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A literatura sobre redes de políticas públicas aponta para a necessidade de se avaliar a densidade e o nível de integração das relações que perpassam essas redes. Segundo a literatura, em redes

bem integradas, espera-se que os serviços oferecidos sejam construídos um sobre os outros, de forma que todo o leque de serviços necessários ao público-alvo seja disponibilizado, sem a ocorrência de sobreposições (Provan & Milward, 1991; Provan & Milward, 1995).

Ademais, a partir da análise de quão integrados estão os diversos membros de uma rede, pode- se verificar qual é o nível de importância da rede para estes atores, pois um membro que provê serviços majoritariamente para outros públicos-alvos, tende a estar ligadas à rede apenas marginalmente (Provan & Milward, 1991).

Para buscar caracterizar o nível de integração da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar, utilizou-se da seguinte estratégia: entrevistas com atores chave, análise documental de leis, decretos e do acomplanhamento da execução dos programas, além de consultas orçamentárias para identificar quais atores atuam conjuntamente nos diversos programas voltados para a agricultura familiar. Paralelamente, seguindo Provan e Milward (1991), foi enviado um questionário a representantes de membros chave da rede para que apontassem: com quais outros membros eles prestam algum tipo de serviço para a agricultura familiar e quais serviços seriam esses. Conforme já apresentado na seção 5.2, sobre ferramentas de integração, 13 gestores de diferentes órgãos do governo federal responderam a este questionário.

Assim, com base nas informações obtidas, procedeu-se então ao registro das relações envolvidas em cada um dos princiais programas públicos federais voltados à agricultura familiar. Foram identificados um total de 30 programas ou ações de relevo, cujas relações subjacentes foram documentadas nos diagramas constantes do Apêndice 14.

Esses diagramas forneceram os dados necessários para que fosse possível obter as estatísticas de posição, densidade e centralidade dos membros da rede, com o apoio do software Gephi. Com base nas informações fornecidas, o Gephi elaborou ainda as figuras a seguir que representam esquematicamente a rede da Política Nacional de Agricultura Familiar.

Na Figura 8, evidenciam-se os programas e seus principais atores. Na Figura 9, apresentam-se as relações entre os atores, com base nos diversos programas em que atuam conjuntamente e na Figura 10, são apresentadas as relações entre os programas, com base nos atores que atuam concomitantemente nesses programas.

As diferentes cores nas figuras representam a formação de conglomerados, ou seja, grupos relativamente homogêneos internamente e diferentes dos demais.

Figura 8 - Representação da Rede da Política Nacional de Agricultura Familiar (atores e programas)

A rede de programas e atores (Figura 8) apresenta densidade 0,019, a rede dos atores apresenta densidade 0,269 (Figura 9) e a rede de programas apresenta densidade 0,979 (Figura 10). Isso indica que a rede apresenta um grupo central de atores que atuam em forte parceria e de forma concomitante nos diversos programas (e por isso a alta densidade da rede de programas) e outro grupo de atores que possui atuação mais específica e dispersa (tornando menos densas as redes que apresentam a participação dos diversos atores). Conforme caracterizam Provan e Lemaire (2012), trata-se de uma rede integrada em seu centro e flexível em suas margens, o que em tese favorece a articulação e a capacidade da rede de gerar bons resultados.

As estatísticas completas referentes à rede encontram-se no Anexo 2. Aqui, algumas dessas estatísticas serão destacadas. Relativamente ao gráfico da Figura 8, que apresenta as relações entre programas e atores, destaca-se que o maior índice de “grau de entrada” foi obtido pelas ações de promoção da agroecologia, seguidas pelos programas de Projetos Públicos de Irrigação (PPI); Regularização Fundiária; PAA e Gestão de Reservas Extrativistas (RESEX), o que significa que uma maior quantidade de atores participam da operacionalização desses programas. O maior “grau de saída” foi observado nos Governos Estaduais, seguidos pela SEAD, Incra, organizações representantes da agricultura familiar e pelo MDS, significando que esses atores são os que atuam na maior quantidade de programas avaliados. Esse índice é um dos que evidencia a importância dos Governos Estaduais para a execução das políticas da rede. Já na figura 9, que apresenta as relações entre os atores, com base na quantidade de programas em que atuam conjuntamente, também estes cinco atores foram os que apresentaram os maiores índices “page ranks”. O page ranks é uma medida qualificada da importância das ligações que um dado ator possui: não apenas a quantidade de ligações é considerada, mas também as conexões mais importantes contribuem mais para o ranqueamento do ator. Essa medida retrata a quantidade de programas em comum com outros atores e também a qualidade desses programas (quantos atores participam da sua operacionalização).

