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No que tange aos mecanismos de accountability em uma análise de redes, cabe apresentar tanto os mecanismos utilizados para conferir transparência aos resultados para a sociedade, quanto os mecanismos empregados pelos membros para informarem uns aos outros sobre o andamento da implementação da política e o atingimento de resultados.

No que diz respeito às formas de conferir tranparência para a sociedade, além dos relatórios de gestão anual dos órgãos, destaca-se o papel dos sítios oficiais dos diversos responsáveis pelos programas públicos. Dentre os gestores entrevistados, SEAD, CONAB, Incra, ICMbio, bem como a Emater-GO, afirmaram que os sítios dos respectivos órgãos seriam os principais mecanismos de conferir transparência às suas informações. Dentre as ferramentas disponibilizadas com esta finalidade, destacam-se: o Painel de Políticas da Sead14, que apresenta dados agregados das diversas políticas da Secretaria, tais como emissão de DAP, prestação de ATER, contratação de Pronaf, PNCF, SEAF, dentre outros; o Sistema de Monitoramento de Oportunidades de Compras Públicas da Agricultura Familiar15, que reúne informações de todas as chamadas públicas de compras do PNAE, do PAA, bem como de estados e municípios; o portal www.agroecologia.gov.br, com informações sobre a Política e o Plano Nacionais de Agroecologia; o Sistema de Informações Gerenciais da Produção Orgânica16, do MAPA e também os diversos levantamentos disponibilizados no sítio da

14 Disponível em http://nead.mda.gov.br/politicas, acesso em 23/01/2019

15 Disponível em: http://oportunidades.mda.gov.br/consulta, acesso em 23/01/2019.

CONAB sobre safra de grãos, mercado agrícola, monitoramento agroclimático, indicadores agropecuários, preços mínimos, compras públicas e armazenagem.

Quanto ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por exemplo, a CONAB disponibiliza o compêndio anual PAA: Resultados das Ações da CONAB17, com informações sobre valor dos recursos investidos, quantidade de produtos adquiridos, participação de mulheres no PAA, região dos beneficiários fornecedores e das unidades recebedoras, dentre outros.

Em entrevistas com representantes de organizações da agricultura familiar, foi questionado se o nível de transparência atualmente dado às informações era conisderado adequado. Conforme os entrevistados 2, 9, 10 e 15, a disponibilização de informações nos portais é adequado e permite o acompanhamento do nível de execução dos principais programas, apesar de algumas limitações em termos de nível de detalhamento, que dificultam o controle social.

Outra limitação apontada nas entrevistas 2, 8, 12, 13 e 15, foi quanto à natureza dos indicadores acompanhados: o monitoramento governamental enfoca principalmente em indicadores que expressam os volumes de recursos disponibilizados e a quantidade de atendimentos realizados, sem apontar o nível de impacto que tais investimentos e ações geram em termos de melhorias para as famílias. Em avaliação realizada pelo Senado Federal sobre a política de crédito rural, por exemplo, o relatório aponta a necessidade de aprimoramento da comunicação dos impactos gerados pelo crédito rural e destaca também a falta de transparência das informações sobre a condução das operações de crédito – como a ocorrência de atrasos nos pagamentos, renegociações, rebates e inadimplência – aspectos estes com alto nível de custo para os cofres públicos (Senado Federal, 2014). Ademais, a heterogeneidade que marca a categoria agricultor familiar exigiria ainda que indicadores específicos para agricultores pobres e extremamente pobres fossem criados e monitorados18.

Nesse mesmo sentido, especificamente sobre a política de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), as entrevistas 8 e 21 apontaram a fragilidade do acompanhamento dos resultados deste serviços. Tal dificuldade começa na própria anotação de resultados pelos técnicos extensionistas, que, nos afazeres do dia-a-dia, muitas vezes não compreendem a importância desse registro, e sub-relatam suas atividades. Mas o principal problema é que nem sempre os indicadores mais adequados são aqueles que são registrados e acompanhados. Por exemplo, o

17 Disponível em https://www.conab.gov.br/agricultura-familiar/execucao-do-paa, acesso em 23/01/2019. 18 Conforme entrevistado 18 e manifestação de representante do MDS em reunião de 02/12/2015, do CODRAF.

indicador que sempre é apresentado – quantidade de famílias atendidas – não deixa claro quantas famílias receberam um atendimento continuado ao longo do processo produtivo e quantas apenas tiveram um apoio localizado. Ademais, o fato de a maioria das famílias não serem acompanhadas de forma contínua, como prevê a Lei de ATER19, além de prejudicar o potencial transformador desta atividade, faz com que os indicadores empregados pelas Emateres não sejam voltados para medir as contribuições prestadas por um serviço de extensão de caráter perene20. Segundo o entrevistado 21, este é o principal motivo da falta de priorização conferida às Emateres pelos governos, pois se essas instituições tivessem dados sistematizados sobre os efeitos trazidos pela ATER continuada, a grande restrição de recursos com que hoje convivem não seria observada.

