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AGRICULTURA E O AGRONEGÓCIO 156 5.1 Território e Conflito Ambiental

6 AS FLORES DESENHANDO A LUTA PELA ÁGUA 230 1 Projetos coletivos de defesa da água

2.4 Pesquisa Participante

Os elementos apresentados no tópico anterior foram descritos para que o(a) leitor(a) deste trabalho compreendesse os caminhos da construção do problema de estudo e percebesse os desafios da Pedagogia do Território (RIGOTTO; ROCHA; 2014) na tentativa de se desenhar uma ciência descolonial. Do mesmo modo, buscaram incentivar uma reflexão sobre a importância de aprofundar essa Pedagogia no sentido de que os conhecimentos sejam, de fato, bens comuns que estimulem a libertação de cada um(a) de nós - e de nós todos(as) -, em um processo recíproco que envolve responsabilidade,

humildade e desapego e que, necessariamente, precisa ser alimentado no cotidiano das relações.

Aqueles elementos também foram apresentados para justificar o método e os procedimentos metodológicos que fundamentam o trabalho, pois, quando se afirma que esta investigação representa uma pesquisa participante, deseja-se ressaltar que ela é assim caracterizada porque se volta às necessidades das comunidades camponesas de Apodi e

leva em conta “suas aspirações e suas potencialidades de conhecer e agir” (HUYNH apud

BORDA, 2006, p. 43).

A partir desse pressuposto, pontua-se que, de acordo com Borda (2006), a metodologia da pesquisa participante apresenta seis princípios: 1) a autenticidade e o compromisso; 2) o antidogmatismo; 3) a restituição sistemática; 4) o ritmo e o equilíbrio da ação-reflexão; 5) a ciência modesta e as técnicas dialogais e 6) o feedback para os(as) intelectuais orgânicos(as).

Segundo aquele autor, a autenticidade e o compromisso se referem à contribuição específica que o(a) pesquisador(a) pode oferecer a partir de sua formação (BORDA, 2006). O antidogmatismo, por sua vez, vincula-se à adoção de posturas não-rígidas e à construção de conhecimentos necessários para que as comunidades possam “entender melhor seus problemas e agir em defesa de seus interesses” (BORDA, 2006, p. 50).

Já a restituição sistemática se relaciona à necessidade de restituir materiais históricos e outros dados importantes à análise de forma adequada e adaptada aos sujeitos com quem o estudo foi realizado, na perspectiva de que eles sejam os primeiros a conhecer o resultado da pesquisa. Exige, também, que os resultados sejam apresentados aos “núcleos de liderança” de uma forma mais descritiva e téorica, a partir da consideração dos contextos nacional e regional (BORDA, 2006, p. 52).

Esses aspectos, por sua vez, trazem os desafios da simplicidade de comunicação (com a expressão dos resultados da pesquisa por meio de uma linguagem acessível); da auto-investigação e do controle (com um estudo que esteja em consonância com as prioridades dos movimentos sociais e das lutas do povo) e da popularização técnica - com uma contribuição que permita que os sujeitos realizem sua própria investigação e não criem uma relação de dependência com o(a) pesquisador(a) (BORDA, 2006).

Borda (2006) assinala, ainda, a necessidade de um retorno dialético aos(às) intelectuais compromissados(as) com a luta popular, lembrando que, entre esses(as), estão camponeses(as), trabalhadores(as) e indígenas e não apenas grupos formados por acadêmicos(as). Sintetiza, em tal perspectiva, que esse feedback promove uma articulação

teórica do particular para o geral e do regional para o nacional, aprofundando as análises científicas subsequentes (BORDA, 2006).

Diante disso, enfatiza que uma das principais responsabilidades do(a) pesquisador(a) é a de articular o conhecimento concreto com o geral, o que envolve uma “sincronização permanente de reflexão e ação no trabalho de campo” (BORDA, 2006, p. 55). Exemplifica tal exigência, por seu turno, com a ideia de que o conhecimento se move como uma espiral contínua em que o(a) pesquisador(a) vai das tarefas mais simples às mais complexas e do conhecido ao desconhecido, em contato permanente com os sujeitos com quem atua (BORDA, 2006).

