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Como já dito na seção anterior, a rede que está sendo analisada nunca foi formalmente criada, fato esse que, segundo o entrevistado 5, não representa um problema, pois, nas suas palavras: “redes não são ou necessariamente não precisam ser formadas institucionalmente. Eu vou baixar um decreto ou uma portaria e formar uma rede? Não, as redes acabam se formando através daquilo que na verdade nos assemelha com o outro”.

No entanto, essa espécie de informalidade traz a necessidade de questionar-se: quando se iniciou esta rede? A partir de quando é possível considerar a sua existência? Para o caso da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar, as evidências obtidas no presente estudo indicam que o marco mais adequado está no surgimento do que até hoje é considerado o mais importante programa desta política: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que foi instituído pelo Decreto n⁰ 1.946, de 28 de junho de 1996.

Os entrevistados 2, 15, 16, 18 e 29 ressaltaram a importância do marco que o programa representou. As citações abaixo ilustram esse entendimento:

“o governo federal publicou um decreto criando o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, então a partir daí, você começa a valorizar a agricultura familiar como um setor da sociedade brasileira, especialmente da sociedade brasileira do campo que produz, que trabalha e que tem importância” (entrevistado 15). “quando ele começa a ter políticas específicas para agricultura familiar ali na década de 90, foi em meados dos anos 90, 96 especificamente, que foi criado o Pronaf (...) Antes o Ministério da Agricultura tinha algumas políticas, a área de assistência social devia ter algumas políticas também, mas nada muito efetivo. Então a primeira grande política que a gente tem é o Pronaf e aí de fato o Pronaf é a primeira, acho que dá para a gente dizer que é a primeira ação, o primeiro programa público que a gente pode caracterizar como um fruto de uma rede de atores envolvida na criação de um programa, na criação dessa ação específica” (entrevistado 18).

Navarro (2010) descreve esse processo no qual uma rede de atores se envolveu na criação de um programa específico para a agricultura familiar. O autor relata que o movimento tomou corpo quando, no contexto da implementação do Mercado Comum do Sul (Mercosul)51, pequenos produtores uruguaios, paraguaios e brasileiros, se sentindo excluídos das

negociações, começaram a se aliar para buscar suporte governamental a seus setores, durante a constituição do novo mercado comum. Foi nesse contexto que a “agricultura familiar, como expressão da agenda nacional, adentrou o cenário político” (Navarro, 2010, p. 192).

Segundo Navarro (2010), coube ao primeiro diretor de política agrícola da CONTAG, um gaúcho chamado Itálico Cielo, a liderança desse processo, que contou também com o apoio do antigo Departamento Rural da CUT, que originou a atual Fetraf. Com Cielo, a CONTAG logrou tornar-se um interlocutor legítimo das discussões com o então Ministério da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária (Maara) (Caume, 2009; Navarro, 2010), inclusive recebendo recursos para a realização de um conjunto de seminários sobre política agrícola. Consta inclusive que foi em um desses seminários (em Belo Horizonte, em 1993), do qual participavam representantes do movimento sindical e do governo, que uma técnica extensionista mineira, defendeu de forma enfática que o termo “agricultura familiar” deveria ser utilizado, “deixando para trás o impreciso uso da expressão pequenos produtores” (Navarro, 2010, p. 193).

Como resultado das pressões exercidas, o Maara editou a Portaria Ministerial nº 692/1993, instalando um grupo de trabalho com participação da CONTAG, para analisar temas relacionados à pequena produção. Este grupo apresentou uma proposta, assinada pelo Presidente da República em outubro de 1994, chamado de Programa de Viabilização da Pequena Propriedade, que não se restringia ao tema do crédito rural, mas que acabou lançando as bases para a criação do Pronaf (Navarro, 2010).

Segundo o entrevistado 18, estre processo de diálogo entre o Maara e a CONTAG, foi fortalecido pelo apoio do Incra, por técnicos da Embrapa e por outros movimentos sociais. Nesse processo, o governo reconheceu a categoria agricultura familiar como detentora de necessidades que deveriam ser atendidas por políticas públicas. Tanto que, em decorrência, em 1999 criou o CONDRAF e um ministério voltado para esse segmento: o Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar52 que, em 2000, passou a denominar-se Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) (Caume, 2009).

Interessante perceber que o contexto no qual a rede se originou foi fortemente responsável por definir o enfoque de atuação que foi dado ao Pronaf e que até hoje caracteriza o programa. O crédito rural tal como formatado atende de forma bastante adequada aos agricultores do Sul do país, que foram os atores que lograram se mobilizar, por terem se sentido mais afetados à época

da criação do Mercosul. Assim, a Política Nacional de Agricultura Familiar possui ainda hoje características que refletem o contexto de sua formação.

Diante do exposto, e considerando a data de criação da rede como 28 de junho de 1996, dia em que o Pronaf foi oficialmente instituído, tem-se que a rede da Política Nacional de Agricultura Familiar conta com 22 anos completos desde sua criação. Segundo Raab et al. (2013), o tempo de criação da rede é relevante porque as redes levam um tempo para se organizar, construir confiança, definir modelos de decisão e de implementação, superar divergências e obter resultados visíveis. Conforme os autores, para tudo isso são necessários, ao menos, 3 anos. Assim, adotando o Pronaf como marco, o tempo de criação supera com folga o tempo mínimo de estabilização apontado pela literatura. No entanto, torna-se necessário aprofundar a análise da estabilidade interna da rede, conforme a seção a seguir se propõe a fazer.