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Ao estudarem as três principais tradições de pesquisa sobre redes – a da Sociologia, a da Ciência Política e a da Administração Pública – Berry et al. (2004) afirmaram que havia muitas similaridades e poucas diferenças em termos metodológicos entre elas: em todas havia uma forte predominância do uso de estudos de caso aprofundados, que conseguissem captar as especificidades dos contextos nos quais estão inseridas as redes. Na mesma linha, O’Toole (2015) destaca que os trabalhos de referências sobre redes sempre optaram por realizar análises intensivas de um pequeno número de casos, visto que mapear adequadamente os detalhes do arranjo de uma rede é um trabalho muito custoso, o que explica parcialmente o fato de a grande maioria das análises de redes se referirem a uma ou poucas redes.

Nesse sentido, o presente estudo também foi realizado por meio da estratégia de pesquisa de estudo de caso, utilizando uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva. Especificamente, serão utilizados dois estudos de casos únicos: o primeiro trata da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar e o segundo abordará as relações federativas que envolvem a rede nacional de agricultura familiar e a rede de agricultura familiar do estado de Goiás.

Assim, cabe classificar os dois casos de estudo conforme as categorias propostas por Stake (2005). Para este autor, os estudos de casos simples podem ser de dois tipos: intrínsecos ou instrumentais. Estudos de caso intrínsecos são aqueles em que o objetivo primordial do pesquisador é conhecer as particularidades do caso em análise, sem almejar diretamente que o conhecimento gerado pelo estudo contribua para a compreensão de outros casos similares ou para o desenvolvimento de teorias. Já o estudo de caso instrumental, ao contrário, é aquele que se utiliza do caso estudado com vistas a contribuir para a compreensão de outros casos similares e/ou para o desenvolvimento de teorias úteis para testar outros casos no futuro (Stake, 2005).

Assim, os dois casos que serão analisados no presente estudo – a rede da Política Nacional de Agricultura Familiar e as relações federativas que envolvem a rede nacional de agricultura familiar e a rede de agricultura familiar do estados de Goiás – são ambos estudos de casos instrumentais, uma vez que foram empregados com o objetivo de apoiar um processo de pesquisa que também pode ser utilizado para analisar outras redes de políticas públicas similares e as relações federativas entre outras redes de políticas no Brasil.

Desse modo, a Política Nacional de Agricultura Familiar foi escolhida por sua importância econômica e social, considerando-se a possibilidade de oferecer uma contribuição à compreensão das necessidades e demandas deste grupo tão relevante e heterogêneo, e também por se tratar de uma política composta por diversos tipos de programas que visam a um mesmo público-alvo, programas esses de responsabilidade de atores diversos e que envolvem atribuições nos três níveis de governo e intensas relações com a sociedade civil e com o setor privado. Assim, os conhecimentos advindos do presente estudo podem ser utilizados para a compreensão de outras redes de políticas públicas com características similares no Brasil. No mesmo sentido, as relações federativas foram estudadas por meio do estado de Goiás, um estado de renda média e no qual o setor agrícola – tanto familiar quanto patronal – são relevantes social e economicamente. Deste modo, os resultados aqui apresentados são úteis como referências para estudos que se debrucem sobre outras relações federativas no Brasil envolvendo redes da política de agricultura familiar.

Para guiar a condução metodológica deste trabalho, foi utilizado o livro de Yin (2003) sobre a estratégia de pesquisa de estudo de caso. O autor foi escolhido por ter sido a referência utilizada pelo trabalho seminal de Provan e Milward (1995)2 na condução dos quatro estudos de caso que guiaram a elaboração do modelo preliminar de efetividade de redes que orientou toda a literatura sobre o tema desde então. Também Ferlie, Fitzgerald, McGivern, Dopson e Bennett (2011)3 adotaram expressamente Yin (2003) como sua referência para a condução de seus estudos de caso sobre o funcionamento de redes de políticas públicas.