Ainda na figura 9, quanto à medida de Grau dos atores, mais uma vez, a importância dos Governos Estaduais se destaca. Este foi o ator que obteve o maior grau no gráfico (Grau = 121). Isso significa que os programas nos quais os Governos Estaduais estão envolvidos possuem, no total, 121 outros atores que também participam da suas operacionalizações. Os Governos Estaduais são seguidos por organizações representantes da agricultura familiar (Grau = 114); SEAD (Grau = 107); Incra (Grau = 104) e Governos Municipais (Grau = 103). Estes também foram os atores que apresentaram os maiores graus de centralidade de proximidade (CP) e de centralidade de intermediação (CI), a saber: Governos Estaduais (CP = 0,941; CI 0,084);

organizações representantes da agricultura familiar (CP = 0,895; CI 0,067); SEAD (CP = 0,854; CI = 0,067); Incra (CP = 0,837; CI = 0,051) e Governos Municipais (CP = 0,832; CI = 0,052). Medidas de centralidade indicam os vértices mais importantes, com maior capacidade de influenciar no fluxo de recursos e informações. A alta centralidade de proximidade de um ator indica que a distância média dos seus caminhos mais curtos até alcançar todos os demais atores considerados é menor. Já a centralidade de intermediação indica a frequência com que esse ator está presente no caminho mais curto entre dois outros atores. Atores com altas centralidades de intermediação podem representar agentes relevantes para viabilizar a ligação entre conglomerados e para a ativar os vazios estruturais de uma rede (Burt, 1992).

Quanto à figura 10, que explora a relação dos programas por meio de seus atores, destaca-se que todos os programas obtiveram altos graus de integração (dos 30 programas analizados 20 apresentaram o grau máximo possível de relações nesta rede, que equivale ao número de programas menos 1 = 29). Isso significa que esses 20 programas têm ao menos um ator em comum em todos os demais programas analisados. Outra medida que se destaca no gráfico da figura 10 é a densidade de vizinhança (clustering). A vizinhança de um vértice representa o conjunto de todos os demais vértices ligados a ele. Se todos os vértices de sua vizinhança estiverem ligados entre si, este índice será igual a um. O programa de Cisternas obteve densidade de vizinhança igual a 0,994, o que significa que quase todos os programas que tem atores em comum com o programa Cisternas, tem também atores em comum entre si. Também obtiveram altos índices de densidade de vizinhança os programas Crédito de Instalação (0,993); Defesa Agropecuária (0,99); PNAE (0,986) e PROINF (0,986).

A limitação dos desenhos da rede aqui apresentados, bem como das estatísticas que os suportam, está no fato de que não foi possível obter dados que evidenciassem o nível de participação dos diversos atores nos programas públicos de forma mais aproximada do real. O que se percebeu, principalmente a partir das entrevistas e dos documentos analisados, foi que todos os órgãos com atribuições legais na execução dos programas estavam de fato presentes na rede, em alguma medida. Ou seja, não se pôde identificar nenhum ator que deveria estar atuando em algum programa e não estava de jeito nenhum.

No entanto, pôde-se perceber que o nível do alcance da atuação de cada ator varia enormemente. Assim, a CONAB, o ICM-Bio, a Embrapa e todos os demais membros da rede, exercem de fato algum papel nos programas para os quais eles possuem atribuição legal de atuar. O que ocorre, muitas das vezes, é a participação de certa forma distante de um dado ministério, ou a presença ativa de um certo ator em alguns pontos do território, acompanhada de sua virtual ausência em

outros pontos. Desse modo, os atores não estão ausentes, ou não estão sem exercer as suas atribuições, mas, muitas vezes, eles não estão tão presentes quanto seria esperado para o bom andamento dos programas.

