ainda que muitos professores não se sintam obrigados a utilizar as TD em suas atividades, com a informatização de processos, observável não apenas nas universidades, mas nos órgãos reguladores, entendemos que a questão das condições de uso dessas tecnologias também passa pela questão da formação e do apoio técnico para tal – em referência às condições de trabalho que Tardif e Lessard (2012) propõem que sejam analisadas.

As respostas dos professores evidenciam que apenas 23,5% recebem da universidade algum tipo de formação ou treinamento quando da adoção de processos que necessariamente envolvem o uso das TD. Esse índice pode ser analisado sob duas perspectivas: as universidades não fornecem ou não divulgam suficientemente os seus programas de formação; ou a exigência do uso das TD é menor do que se supõe pela revisão de literatura. Entre 27% dos respondentes, o apoio técnico e/ou

54 Segundo Santaella (2013, p. 31), a internet das coisas “se define como a

extensão da internet no mundo físico, tornando possível a interação com objetos e a comunicação autônoma entre objetos”.

formação oferecidos pela universidade não são suficientes, quando da adoção de novos sistemas ou processos informatizados – dado que, de certa forma, confronta o anterior, visto que estão no mesmo universo.

De outro modo, para 47,1% dos professores, a universidade fornece apoio técnico para as questões de informática – e esse dado corrobora outro, sobre as especialidades do apoio técnico com o qual o professor conta na universidade. Em tese, apenas 24,9% dos professores indicam não dispor desse tipo de apoio na universidade. A maioria, por sua vez, em alguns casos chega a contar com até cinco tipos diferentes de apoio técnico para as questões de informática.

Quadro 13 – Apoio técnico na universidade para questões de informática

Opção Frequência

Técnico contratado pela universidade 137

Não possui 70

Bolsista de Iniciação Científica 67

Orientando de pós-graduação 65

Monitor 38

Bolsista de trabalho 34

Setor especializado da universidade 5

Outros 14

Não necessita 2

Não informado 10

Outros (conforme relato dos participantes) Não sei.

Os dois bolsistas que trabalham comigo são financiados pelo CNPq. Marido.

Membros da equipe do programa de extensão conhecem informática. Além de eu.

Observação: eu mesma faço as atividades assinaladas abaixo. Os técnicos da [nome da universidade] não dão conta da demanda em tempo hábil e por vezes temos que contratar de modo particular ou via projeto de pesquisa.

Pago por essa atividade quando preciso.

Técnico contratado com recursos de bolsa individual. Tutor EaD.

Não trabalho com informática enquanto tema de pesquisa. Peço socorro aos amigos e IES parceiras.

Técnico contratado via projeto. Muitos.

Fonte: Elaboração do autor (2016).

Observamos que, em muitos casos, os professores contam com uma diversidade de apoio técnico que vai desde profissionais contratados pela universidade até – e principalmente – bolsistas de iniciação científica e orientandos de PG. Considerando as inúmeras variáveis apresentadas até aqui, relacionadas às condições de trabalho em geral, às dificuldades encontradas pelos professores para uso das TD na PG – e os mecanismos para contorná-las – é pertinente e tentadora a indagação sobre o tipo de atividade que esse agente (sob a denominação “apoio técnico”) realiza – e a frequência com que é realizada e em que condições.

3.3.4 Apoio técnico ou terceirização da precarização/intensificação?