• Nenhum resultado encontrado

5 TERRA FIRME 111 : QUATRO REGIÕES, UM TERRITÓRIO CAMPONÊS E A FORMAÇÃO DE UM CONFLITO AMBIENTAL ENTRE A AGRICULTURA

5.2 Caracterização de Apod

Situado na mesorregião oeste do Estado do Rio Grande do Norte e na microrregião da Chapada do Apodi, o município de Apodi faz fronteira com o Estado do Ceará e com os municípios de Governador Dix-Sept Rosado, Felipe Guerra, Umarizal, Severiano Melo e Caraúbas (SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL - CPRM, 2005) (Figura 34). Apresentando uma área territorial de 1.602,480 quilômetros quadrados (IBGE, 2015a, on- line), integra, ainda, o semiárido brasileiro (MI, 2005, on-line).

Figura 34 - Mapa com a delimitação do município de Apodi.

Fonte: IBGE (2015b, on-line).

Segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010, Apodi tem uma população de

34.763 habitantes113 e uma densidade demográfica de 21,69 habitantes por km², contando

com 17.531 pessoas residentes na zona urbana e 17.232, na zona rural (IBGE, 2010, on- line).

O município está totalmente inserido na bacia hidrográfica Apodi-Mossoró, que apresenta uma fluviometria de caráter intermitente, com grandes picos de cheias nos períodos chuvosos e importantes reservas superficiais e subterrâneas (SANTANA JÚNIOR, 2010).

Entre as primeiras, pode-se citar o Rio Apodi, a Barragem de Santa Cruz e a Lagoa do Apodi (SANTANA JÚNIOR, 2010) (Figura 35). Quanto às últimas, destacam-se o arenito da Formação Açu - aquífero interior confinado que atinge uma área total de cerca de 22.000 quilômetros quadrados - e o calcário da Formação Jandaíra - aquífero livre

superior que ocorre em uma área total de 17.756 quilômetros quadrados (MARCON;

MARTINS; STEIN, 2014) (Figura 36).

Figura 35 - Mapa-Síntese da hidrografia do município de Apodi.

Figura 36 - Mapa-Síntese da geologia do município de Apodi.

Fonte: CPRM, 2007 (apud SANTANA JÚNIOR, 2010, p. 79).

Com base na observação da hidrografia e da geologia que caracterizam Apodi, historicamente, as comunidades camponesas dividem o município em quatro regiões: Chapada, Areia, Vale e Pedra (Figura 37), conforme sintetiza Aroeira (2016):

O Sindicato, as comunidades se divide[m] em quatro região que eles chamam. [...]. Uma região da Pedra, que é aquela região onde tem um solo mais pedregulho, [...] onde foi construída a Barragem de Santa Cruz; tem a região da Areia, que é uma região que tem [solo] [...] mais arenoso, né, a região do Córrego, da Barra (...). Tem a região da Chapada do Apodi, a região mais conhecida nossa, que fica em cima da Chapada, que é uma região de solos fertéis, solo[s] bastante planos, que é onde tá sendo atraído as grandes empresas do agronegócio e onde também está os assentamentos. É muito característica a região do Vale do Apodi porque são pequenas propriedades que durante todo o ano produzem através da irrigação, tanto a partir de água tirada direto do rio (...) (sobretudo depois da construção da Barragem, que perenizou o rio) como água de cacimbão, de poços amazonas que todas as comunidade geralmente têm. [...] Tem uma produção muito grande de frutas.

Figura 37 - Mapa de Apodi com a delimitação de suas quatro regiões.

Fonte: Google Earth (adaptado por Agnaldo Fernandes). Imagem cedida à pesquisa.

Com base no relato de Aroeira (2016), importa destacar que a Região da Chapada,

localizada ao norte do município, “é uma grande superfície cárstica, onde predominam os

cambissolos e os latossolos eutróficos, ambos bem drenados e de alta fertilidade natural”

(VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002, p. 18). Com altitude que varia de 20 a 120

metros (VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002), caracteriza-se como uma “formação

predominantemente plana ou suave ondulada” (SANTANA JÚNIOR, 2010, p. 77). Nela, verifica-se a exploração de petróleo e gás natural através do Campo de Riacho da Forquilha, operado pela Petrobras desde 1989 (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP, 2013) (Figura 38).

