• Nenhum resultado encontrado

A gestão da comunicação é uma forma específica de ação de gestão da rede que ganha destaque por sua significativa capacidade de afetar os resultados da rede. Para Peters (1998), o primeiro passo para a existência de coordenação efetiva entre múltiplos atores é a existência de canais regulares de comunicação e de troca de informações. Diante disso, de acordo com Mandell e Keast (2007), para se avaliar o funcionamento de uma rede, há que se observar o seu grau de abertura à troca de informações. Na visão de O´Toole (1997), o compartilhamento de informações dentro de uma rede estimula a construção de confiança entre os membros e Rhodes (1997) vai ainda mais além e afirma que a comunicação honesta e aberta é essencial para que as redes sejam capazes de atingir seus resultados.

Isso posto, a gestão da comunicação na rede da Política Nacional de Agricultura Familiar foi analisada com base principalmente nos documentos de monitoramento da execução do Plano Plurianual (PPA) disponíveis no SIOP e nas entrevistas realizadas conforme Apêndice 5. Segundo Ferlie et al. (2011) e Mitchell & Shortell (2000), a capacidade de compartilhar informação entre as agências por meio eletrônico e o desenvolvimento de bases de dados

robustas e compartilhadas é o que caracteriza a efetiva mudança da gestão hierárquica para uma gestão por redes. Diante disso, o primeiro tópico a ser abordado nesta seção é a questão do compartilhamento de bases de dados entre atores diversos, com vistas à realização de cruzamentos que visem a produzir informações que subsidiem o acompanhamento e o aprimoramento da política pública voltada à agricultura familiar.

Alguns casos de cruzamentos de base de dados foram identificados por esta pesquisa no âmbito da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar. Citam-se os seguintes exemplos: 1) o cruzamento do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), gerido pelo MDS, com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), do Ministério da Saúde, com o objetivo de identificar famílias prioritárias para o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; 2) a integração do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR/Incra) com o Cadastro Fiscal (CAFIR), da Receita Federal, vinculando os dois cadastros com vistas a aprimorar procedimentos de regularização fundiária; 3) o cruzamento do CadÚnico com a Relação de Beneficiários do Programa de Reforma Agrária (RB), para permitir a avaliação de focalização da política de reforma agrária para os mais pobres; e 4) o cruzamento do DAPWeb com o Sistema de Controle de Óbitos (SISOB) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com vistas a identificar o falecimento de titulares de DAP.

No entanto, no Governo Federal, cruzamentos de dados não ocorrem com a frequência esperada nem abarcam todas as bases que seriam desejáveis. Segundo relatório do TCU (2018, p. 66), existe uma “baixa cultura de compartilhamento de informações entre os diferentes órgãos do governo federal”. Ainda de acordo com TCU (2018, p. 66):

“Não é habitual que informações sejam tratadas em conjunto e que o compartilhamento dos diversos nichos de conhecimento sirva para subsidiar a tomada de decisões conjuntas. Essas questões envolvem aspectos de poder relacionados à posse da informação, mas também envolvem a dificuldade operacional que decorre do alto custo de extração de bases de dados públicas, o que acaba tornando tais extrações eventos ocasionais e extraordinários ao invés de atividades rotineiras e

essenciais” (Relatório do Acórdão 2.901/2018-TCU/Plenário).

A opinião do relatório se coaduna com o entendimento de Ferlie et al. (2011) de que, em redes reais, são frequentemente observados sistemas de informação fragmentados e limites ao compartilhamento de informações estabelecidos em prol da autonomia organizacional.