Tudo isso decorre, em grande medida, da falta de cultura de avaliação presente na administração pública brasileira. Os entrevistados 7, 8, 12, 13, 16, 19 e 26 apontaram esse problema como uma limitação para a capacidade do governo de corrigir as suas ações. Nas palavras do entrevistado 16, “como a gente avalia pouco políticas públicas, em geral a gente repete os mesmos tipos de programa, repete o mesmo tipo de oferta para a agricultura familiar” sem no entanto ter clareza se que aquele tipo de oferta é ou não adequada. Ademais, as atividades de controle com frequência restringem-se à fiscalização da legalidade e da conformidade dos atos, enquanto que tentativas de aferir efetividade e impacto são observadas apenas em raras ocasiões, como na avaliação que o MDS está iniciando no programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais e no sistema de acompanhamento de resultados implantado pela Emater-DF. Assim, percebe-se que apesar do adequado nível de transparência dado à execução dos programas públicos, diversos aprimoramentos ainda precisam ser desenvolvidos para fornecer à sociedade todas as informações necessárias para que ela de fato compreenda e avalie a atuação pública. E isso depende da institucionalização de métodos de avaliação que permitam medir o impacto das ações no mundo real, ou ao menos do estabelecimento de critérios consistentes que forneçam aproximações adequadas de tais impactos, por meio da análise de sua evolução no longo prazo, oferecendo assim os subsídios necessários a eventuais correções de rumo.

19 Lei 12.188/2010, art. 2º, I.

20 Avaliação realizada pelo Senado Federal na política de ATER sugere que fossem acompanhados os seguintes indicadores: “a redução da taxa de migração, a redução de incidência de doenças humanas e desnutrição, o aumento da produtividade das atividades agropecuárias e não agrícolas, o aumento da renda das famílias, o aumento do número de organizações rurais e da participação dos agricultores nestas organizações, a melhoria da infraestrutura (estradas, energia, comunicações, obras rurais, etc.) e serviços públicos, o aumento do acesso a outras políticas públicas, melhoria nas condições de saneamento, de acesso a água potável, melhorias ambientais, entre outros” (Senado Federal, 2016, p. 34).

Além dos mecanismos de accountability para a sociedade, os membros de uma rede de políticas públicas devem manter mecanismos de accountability por resultados entre eles, de forma a aumentar o comprometimento com a rede (Mitchell & Shortell, 2000; Bardach & Lesser, 1996). Mitchell e Sortell (2000) chamam este tipo de accountability de accountability interna. Na Política Nacional de Agricultura Familiar, os principais mecanismos identificados com esse próposito são aqueles previstos nos instrumentos de parceria estabelecidos para a implementação dos programas, tais como: os Termos de Execução Descentralizadas (TED) firmados entre SEAD e CONAB e MDS e CONAB, para a execução do PAA; o Contrato de Gestão firmado pela Anater com a SEAD ou os instrumentos de parceria firmados entre a Anater e as entidades públicas de ATER estaduais, que definem as metas de execução a serem relatadas no Sistema de Gestão de Ater (SGA).

Ademais, detaca-se a importância para a accountability interna das Câmaras Interministeriais, tais como a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO) e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar (CAISAN). Segundo o entrevistado 1, estes fóruns – assim como os Grupos Gestores do PAA e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – permitem uma coordenação ministerial mais efetiva, uma vez que periodicamente os gestores dos diversos órgãos apresentam e respondem uns aos outros sobre a evolução dos compromissos adotados por cada um no âmbito dos programas.

Para além desses mecanismos, são empregados outros mais informais, tais como reuniões, ligações, reuniões virtuais e até grupos de whatsapp. Para esses mecanismos, a relativa estabilidade dos gestores dedicados à política – apontada em diversas entrevistas – contribui para viabilizar a sua utilização.

Porém, várias limitações são observadas na interação entre os órgãos. De maneira geral, o entrevistado 1 afirmou que “mecanismos de accountability entre os membros são tímidos. Extrair informações e mesmo disponibilizar é complexo no Executivo Federal”.