Figura 38 - Imagem da Sub-Estação Riacho da Forquilha (Região da Chapada - Apodi).

Na Chapada, observa-se, também, a extração de mármore, bauxita e calcário (BEZERRA; BAUMANN; 2006), sendo este último explorado, principalmente, na

Comunidade de Soledade (distrito de Apodi). Essa comunidade é “povoada por população

negra” e “reconhecidamente tradicional” (MDA, 2011, p.13) e recebe, de forma direta (como expressão da injustiça ambiental), diversos impactos produzidos pela atividade caieira (Figura 39) realizada por quinze empresas (GURGEL; PINTO FILHO, 2012). Entre tais impactos, ressalta-se a poluição; a extração da vegetação nativa e a precarização das condições de trabalho (GURGEL; PINTO FILHO, 2012).

Figura 39 - Forno de atividade caieira na Comunidade de Soledade (região da Chapada - Apodi).

Fonte: acervo da pesquisa.

É na mesma comunidade tradicional afetada pela acentuada produção de cal que se encontra, ainda, o Lajedo de Soledade, sítio arqueológico e paleontológico de aproximadamente 3 km² (Figura 40). Nele, destacam-se, entre os vestígios arqueológicos, fragmentos cerâmicos, material lítico da fase da pedra polida e registros rupestres, estes últimos marcados pela abundância e pela variedade (PORPINO; SANTOS JÚNIOR;

SANTOS, 2007). Já entre os vestígios paleontológicos, incluem-se “restos de vertebrados

quaternários, principalmente mamíferos”, e “fósseis relacionados à fauna marinha típica da Formação Jandaíra” (PORPINO; SANTOS JÚNIOR; SANTOS, 2007, p.403).

Figura 40 - Pinturas rupestres verificadas no Lajedo de Soledade (Comunidade de Soledade - Região da Chapada - Apodi).

Fonte: Porpino, Santos Júnior e Santos (2007, p.408).

Na Chapada, registra-se, também, a presença dos assentamentos de reforma agrária localizados em Apodi e conquistados, especialmente, nas décadas de 1980 e 1990, a partir da atuação da CPT e do STTRA. Nesses assentamentos, enfrenta-se uma histórica dificuldade de acesso à água para consumo humano, dessedentação animal e produção agrícola, três aspectos que são apresentados de maneira indissociável nas falas dos(as) moradores(as) da região:

Nós temos dificuldade com água. Lá hoje nós temos só um poço. [...] Essa água não é pra consumo humano porque ela não é boa, ela é salobra. Mas temos um poço que é de um assentamento vizinho, que vem pra o consumo humano.

Macambira (camponesa da região da Chapada e membro do STTRA), 27 de

janeiro de 2016.

Em 2005, a gente teve [...] aquele mesmo projeto do PDS [Projeto de Desenvolvimento Sustentável], que teve 700 metro de adutora, com a caixa elevada pra distribuição d’água nas moradia, né? A gente tem esse benefício em casa, só que a gente sofre muito com a questão dos lote. Pra que a gente coloque um animal no lote, a gente tem que carregar aquela água em carroça ou pagar pra que um carro ou trator mesmo lev[e] essa água pra lá, pra gente dar aos animais, que a gente tem lutado muito pra ver se consegue um poço lá, pra que sirva todos, né, pros 45 [assentados] e, até agora, ainda não deu certo, mas é aquela questão. A gente vai ter que lutar, se juntar e batalhar pra ver se um dia a gente tem essa água nos lote que sirva pra os animais e sirva pra que a gente possa fazer um certo plantio de alguma coisa pra abastecer, pra alimentar aqueles animais, né? Pau-Brasil (camponês da região da Chapada), 10 de março de 2016.

Essa dificuldade de acesso ocorre em razão dos altos custos vinculados à perfuração de poços profundos e à instalação das infraestruturas necessárias ao transporte da água até os lotes dos(as) agricultores(as), inserindo-se, portanto, nas condições políticas da reforma agrária no Brasil.