Interessante destacar que o Decreto nº 8.789/2016 prevê o compartilhamento de bases de dados entre órgãos e entidades da administração pública federal, com vistas a simplificar a oferta de serviços públicos; subsidiar a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas;

evitar a irregularidade na concessão de benefícios e melhorar a fidedignidade dos dados utilizados pelo governo (art. 2º). Mas o conforme o relatório do TCU, o decreto ainda não foi efetivamente implementado e segundo o entrevistado 26, ainda está em estágio “embrionário”. Segundo este entrevistado, a falta de cruzamentos da DAP Web com diversas bases, tais como a do RENAVAN e bases da Receita Federal, tem impedido a SEAD de identificar irregularidades quanto à elegibilidade de uma dada família para a emissão da DAP, já que a DAP é um documento emitido de maneira auto-declaratória. Segundo o entrevistado, os cruzamentos não seriam feitos em função da dificuldade de obtenção das bases externas pela SEAD, o que acaba fazendo com que anualmente o TCU identifique indícios de irregularidades em DAPs emitidas, uma vez que o Tribunal tem acesso a essas bases e a SEAD não. Em suas palavras: “é um grande absurdo (...) as suas bases não se falarem”.

Para Repetto (2009), apesar de esforços para tornar mais constante a troca de informações, essa prática ainda ocorria de forma bastante dispersa e atomizada na América Latina. Desse modo, o autor entendia que o nível das informações compartilhadas acabava sendo de pouca utilidade para subsidiar a identificação de problemas e a tomada de decisões (Repetto, 2009).

Outro caso citado em entrevista foi a dificuldade enfrentada pelo Incra em obter acesso à base de CNPJ da Receita Federal para fins de verificação do cumprimento de condicionalidades, por parte de beneficiários da Reforma Agrária. Segundo o entrevistado 14, existe um acordo de cooperação técnica entre Incra e Receita para o acesso a bases de dados, mas este acordo não prevê o acesso a esta informação específica, a qual, diante de inovações legais, agora se faz necessária. Sendo assim, até que um novo acordo seja negociado:

“A única forma de eu conferir isso aqui é se o beneficiário – o candidato – trouxer pra mim um extrato da consulta que ele faz lá na unidade da Receita Federal. Ele tem que ir lá, na presença do servidor da Receita, e fazer essa consulta, trazer o extrato pro Incra e botar no processo. Isso aqui, para algumas regiões, é dificílimo”.

O Incra também precisaria ter acesso ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) do INSS, mas no momento também não há acordo de cooperação para tanto. Diante disso, o Incra tem buscado desenvolver um sistema de TI próprio que faça esses batimentos automaticamente, de modo a não mais prejudicar os possíveis beneficiários. No entanto, esse sistema deve ser desenvolvido por meio de uma parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso, visto que o serviço de TI do Incra não possui estrutura para fornecê-lo.

Vale destacar que a dificuldade com a disponibilidade de serviços de TI não é uma excepcionalidade entre os órgãos federais. Ao contrário, a maioria dos ministérios dependem de empresas terceirizadas e as dificuldades inerentes à contratação no setor público levam diversos deles a passarem períodos significativos de tempo sem serviços de fábrica de software. Outra questão levantada pelos entrevistados 5 e 8 é a burocracia necessária para conferir acesso a dados do CadÚnico e aos microdados do Censo Agropecuário, o que acaba desestimulando a sua utilização. Isso ocorre em função do sigilo dos dados – que dizem respeito a pessoas físicas –, mas os entrevistados acreditam que o compartilhamento poderia ser simplificado. No caso do CadÚnico, há uma iniciativa em curso nesse sentido – a chamada Rede Cadastro Único – mas ainda é uma iniciativa recente – de 2017 – e cujas funções e limitações ainda carecem de maior entendimento por parte dos usuários.

Por fim, além dos sistemas já citados, destacam-se outros entre os principais sistemas de TI utilizados para a gestão da rede: Sistema do Programa de Aquisição de Alimentos (SISPAA); Sistema de Monitoramento e Avaliação de Safras (SIMASA); Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA); Sistema de Informações Gerenciais do Crédito Fundiário (SIG/CF); Sistema de Gestão de ATER (SGA); Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA); Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR); Painel de Gestão Eletrônico da SERFAL; Sistema de Gestão Fundiária do Incra (SIGEF-Geo).

Quanto ao SIGEF-Geo, destaca-se que o Espelho do Monitoramento do Programa 2066 – Reforma Agrária e Governança Fundiária – apontou esse sistema “como a fonte de informações fundiárias mais confiável do país”. Segundo o documento, o sistema permite a validação automática dos serviços de georreferenciamento de imóveis e a troca de informações em tempo real com Ofícios de Registro de Imóveis (SIOP, 2018e, p. 2). Também os registros da 9ª e da 10ª reuniões extraordinárias do CONDRAF apontaram os ganhos de qualidade trazidos por este sistema, que permite a gestão fundiária com base em imagens georeferenciadas.

