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1 TECNOLOGIAS, TRABALHO E EDUCAÇÃO: A SOCIEDADE EM REDE E A CULTURA DIGITAL SOB AS FACES DE JANO

4 CARACTERIZAÇÃO E USOS DAS TD NO TRABALHO DOCENTE NA PG

4.1. CARACTERIZAÇÃO DO USO DAS TD NOS PROCESSOS DE TRABALHO

4.1.4 Uso das TD relacionadas à pesquisa

Inicialmente, esclarecemos que, no nosso entendimento, muitas atividades que os professores desempenham na PG dizem respeito também à pesquisa, como o próprio processo de orientação ou de publicização da sua produção. Assim como não entendemos o trabalho do professor como fragmentado, ressaltamos que as ações ligadas mais propriamente à pesquisa foram assim separadas apenas para fins didáticos. Dessas, temos que 78% dos professores utilizam sempre ou frequentemente as TD para cadastro e gerenciamento de informações sobre o andamento de pesquisas em sistemas específicos, como plataformas do CNPq e da Capes. Já o uso de softwares específicos aplicados à área de atuação ou de pesquisa do professor (incluindo os de organização e análise de dados de pesquisa) aparece como recorrente –

sempre ou frequentemente – para 44,1% dos pesquisadores. Esse dado nos leva a pressupor que, ou os pesquisadores trabalham de uma forma mais artesanal em suas pesquisas, ou delegam esse tipo de uso das ferramentas para outro pesquisador ou AT.

Por sua vez, a atualização do currículo via plataforma Lattes (ainda que essa atividade possa ser entendida como não exclusiva da pesquisa) é, de longe, o uso mais frequente que os professores fazem das TD em seu trabalho: 98,2% o fazem sempre ou frequentemente. Esse é um dado interessante de ser observado, pois está ligado a um aspecto importante da constituição da identidade docente: o status e a forma como se reconhece e se é reconhecido, dos quais nos falam Tradif e Lessard (2012). Em tempos de cultura digital, podemos inferir que o currículo Lattes ganha novos contornos: não apenas o (auto)registro de suas atividades e produção – que em certa medida pode ser instrumento de controle dos órgãos reguladores – mas também a forma pela qual, no meio digital, o pesquisador será reconhecido na comunidade acadêmica e fora dela. E, portanto, a forma como ele identifica a si e aos pares, em função das atividades que desempenha e publicações que realiza.

A pesquisa, mais do que ensino e orientação, talvez tenha sido a área mais impactada pela incorporação das TD ao universo da PG. Em nossa investigação, foi recorrente a menção às melhorias que as TD proporcionaram no que se refere à pesquisa, principalmente em fatores como “maior interlocução entre os membros do grupo de pesquisa” (P018), “facilidade de levantamento de pesquisas nas bases de dados” (P043) e “acesso quase imediato a pesquisadores e pesquisas” (P046).

O relato de um professor sintetiza as diversas manifestações dos docentes no que se refere à incorporação das TD nessa dimensão do trabalho na PG, traduzida em: “Acesso amplo à produção acadêmica; modificação no modo de conceber as pesquisas, particularmente as que requerem questionários (antes eram em papel, agora são digitais), aperfeiçoamento dos procedimentos de obtenção de informações numéricas (como as estatísticas) permitindo revisão acurada” (P015). Essa aparente centralidade, no entanto, pode ser problematizada de diferentes maneiras. Uma delas é, acompanhando as análises de Sguissardi e Silva Júnior (2009), a percepção de importância atribuída à pesquisa pelos professores de PG, em parte pelo papel indutor de agências financiadoras de pesquisa como CNPq e Capes, em detrimento do ensino e da extensão (no caso evidenciado pelos autores) ou de outros processos que perpassam o trabalho docente na universidade. Essa é uma dimensão que só pode ser apreendida na relação produtividade/produtivismo

acadêmico, que converte qualidade em quantidade, conforme discutimos no capítulo anterior: para produzir mais dentro dessa lógica, em tese, são demandados processos de pesquisa mais intensificados ou, ao menos, mais valorizados do que outras dimensões do trabalho docente.

Nesse movimento de capitalismo acadêmico ao qual já nos referimos, podemos fazer uma analogia ao sistema produtivo mais amplo da sociedade e, por conseguinte, uma comparação àquilo que Harvey (2012) avalia: num modo de produção em ritmo acelerado, é comum que inovações tecnológicas que permitam acelerar o fluxo de produção sejam sempre muito procuradas. A esse entendimento, resgatamos o pensamento do pesquisador português Carlos Afonso, que já na década de 1990 analisava os processos de incorporação (com maior adesão ou maior rejeição) das tecnologias por professores em seu trabalho.

Na perspectiva do autor, processos de inovação (aqui não estamos entendendo inovação como muitas vezes é entendida, algo necessariamente melhor; mas como um modo novo e diferente de fazer) são percebidos pelos professores como ganhos e perdas em suas rotinas (AFONSO, 1993). Nesse sentido, propostas inovadoras – que muitas vezes exigem uma variedade de respostas completamente novas – são mais rapidamente incorporadas nessa rotina quando e à medida em que são percebidos os ganhos mais imediatos dessa incorporação/inserção.

Em nosso entendimento, no modo de operar do professor de PG, pelo que foi exposto anteriormente, é mais compreensível que as TD sejam incorporadas com mais facilidade e seus benefícios vistos com mais intensidade naquelas rotinas ligadas à dimensão do trabalho mais valorizadas por ele e com ganhos mais visíveis no aumento da sua produtividade. Esse modo de ver, por sua vez, implica evidenciar que a própria incorporação das TD ao trabalho na PG se faz não apenas dentro da lógica produtivista, mas condicionada a e por ela. Ao mesmo tempo, essa lógica pode restringir o uso das TD em outras atividades que não repercutem necessariamente em processos avaliativos do trabalho docente pelos órgãos avaliadores da PG, como o ensino. Contudo, essa é uma questão que os limites do nosso instrumento de coleta de dados não permite avaliar e permanece em aberto para investigações futuras.

4.1.5 Uso das TD relacionadas à pesquisa e publicização da produção