Apesar desse aspecto, importa destacar que os assentamentos têm formulado uma série de experiências de convivência com o semiárido que modificaram relações sociais, ambientais, políticas e culturais estabelecidas anteriormente na região, conforme ressalta Aroeira (2016):

Na Chapada do Apodi, onde tem uma atuação da CPT, que foi a luta pela reforma agrária, sempre teve dificuldade de água lá porque [...] é necessário perfuração de poços profundos. Poços com uma profundidade pequena a qualidade da água não é boa, às vezes, serve só pra utilização de animal, [...] mas é uma região que tem uma produção muito interessante de convivência com o semiárido, né, a partir dessas técnicas de convivência com o semiárido, como a caprinocultura, a apicultura, da prática do manejo sustentável da caatinga. [...] As famílias, sobretudo, dos assentamentos, desenvolveram, a partir dessas tecnologias - discutido, né, debatido em torno das políticas da ASA - um processo produtivo bastante interessante [...], mesmo levando em conta essa dificuldade que se tem de água lá. Aroeira (CPT), 27 de janeiro de 2016.

De fato, no caso da região potiguar da Chapada do Apodi, as experiências políticas e organizativas dos(as) camponeses(as) permitiram que parte dos latifúndios e dos monocultivos de algodão que estavam instalados no território fossem substituídos pelo acesso à terra e pela possibilidade de construção de estratégias de convivência com o semiárido.

Em decorrência dessas experiências, os assentamentos da Chapada expressam grande diversidade de culturas agrícolas (Figura 41); práticas de caprino, ovino, suíno, avino e bovinocultura; plantio de algodão em consórcio agroecológico; manejo da caatinga; produção de mel e polpas de frutas; grupos de jovens, mulheres e guardiões de sementes; utilização de tecnologias de convivência com o semiárido (como cisternas de placa, cisternas-calçadão e projetos de bioágua familiar); vínculos com a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária e presença de uma enorme quantidade de plantas

nativas, utilizadas como banco de proteínas nos lotes114 (Diário de Campo, 20 e 23 de

julho de 2015).

114São exemplos dessas plantas a aroeira, a leucena, o lírio-branco (também conhecido como “moringa”),

o marmeleiro, o sabiá, o pau-branco, o angico, a jurema branca e a jurema preta. Todas elas foram registradas durante as oficinas de cartografia social (Diário de Campo, 20 e 23 de julho de 2015).

Figura 41 - Quintal produtivo no Assentamento Milagres (Região da Chapada - Apodi).

Foto: Emanuelle Rocha dos Santos. Imagem cedida à pesquisa.

É na região da Chapada, também, que se expressam, de forma mais incisiva, os sujeitos que têm fomentado o conflito ambiental relativo à disputa pela água em Apodi. Entre esses sujeitos, destacam-se o Estado, através da instalação do Perímetro Irrigado de Santa Cruz (Figuras 42-43) e as empresas do agronegócio (Figura 44) (Diário de Campo, 27 de junho e 20 de julho de 2015).

Figura 42 - Obras destinadas à construção de um dos canais do Perímetro Irrigado de Santa Cruz.

Foto: Emanuelle Rocha dos Santos. Imagem cedida à pesquisa.

Figura 43 - Obras destinadas à construção da estação de bombeamento do Perímetro Irrigado de Santa Cruz.

Figura 44 - Parte da área desmatada para o início da atuação da Agrícola Famosa Limitada, uma das empresas de agronegócio recentamente instaladas em Apodi.

Fonte: acervo da pesquisa. Data: junho de 2015.

A Região da Pedra, por sua vez, está situada ao sul de Apodi; é coberta por pedras seixas, lajedos e serrotes e tem o marmeleiro, a jurema e o catingueiro como parte de sua vegetação típica (PACHECO; BAUMANN, 2006).