Por exemplo, a Casa Civil teve dificuldades em obter dados tempestivos do acompanhamento do Contrato de Gestão da Anater, por meio do SEAD e, diante disso, optou por estabelecer um fluxo de informações diretamente com a Anater. Também a Delegacia Federal de Desenvolvimento Agrário da SEAD em Goiás relatou não estar acompanhando sistematicamente a execução do instrumento de parceria da Anater com a Emater-GO, o que indica que a SEAD não tem monitorado de forma efetiva o cumprimento do contrato de gestão.

Quanto ao crédito rural, cujo acompanhamento é feito de forma centralizada por sistema informatizado do Banco Central21, segundo avaliação realizada pelo Senado Federal, o MAPA e a SEAD, “monitoram a política, principalmente, sob a perspectiva do volume de aplicação dos recursos disponibilizados pelo Sistema Financeiro Nacional” não acessando informações sistematizadas sobre as condições das operações contratadas (Senado Federal, 2014, p. 84). Conforme o MAPA22, esse monitoramento é feito por meio de planilhas de excel, a partir dos dados encaminhados pelo BACEN.

Ademais, conforme o Espelho do Monitoramento do Programa 2077 – Agropecuária Sustentável (p. 75)23, o MAPA dispõe de convênios voltados à recuperação de estradas vicinais, porém informa que: “os serviços deste Ministério envolvidos na execução das parcerias institucionais não dispõem de controle da execução física dos convênios (medição), o que prejudica a informação” – sobre a extensão das estradas já recuperadas pelos parceiros. Quanto à modalidade de Compras Institucionais do PAA, o Espelho do Monitoramento do Programa 2069 – Segurança Alimentar e Nutricional (p. 6 e 7)24 informa que ainda não existe sistema informatizado que consolide os dados relativos às compras realizadas pelos diversos órgãos25 e que, para levantar os números referentes à modalidade, o MDS realiza uma busca por documentos oficiais, de modo que os números informados podem ser subdimensionados. Assim, percebe-se que existem mecanismos, formais e informais, de accountability interna entre os membros da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar, mas que ainda há espaço significativo para melhorias. Maior integração e compartilhamento de informações aumentaria a percepção dos atores sobre a necessidade de atuar de forma coordenada, visto que os resultados de um afetam no atingimento dos resultados de outros.

Ademais, vale ressaltar a importância do fortalecimento do controle externo em relação às operações da rede. O entrevistado 26 e o então presidente do Incra26 citaram exemplos em que a atuação do TCU contribuiu para aumentar a transparência de suas ações. Ademais, para Provan e Milward (1995) e Turrini et al. (2010), mecanismos de controle externo sobre a rede

21 Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (SICOR).

22 Espelho do Monitoramento do Programa 2077 – Agropecuária Sustentável (SIOP, 2018g, p. 46) 23 Disponível no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP, 2018g), acesso em 10/11/2018. 24 Disponível no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP, 2018f), acesso em 10/11/2018. 25 Administração direta, autárquica e fundacional, nos três níveis de governo.

26 Entrevista Leonardo Góes. Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/entrevista/568-leonardo-

podem influenciar para que as agências autônomas passem a agir de forma sistêmica. Nesse sentido, os entrevistados 16 e 27 apontaram exemplos em que a atuação do TCU funcionou como catalizador para mobilizar a atuação coordenada de diferentes atores.

E ainda dentro do tema do controle externo, cabe destacar a importância do fortalecimento do controle social. Diversos pronunciamentos registrados em atas do CONDRAF ressaltaram a importância de o Conselho unir forças com a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e se estruturar para realizar o acompanhamento efetivo das políticas públicas afetas à agricultura familiar, tais como o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PNDRSS) e os Planos Safras, inclusive, fiscalizando a operacionalização do Pronaf pelos agentes financeiros27. O próprio PNDRSS ressalta a importância de fortalecer os Conselhos Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural, de modo a que tenham condições de acompanhar e avaliar a atuação de empresas prestadoras de ATER, atuando para o seu descredenciamento, sempre que houver irregularidades e descumprimento das ações pactuadas. No entanto, tanto os citados conselhos nacionais quanto os estaduais e municipais encontram- se atualmente significativamente enfraquecidos.