De todo modo, mesmo que em grau aquém do desejável, não se podia afirmar a ausência completa de nenhum ator na execução dos programas. Assim, entendeu-se que não se dispunha de evidências suficientes para conseguir fazer refletir no desenho da rede o nível de atuação real de cada um dos atores envolvidos, mostrando quem é mais ou menos atuante na prática. Diante disso, optou-se por analisar a rede tal como ela se apresenta quase que de modo ideal, com base nas atribuições legais definidas para os programas, confrontadas com as atuações declaradas pelos atores por meio do questionário e das entrevistas, bem como a partir das informações do acompanhamento da execução dos programas constantes dos espelhos de monitoramento do PPA, disponíveis no SIOP.

Dessa forma, caso tenha sido obtida alguma evidência de que um dado membro de fato atua em algum programa específico, sua participação nesse programa foi considerada, mesmo para os casos em que existiam indicativos de que essa participação precisaria ser mais forte do que de fato é. Reconhece-se a limitação desta análise, porém optou-se por não atribuir intensidades à participação de nenhum ator, visto que tal atribuição seria realizada de forma altamente subjetiva, e sem embasamento suficiente nos dados disponíveis.

Para buscar obter alguma aproximação com o real nível de integração dos atores na rede, procurou-se identificar nas entrevistas realizadas qual era a percepção dos diversos atores quanto ao nível de integração existente na rede. De fato, o que se pôde perceber é que o nível de integação real da rede está bastante distante do nível de integração que a descrição das atribuições dos órgãos apresenta. Segundo o entrevistado 29: “essa articulação é muito deficiente. Toda essa parte que você falou de vigilância sanitária, de pesquisa da Embrapa e tudo mais, essas coisas existem? Existem, mas elas são extremamente débeis”.

Os entrevistados 1, 3, 8, 18, 20, 21, 24, 25, 28 e 29 apontam para iniciativas localizadas, muitas vezes dependentes do empenho pessoal de servidores específicos e que resultam na implementação dos diversos programas de forma desconectada entre si. Nas palavras do então Ministro do MDA, Pepe Vargas: “é sempre um desafio nós superarmos aquela cultura mais

compartimentalizada, aquela cultura de cada ministério cuidando do seu mister (...) Mas não é só interinstitucional no nosso plano federal. Ele também é interfederativo”73.

Ademais, os entrevistados 10, 14, 17 e 25 afirmaram que antes da extinção do MDA, havia uma atuação deste ministério no sentido de promover a articulação das diversas ações, mas que após a sua extinção, o nível de integração diminuiu ainda mais, diante do enfraquecimento do ator que tinha como responsabilidade capitanear o processo de valorização da agricultura familiar. A literatura descreve situações que parecem se encaixar bem com o panorama encontrado: para Mandel e Keast (2007), em redes com baixo nível de integração, os membros permanecem independentes entre si e interagem apenas quando necessário. As ligações entre eles são soltas e infrequentes. Segundo Peter (1998), o nível mínimo de integração é aquele no qual as organizações são conscientes das atividades umas das outras e realizam esforços honestos para não prejudicar as demais e para não duplicar esforços. Segundo o autor, apesar de isso já ser mais do que se observa em diversos casos, está longe de conseguir dar conta dos problemas que o setor público enfrenta.

Diante de tudo isso, conclui-se que o desenho formatado para a rede, por meio das normas que definem as atribuições dos atores, prevê um arcabouço denso no centro e com flexibilidade nas margens. No entanto, na prática, mesmo esse núcleo duro possui atores com níveis variáveis de dedicação à rede: tanto quando se analisa ações de definição de diretrizes por parte de órgãos centrais, quanto quando se analisa a atuação dos diversos atores na ponta.