Durante a pesquisa, Santos (2016) e eu percebemos que ela se caracteriza pela presença de propriedades com maior extensão porque, devido às condições climáticas e à estratégia de consorciar agricultura de sequeiro e criação de animais, as famílias que lá residem precisam de uma área mais abrangente para a prática da pecuária extensiva (Figura 45). Isso, por sua vez, foi confirmado durante a entrevista de Pinheiro (2016):

As principais atividades, quando tem água, quando chove, é a cultura de milho, feijão e alguns planta sorgo. Nem todos, são poucos que plantam. A gente trabalhava também com algodão, mas aí, devido à praga do bicudo que, infelizmente, acabou. Agora só feijão e milho. E quando o açude enche, quando enchia na época, aí tem as vazante, tem batata, tem milho, tem feijão, mas infelizmente tá com uns cinco anos que ele não enche... Criações é mais criação de bode, caprinos e bovinos. [...] A maioria aqui antes eles sobreviviam do criar. [...] É muito bom pra criar e quando era assim [na época] dos meus avós (...) era tudo aí um campo grande... [...] Então, sobreviviam do criar.

Figura 45 - Criação de bovinos na Comunidade de Santa Cruz (Região da Pedra - Apodi).

Fonte: acervo da pesquisa.

Das quatro regiões camponesas de Apodi, a Pedra é a que vivencia a maior dificuldade de acesso à água. Ao evidenciar por que as comunidades permanecem no território, Pinheiro (2016) realiza um resgate histórico que demonstra como as relações construídas entre os(as) camponeses(as) e essa dificuldade de acesso estruturaram um paradigma de convivência com o semiárido que propicia um profundo vínculo territorial:

A maioria são proprietários e, apesar da dificuldade do setor, de ser tudo distante da Pedra, muito quente, mas é um setor bom. A gente gosta, né? Nasceu e se criamos aqui e a gente convive aqui, vai vivendo. Hoje é bem melhor. Vocês imagine que, antes, quando eu era... pequeno, a gente carregava água lá... distante, lá [...] da onde a gente chama “baixio”. [...] Era uma cacimba, assim, nos mato. A gente cavava, trazia na cabeça. A gente tinha que aprender a conviver com aquilo e trazer um caminho d’água e você chegar em casa e [d]esperdiçar, pra você voltar de novo e trazer no próprio ombro, né? [Riso] Depois apareceu jumento. A gente comprava as ancoreta e trazia no jumento. Não tinha fé! Era quatro lata d’água: duas dum [de um] lado, duas de outro, no jumento. Haja... [esforço]! E a gente só podia trazer duas ou um pote na cabeça, né? Aí depois do jumento a gente já fez a roladeira com sete lado. Ai, aí que era bom! Era sete de uma vez. A gente puxava, subia um lado, só faltava quebrar a veia das perna, subindo assim! [Risos] Aí depois apareceu a energia. A gente ligou, pronto, tem água encanada hoje, quando tem água lá no cacimbão. A gente cavou o cacimbão... Também foi uma ação da Visão Mundial, na época que atuou por aqui, por um período, e cavou muitos cacimbões. Quase todas as famílias que tem cavou. A gente tinha essa água. Já melhorou, da cacimba pro cacimbão e hoje já tem o poço, já tem energia, já é encanada... Na hora que quer água, liga o motor e vem. Quer dizer: a gente não vai [d]esperdiçar que a gente sabe quê que custa, mas agora a gente já vai usar com mais franqueza a água do que naquela época, né? Pinheiro (camponês da região da Pedra), 29 de janeiro de 2016.

Atualmente, esse paradigma continua sendo reescrito pela existência de diversas tecnologias de armazenamento da água que foram verificadas durante as oficinas de cartografia social (Figuras 46-50) e a partir de relações comunitárias fundamentadas na divisão da água entre as famílias:

Esse final de ano secou tudo: poço, cacimbão que tinha, foi a maior agonia pra gente e pros animais porque a gente não podia tirar a água que vem de Apodi (pra beber) pra dar aos animais. Assim também não dava conta. A sorte é esse poço que tinha aí, que foi a salvação. A demanda era muito grande. (...) Era aqui a fila de carroça, atrás uma da outra, esperando... [...] Eu que presto atenção, né? [Riso da entrevistadora]. Já ajeitei a cerca, botaram só essas estacas. Já estaquei todinha, com o portão, com tudo, se quebra um cano, uma coisa, sou eu que cuido. [...] O portão é aberto, nunca botei o cadeado. Só peço e recomendo pra tentar não destruir, né, as torneiras, as coisa assim, mas,

Ave Maria! Enquanto tiver um pingo, é dividido com todos! Pinheiro

(camponês da região da Pedra), 29 de janeiro de 2016.

