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Em artigo seminal, que empreendeu uma longa comparação entre as características dos sistemas políticos do Brasil e de diversos países do mundo desenvolvido, Abranches (1988) concluiu que o Brasil compartilhava das principais características institucionais das democracias desenvolvidas, tais como o regime proporcional de representação e o nível de fragmentação partidário. No entanto, o país possuía como particularidade, dentre o grupo estudado, o fato de ser o único país que combinava os modelos de bicameralismo, representação proporcional, multipartidarismo e que simultaneamente governava por meio da formaçao de grandes coalizões (Abranches, 1988).

Para o autor, os problemas políticos do Brasil derivavam fortemente da “incapacidade das elites em compatibilizar o formato institucional vigente com o perfil heterogêneo e desigual de nossa ordem social”, pois em sociedades mais divididas e mais conflitivas, a governabilidade e a estabilidade institucional dependem da formação de alianças amplas, que implicam em grande capacidade de negociação (Abranches, 1988, p. 21). Tal necessidade muitas vezes chega a resultar até mesmo na descaracterização do conteúdo de políticas públicas, com impactos redistributivos relevantes e nem sempre positivos (Bittencourt, 2012; Nicoletti, 2014).

Segundo Nicoletti (2014, p. 7), a formação de coalizões que garantam a maioria no Congresso implica em um “emaranhado de barganhas”, envolvendo a nomeação de ministros e cargos no alto e no médio escalão, além do comando e da relatoria das principais comissões das casas legislativas. Muitas vezes, essas barganhas abarcam um amplo espectro ideológico, o que leva ao desafio de conseguir governar conciliando interesses muito diversos e ainda obter um mínimo de coerência política. Nesse mesmo sentido, nas palavras de Rocha Neto e Borges (2016, p. 441 e 443) a estrutura institucional no Brasil é “marcada por complexidade, hete- rogeneidade e corporativismos” que decorrem de uma “miríade de agendas pessoais, ideológicas, partidárias, setoriais e regionais”.

No Brasil, as pastas ministeriais são atribuídas aos partidos políticos da base de governo conforme três aspectos principais: 1) seu nível de presença no Congresso, 2) o poder político dos estados da federação e 3) o grau de heterogeneidade dos grupos e dos interesses em jogo na arena política (Abranches, 1988).

Ao se tornarem titulares dos Ministérios, os diversos partidos políticos assumem um compromisso com o governo e objetivam obter dividendos políticos que decorram deste

compromisso. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o partido de cada Ministério deseja o sucesso de sua política setorial, de forma a obter visibilidade para si próprio, ele também pode assumir uma postura competitiva em relação aos demais ministérios de outros partidos, não só pelos recursos orçamentários, que são escassos, como também pela aprovação e pelo reconhecimento popular. Assim, essa postura competitiva entre os diferentes partidos que compõem a coalizão e pode vir a comprometer significativamente a capacidade do governo em executar políticas coordenadas (Bittencourt, 2012; Rocha Neto & Borges, 2016).

Ademais, outra camada de complexidade ainda precisa ser acrescentada a esse cenário. Abranches (1988) destaca que a formação de coalizões no Brasil é orientada tanto pelo eixo partidário, quanto pelo eixo regional (estadual), o que explica o fato de o país ter frequentemente formado coalizões maiores do que aquelas que seriam necessárias para obter maiorias no Congresso: em função da necessidade de também angariar o apoio dos governadores. Diante de tudo isso, há uma forte tendência à formação de coalizões com um grande número de membros, o que tende a abarcar uma maior diversidade ideológica.

Diante de tal diversidade ideológica, o partido do chefe do Poder Executivo pode possuir interesses significativamente diversos em relação aos partidos de sua base de coalizão, o que pode dificultar na implementação da agenda política do governo e na adoção de ações coordenadas entre ministérios chefiados por partidos diversos, podendo levar o governo a uma “paralisia decisória” (Abranches, 1988, p. 30; Nicoletti, 2014; Rocha Neto & Borges, 2016). Por outro lado, o sistema de coalizões pode permitir que o Presidente da República forme maiorias relativamente estáveis. Nesses casos, essa situação fortalece o governo federal e tende a reduzir a capacidade de influência dos governadores sobre os parlamentares de seus estados, o que reforça a assimetria de poder nas relações federativas (Borges, 2013).

Nicoletti (2014) acrescenta que o Executivo pode contar com dois tipos de estratégia para governar: ou atrair a oposição para a base ou contar apenas com partidos ideologicamente mais próximos. Para este autor, o primeiro caso, obviamente, implicaria em um maior nível de instabilidade. Para Bittencourt (2012), no entanto, os recursos institucionais à disposição do presidente não são suficientes para garantir, no longo prazo, um apoio estável e consistente em nenhum dos dois casos.

Ademais, segundo Borges (2013), no Brasil prevalece um sistema de coalizões difusas, no qual se observa um baixo nível de identificação entre o eleitorado e os partidos políticos, o que torna o sistema ainda mais vulnerável. Além deste baixo nível de identificação, os representantes

eleitos possuem capacidade limitada em representar devidamente os anseios dos cidadãos (Bardach & Lesser, 1996). E, nesse sentido, os críticos dos mecanismos de ajustes partidários afirmam que tais mecanismos são “fraudulentos”, pois não representam a variedade de interesses e valores da população como um todo, mas apenas de uma “classe governante revestida de pluralidade”, em um evidente descompasso entre a heterogeneidade social e a representação política (Lindblom, 1979, p. 523).

Tais aspectos são fundamentais, pois os resultados dos processos de ajustes partidários influenciam significativamente no desenho e na implementação das políticas públicas e podem implicar em maior ou menor nível de coordenação entre os diversos atores (Lindblom, 1979). Desta forma, resta claro que todo este jogo político possui efeito significativo sobre o funcionamento de redes de políticas públicas brasileiras, que demandam o respaldo dos diversos membros da coalizão envolvidos, de forma que estejam convencidos da importância da rede e que possuam vontade política de investir recursos nessa ação (Repetto, 2009). Desse modo, o governo precisa investir na institucionalização das relações entre a coalizão, com ferramentas operacionais capazes de permitir o processo de coordenação, de forma a gerar maior coerência na ação pública (Abranches, 1988; Repetto, 2009; Rocha Neto & Borges, 2016).

Rocha Neto e Borges (2016, p. 452) encontraram evidências significativas em dados da execução orçamentária, que mostraram que a tendência à cooperação está fortemente associada às vinculações partidárias dos ministros, governadores e prefeitos de grandes cidades, criando uma “verdadeira geografia do favorecimento”, que nem sempre se mostra coerente com os objetivos da política em questão. Dessa forma, os grupos que detêm recursos políticos estão em posição de definir tanto os desenhos das redes de políticas públicas, quanto a própria política resultante (Cline, 2000). Na visão de Rhodes (1997), a variação no grau de discricionariedade dos membros da rede decorre tanto dos seus objetivos, quanto do seu poder potencial em relação às demais organizações.

Em suma, aspectos de poder devem estar no centro de qualquer teoria sobre o gerenciamento de redes e de qualquer pesquisa sobre redes de políticas públicas (Agranoff & McGuire, 2001). Assim, reforça-se o entendimento de que é essencial que estudos sobre redes de políticas públicas no Brasil considerem seriamente as consequências do sistema federalista e do presidencialismo de coalizão em suas análises e, por isso, esses dois temas foram incorporados ao modelo de análise de redes de políticas públicas empregado no presente estudo.