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Como já apresentado na seção de Introdução, o presente estudo adota a definição de redes de políticas públicas proposta por O’Toole (1997, p. 45) que considera que “redes exibem uma certa estabilidade estrutural, mas vão além de ligações formalmente estabelecidas ou de políticas formalmente legitimadas”. Sendo assim, um primeiro passo para a análise de redes é, portanto, identificar quem são e quem não são os membros da rede.

Para fazer essa identificação, será utilizada a definição de Provan e Milward (1995) de que são membros da rede todos aqueles atores que sejam responsáveis por entregar algum tipo de serviço relacionado à política pública em análise. Para esses autores, os membros da rede não precisam estar integralmente dedicados a ela, mas caso provejam algum serviço para o seu público-alvo, eles serão considerados como membros da rede (Provan & Milward, 1995). Reconhece-se que esse recorte das fronteiras da rede, apesar de amparado na literatura, foi definido artificialmente pela pesquisadora, o que implica em limitações importantes para a análise (Berry et al., 2004), mas considera-se que esse tipo de recorte se faz necessário para viabilizar a operacionalização da análise. Assim, para diminuir a artificialidade do recorte, buscou-se aplicar o mesmo critério utilizado pelo trabalho seminal da área (Provan & Milward, 1995) e, ao mesmo tempo, optou-se por não desconsiderar os atores externos à rede – aqueles que não são considerados membros –, mas que possuem alguma relação de influência relevante sobre a rede – os chamados stakeholders.

Com o objetivo de identificar os atores externos foram considerados os atributos propostos por Mitchell, Agle e Wood (1997) para a definição de stakeholders. Além disso, o modelo de Mitchell et al. (1997) também permite avaliar o grau de saliência desses atores, de modo a definir quais deles devem receber maior atenção por parte do gestor da organização – ou, no caso, dos gestores da rede –, em um dado momento do tempo.

Em ambientes de rede, torna-se relevante estudar a saliência não só dos atores externos à rede, mas também de seus próprios membros. Como não se trata de analisar o ambiente externo de uma única organização, mas sim de analisar todo o contexto de uma rede de políticas públicas, utilizar-se-á o modelo de Mitchell et al. (1997) para identificar os stakeholders externos da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar e também para atribuir um grau de saliência não apenas para esses atores, mas também para todos os membros da rede.

Segundo Mitchell et al. (1997), três atributos são relevantes para identificar quem são os stakeholders de uma organização, a saber: poder, legitimidade e urgência. Os autores fazem uma extensa revisão da literatura de modo a identificar os conceitos de stakeholders existentes e observam que as diversas definições enfocam ou em aspectos de poder ou de legitimidade. Para os autores, no entanto, a relação entre poder e legitimidade é complexa e, por vezes sobreposta, de modo que o mais adequado seria analisar os dois aspectos de forma concomitante. Os autores acrescentam ainda um terceiro fator à análise, que é a urgência da demanda apresentada pelo stakeholder perante a organização.

Para Mitchell et al. (1997), a análise de stakeholders deve ser realizada com base em um modelo dinâmico, visto que a saliência dos diversos stakeholders se altera ao longo do tempo. Para os autores, a saliência está relacionada ao grau com que os gestores da organização devem priorizar as demandas de um dado stakeholder. Assim, com base na combinação desses três elementos: poder, legitimidade e urgência, Mitchell et al. (1997) propõem a classificação da saliência de stakeholders apresentada pela tabela a seguir:

Quadro 2 - Categorias de Stakeholders segundo o Modelo de Mitchell, Agle e Wood (1997)

Stakeholders Latentes

• Baixa saliência: possuem apenas um dos três atributos de saliência;

• não é necessário que os gerentes da organização concentrem sua atenção nas ações desses stakeholders. Stakeholders Dormentes ou Inativos Stakeholders Discricionários Stakeholders Demandantes

Possuem apenas poder sobre a organização.

Como não possuem relação de legitimidade com a organização nem urgência em suas demandas, não possuem razão para exercer o seu poder.