Na agropecuária, esse tipo de informação georeferenciada e/ou mapeada com alto nível de detalhamento, a partir do uso de imagens de satélites, por exemplo, tem o pontencial de melhorar significativamente a tomada de decisão, tanto do setor público, quanto do setor privado (Embrapa, 2018).

Também há que se destacar a disponibilização de informações ao público-alvo da rede, por meio de sistemas disponíveis nos portais dos órgãos de governo na internet. Por exemplo, no âmbito da defesa agropecuária e da vigilância sanitária, o produtor tem a possibilidade de

interagir com os órgãos públicos por meio do SIGSIF – Registro de Produto, que permite a solicitação inicial ao MAPA para o registro de produtos de origem animal e do Portal do Empreendedor da ANVISA, que possibilita a realização de registro especial automático de atividades de baixo risco sanitário. Quanto à vigilância sanitária, norma da ANVISA estabelece que o órgão deve assumir uma postura orientadora em relação ao produtor, descrevendo os motivos dos procedimentos e as orientações sanitárias com linguagem acessível ao empreendedor (RDC 49/2013 ANVISA, art. 11º).

Outra forma de comunicação com o público-alvo utilizada com frequência na rede é a publicação e a distribuição de cartilhas orientadoras. Tais materiais são disponibilizados nos sítios oficiais dos órgãos, encaminhados a organizações representativas e distribuídos em feiras e outros eventos. Também o uso das mídias sociais é recorrente, tanto para divulgar os programas, quanto para apresentar seus resultados e tirar dúvidas frequentes.

Em relação aos programas de compras públicas, ao Pronaf, ao crédito fundiário, bem como às renegociações de dívidas decorrentes dos vários tipos de crédito rural, entrevistados 4 e 11 e documentos110 destacam a importância da ativação da rede de atores locais para promover a divulgação de informações ao público-alvo. Assim, os órgãos federais mobilizam sindicatos e federações, entidades prestadoras de ATER, prefeituras, bancos e outros, de modo a que eles façam chegar aos produtores as informações necessárias para a correta implementação dos programas. Segundo o entrevistado 12, a SEAD contratou uma empresa para enviar mensagens por whatsapp, às entidades prestadoras de ATER, sindicatos, etc, com o objetivo de avisar quando saem novas chamadas de compras públicas públicas e outros informes, de modo a auxiliar na mobilização do público-alvo por esses atores.

Conforme os diversos entrevistados, a comunicação entre os órgãos púbicos da rede ocorre conforme as demandas do dia-a-dia, por meio de comunicações eventuais, em reuniões ou mesmo por telefone, além do uso de e-mails e mais recentemente do aplicativo whatsapp. Essa comunicação, entretanto, não ocorre sem dificuldades, visto que os entrevistados 1 e 4 destacaram desafios de trocar informações até mesmo entre subunidades de um mesmo órgão. Além disso, foi relatada a ocorrência de dificuldades de se produzir informações gerenciais úteis a partir dos dados disponíveis (entrevistado 26), além da dificuldade de trabalhar dados

110 Espelho de Monitoramento do PPA - Programa 2029 - Desenvolvimento Regional e Territorial (SIOP 2018c) e transcrição ipsis verbis da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, CONDRAF, de 19/2/2014.

conjuntamente, em função de diferenças em regras de operacionalização e em critérios utilizados pelos diversos atores (entrevistado 13). Ademais, foram apontados casos que geraram retrabalho em decorrência de falhas na comunicação inter-organizacional, por exemplo, entre instituições de pesquisas estaduais e a Embrapa, quando estão conduzindo projetos de pesquisa correlatos (entrevistado 8); e a ocorrência de solicitações das mesmas informações pela SEAD e pela Casa Civil à Anater, em função de não ter se conseguido estabelecer um rito no qual a comunicação fluísse de maneira eficiente da Anater até a Casa da Civil, por meio da SEAD (entrevistados 24 e 25).