Por fim, cabe destacar que uma avaliação dos mecanismos de accountability de uma rede de políticas públicas deve se preocupar em verificar os resultados obtidos pela rede e não apenas os resultados obtidos pelas diversas organizações individualmente (Mandell & Keast, 2007; Turrini et al., 2010). Para Mitchell & Shortell (2000), a exitência de indicadores que comprovem os resultados da rede e não apenas das organizações em separado é fundamental para a sustentabilidade da rede. Estes entendimentos estão alinhados com o próprio PNDRSS (MDA, 2014, p. 28), que afirma que é uma diretriz estratégica do processo de desenvolvimento rural “o fortalecimento de um arranjo institucional integrador das ações do Estado brasileiro e a consolidação dos mecanismos de controle e gestão social, com base no protagonismo das organizações da sociedade civil.”

Porém, os mecanismos de accountability identificados durante o estudo estão dispersos nos diferentes órgãos e compartimentados por programa, não expressando resultados próprios da rede, mas sim de atores específicos. Isso se deve, em parte, ao fato de que diversos atores importantes não se percebem como membros de uma rede de políticas públicas, em função de

esta rede não ser formal ou legalmente estabelecida e, em parte, pelas próprias barreiras que normalmente dificultam a coordenação entre atores do setor público (Jennings & Krane, 1994). A importância de uma visão global das ações voltadas à agricultura familiar foi levantada por representante sociedade e por representantess do governo, na 9ª Reunião Extraordinária do CONDRAF, de 16/07/2014, conforme se observa pelos excertos a seguir28:

“esse esforço que se fez aí de fazer a vinculação com outros Ministérios, de forma bastante pincelada, rápida, ele seja importante para nós visualizarmos, porque dá uma impressão de que nós somos muito pequenos olhando o orçamento stricto sensu MDA/Incra. E na verdade nós temos uma amplitude de outras atividades que são realizadas aí através de outros Ministérios, que eu acho que em algum momento seria importante nós termos essa dimensão” (...)

“Então, eu acho que talvez pudéssemos enquanto Governo tentar dar visibilidade a essas ações, que permitisse vocês verem o conjunto dos recursos que faz a diferença nessa população” (...)

“Eu acho que o tema da relação com outros Ministérios, quer dizer o conjunto desse orçamento é eu acho que um dos principais grandes próximos passos desse Conselho, que é justamente a ideia, o rural ele é muito maior do que o agrícola, o fundiário, ele é saúde, educação, lazer, juventude, Internet e etc., que é a grande questão que nós temos pela frente. Então, [olhar] não só o nosso orçamento, mas a relação com os Ministérios, que é a ideia do plano” (...)

“Então, é muito importante isso que já foi dito aqui, que nós possamos olhar o orçamento do MDA e do Incra e olhar o orçamento do Rural e nós possamos estabelecer uma interlocução com os parceiros para que possamos garantir que esses investimentos [água, luz, casa] aconteçam em 2015”.

Também nesse sentido, o entrevistado 19 afirmou que:

“em função de não ter um observatório da agricultura familiar que pudesse pegar os indicadores produzidos pelo IBGE, os indicadores produzidos pelo Ministério da Saúde, os indicadores produzidos pelas EMATERes, pelas assistências de técnica contratadas pelo INCRA, ou pelo MDA, pra você poder ter um parâmetro, um diagnóstico, pra você poder fazer um monitoramento da execução dessas políticas públicas (...) se tivesse esses dados reunidos, com certeza a gente poderia afirmar, saber se a política tá chegando onde precisa chegar”.

Sendo assim, independente da existência oficial ou legal de uma rede da Política Nacional de Agricultura Familiar, defende-se que esforços no sentido de integrar as informações dos diversos programas voltados a este público contribuiriam não só para dar a devida transparência aos atos de governo, como também para fortalecer os próprios programas e os gestores desta política.

Sendo assim, e sintetizando as informações descritas, apresenta-se o quadro-resumo abaixo, sobre os mecanismos de accountability da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar:

Quadro 4 - Quadro-resumo - Mecanismos de Accountability Accontability para a Sociedade Accountability entre membros

Importância dos portais (sítios oficiais); Adequação da transparência sobre a execução de gastos;

Falta de cultura de avaliação – ausência de informações sobre efetividade das ações; Indicadores acompanhados não dão conta da diversidade de problemas atacados;

Controle social enfraquecido - fragilidade dos conselhos nacional, estaduais e municipais de desenvolvimento rural.

Câmaras Interministeriais e Grupos Gestores de Programas;

Mecanismos formalizados em instrumentos de parceria tais como TEDs, ACTs e convênios.

Accountability sobre os resultados da Rede

Inexistentes. mecanismos identificados estão dispersos nos diferentes órgãos e compartimentados por programa, não expressando resultados da política como um todo.

Fonte: elaboração própria.