Figura 46 - Barreiro trincheira localizado na Comunidade de Arção (Região da Pedra - Apodi).

Figura 47 - Cisterna-calçadão localizada na Comunidade de Arção (Região da Pedra - Apodi).

Fonte: acervo da pesquisa.

Figura 48 - Barragem subterrânea localizada na Comunidade de Arção (Região da Pedra - Apodi).

Figura 49 - Cacimbão localizado na Comunidade de Arção (Região da Pedra - Apodi).

Fonte: acervo da pesquisa.

Figura 50 - Cisterna de placa localizada na Comunidade de Arção (Região da Pedra - Apodi).

Fonte: acervo da pesquisa.

Na Pedra, também está localizada a Barragem de Santa Cruz, o segundo maior reservatório do Estado do Rio Grande do Norte (Figura 51). Com 3.413,36 hectares e capacidade máxima de 599.712.000,00 de metros cúbicos (SEMARH, 2016, on-line), a

obra começou a ser construída em 1999 e foi inaugurada em 2002 (LIMA, 2007), representando uma grande expectativa para as comunidades da região.

Figura 51 - Imagens da Barragem de Santa Cruz do Apodi, uma das infraestruturas que caracteriza a região da Pedra.

Fotos: Otávio Landim. Imagens cedidas à pesquisa.

Com efeito, os(as) camponeses(as) da região acreditavam que, a partir da construção do reservatório, teriam acesso à água por meio de uma adutora. Todavia, até hoje, não tiveram esse direito efetivado:

Ah, a expectativa da gente era muito porque é de muitos anos, né, aquele sonho da Barragem e que, quando a Barragem fosse construída, a gente ia ter água assim em abundância, não ia mais ter esse problema, né? O pensamento era que fosse construída a adutora..., mas, infelizmente, até agora, esse sonho não foi concretizado. Pinheiro (camponês da região da Pedra), 29 de janeiro de 2016.

Assim, enquanto a Barragem de Santa Cruz foi publicizada como o empreendimento responsável por irrigar 9.236 hectares na Chapada; controlar cheias e regular a vazão do Rio Apodi; servir de anteparo às águas da transposição do Rio São Francisco para a Bacia do Apodi-Mossoró; garantir o abastecimento de mais de 100 mil habitantes e beneficiar 27 cidades do Alto Oeste potiguar (PACHECO; BAUMAN, 2006), as comunidades camponesas da Pedra (algumas localizadas a uma distância de oito quilômetros do reservatório), recebem água a partir de carros-pipa trazidos pelo Exército:

É o Exército que abastece através de carros-pipa. [...] Eram dez [...] carro-pipa que a gente recebia [na Comunidade de Arção], aí depois diminuiu pra oito,

depois diminuiu pra sete, eu digo: “vão acabar”. Aí eu reclamando, todo mês reclamando com o pessoal do Exército, pedindo. [Eles disseram]: “não, porque é baseaado no número de famílias, é quatro litro d’água por família ao dia... Eu disse: “vocês têm que ver que vocês tão dentro dum [de um] escritório, entre quatro parede, com ar-condicionado. É diferente completamente da vida que a gente vive aqui. Essa água aqui, além de tá na cisterna qua e gente tira pro consumo, ela evapora uma parte, pela quintura [quentura], a temperatura, né? Como é que vai dar quatro litro por pessoa? Como é que cês se sentiriam se tivesse numa situação dessa que num pudesse tomar nem um banho por dia?” Sei que eu tentei muito. Aí foi, tá com dois meses que acrescentaram duas pipa. Agora tá sendo nove pipa. Pinheiro (camponês da região da Pedra), 29 de janeiro de 2016.