Apesar de tanto Provan e Milward (1995) quanto Ferlie et al. (2011) terem conduzido seus trabalhos por meio de estudos de casos múltiplos, Yin (2003) afirma que o estudo de caso simples e o estudo de casos múltiplos são variantes da mesma estratégia metodológica, de forma

2 Provan e Milward (1995) utilizaram-se da edição de 1984 de Yin (2003). 3 Ferlie et al (2011) utilizaram-se da edição de 1994 de Yin (2003).

que nenhuma distinção significativa existe entre ambos, a não ser o fato de que, no estudo de casos múltiplos, um caso simples é replicado por duas ou mais vezes. Assim, justifica-se a adoção da estratégia prescrita por Yin (2003), no presente estudo de dois casos simples. Apesar de destacar as vantagens em termos de ganhos de confiabilidade que o estudo de casos múltiplos oferece comparativamente ao estudo de um caso simples, Yin (2003) afirma que um único caso já pode gerar a necessidade de acompanhamento de múltiplas variáveis de interesse, de modo que um único pesquisador coloca-se em posição mais segura ao restringir-se a analisar um único caso na profundidade adequada. Assim, considerando-se a complexidade do caso em estudo e, mais ainda, o desejo por aprofundar não só nas características da rede nacional, mas também nas relações federativas que a influenciam, o estudo de dois casos únicos está adequado aos objetivos da presente pesquisa.

Para Yin (2003), o que justifica a necessidade da realização de um estudo de caso é a necessidade de compreender, de forma abrangente, fenômenos sociais complexos. Nesse sentido, o autor defende que o estudo de caso deve ser utilizado como estratégia de pesquisa quando as condições contextuais forem relevantes para a compreensão do fenômeno, ou seja, quando a fronteira entre o caso e seu contexto não for algo simples de definir. Essa orientação se alinha perfeitamente com o entendimento já citado de Klijn (1997, p.14) que caracteriza a análise de redes como uma tentativa de “analisar conjuntamente o contexto e o processo de elaboração e de implementação de políticas públicas”.

Yin (2003) apresenta dois tipos de desenho de estudos de caso: aqueles que contêm uma única unidade de análise (estudo de caso holístico) e aqueles que contém mais de uma unidade de análise (estudo de caso inserido).

Um exemplo de estudo de caso com mais de uma unidade de análise foi o trabalho de Provan e Milward (1995), em que se utilizou, como unidades de análise, os indivíduos, as agências e a própria rede. O’Toole (2015) defende a utilização de desenhos desse tipo, com o objetivo de desenvolver descrições mais realistas sobre as complexas situações nas quais os gestores públicos operam. Ferlie et al. (2011), por sua vez, utilizaram-se do estudo de caso holístico, no qual uma única unidade de análise foi empregada, a saber: a própria rede de políticas públicas. Yin (2003) defende que abordagens holísticas devem ser utilizadas quando a teoria que respalda o caso for holística em sua natureza e em seus propósitos, e entende-se que esse é o caso da teoria sobre redes de políticas públicas. Além disso, o autor ressalta que o estudo do tipo inserido traz o risco de que a análise com foco em subunidades faça o pesquisador perder de

vista o caso de estudo como um todo. Para Yin (2003), a vantagem do tipo inserido é que a subdivisão das unidades de análise facilita a operacionalização dos construtos, fazendo com que as variáveis analisadas tendam a ser de mais fácil mensuração.

Considerando todas essas ponderações, decidiu-se adotar o estudo de caso do tipo holístico, tanto para a rede nacional quanto para o estudo das relações federativas entre as duas redes. No primeiro caso, a unidade de análise será a rede nacional e no segundo caso, a unidade de análise será a interação federativa entre as redes. Essa decisão se baseou na natureza holística tanto da teoria sobre redes de políticas públicas quanto da teoria sobre federalismo, além do objetivo da autora de conseguir de fato realizar uma análise abrangente.

Ademais, Raab et al. (2013) defendem que a forma teórica e metodologicamente correta de estudar redes é uma abordagem do tipo configuracional, na qual os diversos fatores não são examinados de forma isolada, ou em termos dos seus efeitos aditivos, mas sim em termos de seus efeitos conjuntos e integrados. Tal abordagem parece se coadunar mais com o estudo de caso do tipo holístico, que visa a obter informações sobre o objeto estudado como um todo. Assim, a abordagem holística se mostra adequada para embasar a presente análise, pois a política de agricultura familiar congrega diversos programas e cada um desses programas envolvem uma gama de atores específicos em sua formulação e implementação. Ao mesmo tempo, esses programas se complementam se coadunam, formando, juntos, a estratégia governamental voltada ao desenvolvimento da agricultura familiar. Diante disso, considera-se que seus efeitos devem ser tratados de forma conjunta e integrada (Raab et al., 2013). Sendo assim, optou-se pela abordagem holística para garantir a obtenção de um resultado abrangente e suficientemente aprofundado.