Por fim, cabe destacar que a rede também emprega algumas estratégias de marketing para se comunicar com a sociedade em geral, como forma de fortalecer sua imagem e/ou da agricultura familiar. Segundo o Espelho do Monitoramento do Programa 2042 – Pesquisa e Inovação para a Agropecuária –, a Embrapa desenvolve estratégias de comunicação que buscam valorizar a pesquisa agropecuária e a agricultura brasileira. Segundo o documento, essas estratégias foram empregadas pela empresa nos temas de mudanças climáticas, florestas e vitivinicultura (SIOP, 2018d). Também o Espelho do Monitoramento do Programa 2069 – Segurança Alimentar e Nutricional – apresenta iniciativa da SEAD com vistas à “implementação de estratégia de comunicação sobre os benefícios do consumo dos produtos de base agroecológica, orgânica e da sociobiodiversidade, com ênfase no fortalecimento da cultura alimentar regional e da ecogastronomia” (SIOP, 2018f, p. 17). O documento, no entanto, não traz informações sobre o andamento de tal iniciativa. Para além desses exemplos, destaca-se o marketing realizado pelo Selo da Agricultura Familiar e pelo Selo Indígenas do Brasil, que visam dar visibilidade e qualificar produtos, de modo a ampliar seu acesso nos mercados privados111.

Tudo isso posto, pode-se perceber que a gestão da comunicação exerce múltiplas funções na rede da Política Nacional de Agricultura Familiar – ao mesmo tempo em que ainda possui múltiplos desafios a enfrentar. O quadro a seguir sitentiza essas estratégias e desafios:

Quadro 19 - Quadro-resumo - Gestão da Comunicação da Rede Principais Sistemas de TI Usados na Gestão da Comunicação da Rede

Sistema de Cadastro de DAP (DAP-Web); Sistema do Programa de Aquisição de Alimentos (SISPAA);

Sistema de Monitoramento e Avaliação de Safras (SIMASA);

Sistema de Gestão de ATER (SGA);

Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA);

Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR);

111 Espelho do Monitoramento do PPA - Programa 2012 - Fortalecimento e Dinamização da Agricultura Familiar (SIOP, 2018a).

Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA); Sistema de Informações Gerenciais do Crédito Fundiário (SIG/CF);

Painel de Gestão Eletrônico da SERFAL;

Sistema de Gestão Fundiária do Incra (SIGEF- Geo).

Dificuldades na Gestão da Comunicação Relacionadas ao Uso de Sistemas de TI

Baixa disponibilidade e baixa qualidade de serviços de TI para os membros;

Baixa cultura de compartilhamento de informações entre os órgãos do Governo Federal (TCU, 2018); Falta de implementação prática do Decreto n° 8.789/2016 sobre compartilhamento de bases de dados;

Desafios Gerais da Gestão da Comunicação da Rede

Dificuldades no compartilhamento de informações até mesmo entre subunidades de um mesmo órgão; Dificuldades de produzir informações gerenciais úteis, a partir dos indicadores disponíveis;

Dificuldade de trabalhar dados conjuntamente, em função de diferenças em regras de operacionalização e em critérios utilizados por diferentes atores;

Casos de retrabalho em decorrência de falhas na comunicação inter-organizacional.

Principais Programas que Demandam a Mobilização de Atores Privados e/ou da Sociedade Civil na Ponta para a Gestão da Comunicação da Rede com o Público-Alvo

Compras Públicas;

Crédito Fundiário (PNCF); Pronaf;

Rotas de Integração Nacional; ATER.

Estratégias de Marketing Utilizadas na estão da Comunicação da Rede

Estratégia de comunicação da Embrapa de valorizar a pesquisa agropecuária e a agricultura brasileira, nos temas de mudanças climáticas, florestas e vitivinicultura;

Estratégia de comunicação do MDS sobre os benefícios do consumo de produtos de base agroecológica, orgânica e da sociobiodiversidade;

Selo da Agricultura Familiar e Selo Indígenas do Brasil, da SEAD.

Fonte: elaboração própria.