Possuem apenas

legitimidade frente à

organização.

Como não dispõem de poder, nem vêem urgência em suas demandas, não buscam se engajar em uma relação ativa.

Possuem apenas urgência em suas demandas.

Como não dispõem de poder, nem de legitimidade frente à organização, suas demandas, apesar de urgentes, não são importantes para a organização.

Stakeholders com Expectativas

• Saliência moderada: possuem dois dos três atributos de saliência;

• assumem uma postura ativa frente à organização, acompanhada de uma maior responsividade da organização frente às suas demandas;

Stakeholders Dominantes Stakeholders Dependentes Stakeholders Perigosos

Possuem poder sobre a organização e legitimidade em suas demandas.

Possuem demandas

legítimas e urgentes frente à

organização.

Possuem urgência em suas demandas e poder sobre a organização.

Geralmente já possuem algum tipo de relação formal com a organização.

Como não possuem urgência em suas demandas, podem optar por não agir de forma concreta.

Como não dispõem de poder, para exercer suas demandas, dependem de receber o apoio de outros stakeholders poderosos ou dos gestores da organização para o exercício de influência sobre a organização

Em geral precisam empregar o uso da força ou de coerção para exercitar sua influência, uma vez que suas demandas não são legitimadas pela organização ou pela sociedade.

Stakeholders Definitivos

• Alta saliência: possuem os três atributos de saliência;

• Ao possuírem poder sobre a organização e legitimidade em suas demandas já fazem parte da coalizão dominante da organização, dela recebendo atenção significativa; • Quando suas demandas se tornam urgentes, agem de forma imediata de modo a

garantir que a organização confira prioridade às suas demandas.

Fonte: elaboração própria, com base em Mitchell, Agle e Wood (1997).

Assim, o modelo de Mitchell et al. (1997) é representado pela figura esquemática abaixo:

Figura 4 - O Modelo de categorias de Stakeholders de Mitchell, Agle e Wood (1997)

Fonte: Mitchell, Agle e Wood (1997, p. 874), tradução livre.

Diante disso, cabe definir de forma adequada cada um dos atributos de saliência, conforme Mitchell et al. (1997). Iniciando pelo conceito de poder, os autores consideram que poder manifesta-se em uma relação em que um ator A consegue que outro ator B faça algo que ele não faria, se a influência de A não existisse. Já quanto ao conceito de legitimidade, consideram

que se refere a comportamentos, relações ou estruturas esperados e socialmente aceitos. E, por fim, quanto ao conceito de urgência, defendem que dois atributos são necessários: criticidade ou importância do tema para o stakeholder e o grau com que o atraso na consideração das demandas do stakeholder pela organização é considerado como inaceitável pelo stakeholder. Os autores destacam o modo como os três atributos interagem entre si de maneira a produzir resultados específicos. Nas palavras dos autores: “poder transforma-se em autoridade por meio da legitimidade e é exercido diante da urgência”, enquanto que a “legitimidade é exercida por meio do poder e é ouvida diante da urgência” (Mitchell et al., 1997, p. 869 e 870).

Por fim, ressalta-se que todos esses atributos tornam-se relevantes para a organização em função da percepção que os gestores têm sobre a sua existência ou importância (Mitchell et al., 1997). Dessa forma, no caso de redes, considera-se relevante analisar a saliência dos diversos atores, tendo como base a percepção dos gestores das organizações centrais da rede.

Diante de tudo isso, considera-se que o modelo descrito apresenta uma ferramenta útil na identificação de atores externos à rede e na classificação da importância tanto desses atores quanto dos membros da rede. Por isso, o modelo de Mitchell, Agle e Wood (1997) foi utilizado para apoiar o presente estudo sobre a rede da Política Nacional de Agricultura Familiar.

3 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

O presente capítulo está subdivido em duas subseções, a saber: a caracterização da pesquisa e as etapas cumpridas na sua execução. Complementarmente, no Apêndice 2, está descrita a forma de operacionalização de cada uma das variáveis do modelo aplicado à rede da Política Nacional de Agricultura Familiar.