Diferente da Pedra, a Região do Vale ou da Várzea (situada a leste do município) é constituída por uma planície formada de aluviões e tem a carnaúba (Figura 52) e a oiticica como espécies típicas (PACHECO; BAUMANN, 2006). Suas principais fontes hídricas são o Rio e a Lagoa do Apodi (SANTANA JÚNIOR, 2010).

Figura 52 - Carnaubais, uma das paisagens mais representativas da região do Vale do Apodi.

Foto: Lígia Alves Viana. Imagem cedida à pesquisa.

Por apresentar terrenos baixos e planos, com solos ricos em nutrientes e elevada fertilidade (SANTANA JÚNIOR, 2010), caracteriza-se pela produção de arroz vermelho (Figura 53), banana, batata, macaxeira, feijão, milho, coco, acerola e hortaliças (Figura 54). Também conta com a criação de peixes, galinhas, perus, patos, cabras, ovelhas, bois e porcos; a produção de queijo, ovos, leite e mel e a confecção de artesanatos provenientes da palha de carnaúba (Figura 55) (Diário de Campo, 23 de julho de 2015). Toda essa

diversidade, por sua vez, garante a intensa presença dos produtos da região na Feira da Agricultura Familiar que ocorre todos os sábados no Centro de Apodi.

Figura 53 - Arroz vermelho produzido no Vale do Apodi.

Foto: Emanuelle Rocha dos Santos. Imagem cedida à pesquisa.

Figura 54 - Produção de hortaliças na Comunidade de Santa Rosa (Região do Vale do Apodi).

Figura 55 - Artesanatos produzidos pelo Grupo de Mulheres “Talos e Tramas”, da Comunidade de Baixa Fechada (Região do Vale do Apodi).

Fonte:acervo da pesquisa

No Vale, é expressiva, ainda, a presença de minifúndios, que variam entre quatro e quinze hectares, razão pela qual ele também é conhecido como uma região de “reforma

agrária natural” (AROEIRA, 2016; BAMBURRAL, 2016). Em tais minifúndios, embora

ainda se constatem os sistemas de meação ou terça - nos quais os(as) camponeses(as) entregam metade ou um terço do que produzem ao proprietário da terra -, predominam as relações de partilha dos meios de produção:

Infelizmente, vai existir alguns casos, mas poucos casos, de que existe o sistema de meação, que ele é muito perverso, ou terça e tal, por exemplo: o cara produz três sacos de feijão, um é dele e dois é do proprietário, [...] mas o que mais caracteriza é a questão de, se você é amigo, se você é parente, você disponibilizar um pedaço de terra pra pessoa, junto com você, que não tem a terra, desenvolver suas atividades, tá entendendo? Primeira coisa que faz é oferecer. Aqui, ói [olhe], agora, nesse período de chuva, Dona Rita tem essa terrinha aqui e mandou cortar e os meninos, duas pessoas, já plantaram aí porque Rita e Zé já são aposentado, não tem condições de cultivar a terra e os meninos lá têm um pouco mais de disponibilidade [e] vão cultivar. Bamburral (camponês da região do Vale e membro do STTRA), 27 de janeiro de 2016.

Em paralelo, cumpre pontuar que a região enfrenta, atualmente, a chegada de empresas de carcinicultura e os consequentes impactos ambientais advindos com a realização dessa atividade, como a poluição das águas. Durante a realização das oficinas de cartografia social, por exemplo, moradores(as) destacaram que, a partir da chegada das fazendas de camarão, a pecuária extensiva das comunidades próximas aos viveiros tem sido prejudicada, pois os(as) camponeses(as) e os animais não podem mais acessar os espaços que, antes, conformavam seu território (Diário de Campo, outubro de 2016).

Ao lado de Chapada, Pedra e Vale, a Areia também representa uma região camponesa de Apodi. Situada a oeste do município, apresenta extensos tabuleiros arenosos; conta com uma vegetação rala, utilizada para pastagem de animais, e possui