Acredita-se que isso ocorra em grande medida pelo fato de que os diversos membros da rede possuem em sua esfera de atuação uma míriade de outros temas que não são ligados à agricultura familiar. Assim, diante da escassez de recursos, seja financeiro, seja de pessoal, em algumas vezes o tema da agricultura familiar será priorizado e em outras não. Confome Provan e Milward (1991) já destacaram: uma agencia que provê majoritariamente serviços para outros públicos-alvos, tende a estar ligadas à rede apenas marginalmente. Assim, sugere-se que o excesso de atribuições legais frente às capacidades dos órgãos contribui para o distanciamento de diversos membros observados na rede, dificultando também a sua atuação efetiva em todos os demais temas sob sua responsabilidade.

Diante disso, apresenta-se o quadro a seguir com as principais informações coletadas na análise acerca da densidade e nível de integração da rede da Política Nacional de Agricultura Familiar.

Quadro 13 - Quadro-resumo - Densidade ou Nível de Integração Principais Estatísticas da Rede

Rede de Atores e Programas (Figura 8)

Programas com Maiores Graus de Entrada Atores com Maiores Graus de Saída (maior quantidade de atores participam da

operacionalização desses programas)

(atores que atuam na maior quantidade de programas)

Projetos Públicos de Irrigação (PPI); Regularização Fundiária;

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); Gestão de Reservas Extrativistas (RESEX).

Governos Estaduais; SEAD;

Incra;

Organizações representantes da AF; MDS.

Rede de Atores (Figura 9) Atores com maiores

Page ranks

Atores com Maiores Graus

Atores com maiores Medidas de Centralidade

(medida qualificada da importância das ligações que um dado

ator possui)

(altos graus indicam grande quantidade de

atores participantes dos programas nos quais um dado ator

participa) Centralidade de Proximidade Centralidade de Intermediação (Menor distância até todos os demais atores) (Presença no caminho mais curto entre outros atores) Governos Estaduais; SEAD; Incra; Organizações representantes da AF; MDS. Governos Estaduais; Organizações representantes da AF; SEAD; Incra; Governos Municipais. Governos Estaduais; Organizações rep. da AF; SEAD; Incra; Governos Municipais. 0,941 0,895 0,854 0,837 0,832 0,084 0,067 0,067 0,051 0,052

Rede de Programas (Figura 10)

Programas com Maiores Densidade de Vizinhança (grau de integração dos programas presentes na vizinhança de um

dado programa, em termos de atores em comum) Cisternas (0,994) Crédito de Instalação (0,993) Defesa Agropecuária (0,99) PNAE (0,986) PROINF (0,986)

Densidade das Representações da Rede Rede de Atores e Programas

(Figura 8)

Rede de Atores (Figura 9) Rede de Programas (Figura 10)

0,019 0,269 0,979

Esses números indicam que existe um grupo central de atores que atuam em forte parceria e de forma concomitante nos diversos programas (e por isso a alta densidade da rede de

programas) e outro grupo de atores que possui atuação mais específica e dispersa (tornando menos densas as redes que apresentam a participação dos diversos atores).

Limitações da Análise

Nesta análise optou-se por não atribuir intensidades à participação dos atores, visto que tal atribuição seria realizada de forma altamente subjetiva, e sem embasamento suficiente nos dados disponíveis; Caso tenha sido obtida evidência de que um membro atua em um programa, essa participação foi considerada, mesmo quando existiam indicativos de que essa participação precisaria ser mais forte. Pôde-se concluir que o desenho formatado para a rede, por meio das normas que definem as atribuições dos atores, prevê um arcabouço denso no centro e com flexibilidade nas margens. No entanto, na prática, mesmo esse núcleo duro possui atores com níveis variáveis de dedicação à rede.

Fonte: elaboração própria.

De todo modo, a análise aqui realizada precisa ser complementada pela seção a seguir. Isso porque, conforme a literatura, não necessariamente é desejável que todas as organizações estejam integradas em uma densa rede de relações. Em determinados casos, é preferível ter uma rede de relações seletivas e gerenciar os vazios estruturais da rede, de modo a que os participantes sejam adequadamente aproximados entre si apenas quando for necessário (Burt, 1992; Provan & Kenis, 2007). Sendo assim, torna-se relevante a análise do último componente estrutural do modelo: o modo de governança da rede.