Assim, reitera que a metodologia da pesquisa participante segue a construção de uma ciência modesta e promove técnicas dialogais, no sentido de utilizar os recursos disponíveis no local e romper com a assimetria das relações sociais geralmente impostas entre pesquisadores(as) e demais sujeitos (BORDA, 2006).

Neste trabalho, verifica-se a busca e a tentativa de articulação desses princípios desde a construção do problema de estudo, pois, como se argumentou nos tópicos anteriores, ele se desvinculou da perspectiva inicial a partir dos elementos fornecidos e tensionados pelas comunidades de Apodi e pelas entidades que com elas atuam na reivindicação por direitos.

Desse modo, houve uma postura antidogmática no (re)desenho do novo problema de pesquisa porque ele passou a se fundamentar na demanda de construção de conhecimento que aqueles sujeitos me apresentaram a partir de seus questionamentos em relação à estrutura dos perímetros irrigados e do agronegócio, que não comportam os princípios da agricultura familiar camponesa.

Essa postura, por sua vez, pôde ser percebida, também, ao longo da realização da pesquisa de campo, pois as análises que os(as) camponeses(as) fizeram em cada fase desse processo determinaram o ritmo e o equilíbrio da minha ação-reflexão direcionando os novos lugares para onde o meu olhar teórico precisou caminhar a fim de construir um conhecimento que, de fato, dialogasse com as demandas que eles(as) me apresentavam, como ocorreu, por exemplo, com o debate das outorgas.

Observa-se a busca por autenticidade e compromisso, por seu turno, porque este trabalho analisa as expressões de um conflito ambiental que envolve o direito à água colocando em contraste com essas expressões elementos do campo jurídico-político e propostas das comunidades de Apodi para seu território.

É possível perceber essa característica, ainda, quando se verifica a tentativa de articulação de parceiros(as) que o Núcleo Tramas buscou costurar durante a realização do campo, especialmente por meio dos diálogos propostos com o Labocart, o Viès, a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte e a Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Já o compromisso com a restituição sistemática pode ser vislumbrado porque, ao longo de todo o processo de investigação, as análises da pesquisa foram compartilhadas com as comunidades. Isso ocorreu, por exemplo, por meio das oficinas de revalidação e de restituição; das apresentações ao Fórum da Agricultura Familiar; da participação na audiência pública de 18 de novembro de 2015 e da própria confecção da defesa técnica dos(as) agricultores(as) autuados(as) pelo IGARN.

Ressalta-se, ainda, que também se pretende respeitar o princípio da ciência modesta e da promoção de técnicas dialogais através da construção de novas formas de apresentação dos resultados finais da pesquisa, o que necessariamente precisará ser feito com as comunidades e os movimentos que atuam com elas. Isso foi reivindicado, inclusive, pelos próprios sujeitos durante a pesquisa de campo:

Talvez a sugestão, crítica, como possa ser compreendida, acho que [é] justamente como (...) isso vai voltar pra comunidade, tá entendendo? Como as pesquisas voltam pra comunidade numa linguagem mais comunicativa ou numa linguagem mais popular (...) e, assim, é uma dificuldade. É muito fácil botar o pepino [colocar o problema] pros outros [risos], mas acho que, junto, nós podia pensar numa forma de comunicar melhor, por exemplo, saiu o trabalho de Renata, o de Manu: “olha, pessoal” e a gente começar a debater o que esse trabalho apontou e tal, mas numa forma que eles compreendesse, que tivesse uma linguagem mais comunicativa (...). Não é só apresentar. Por exemplo, a Andrezza foi a primeira pesquisa a ser feita. O primeiro esforço e tal... Foi bastente positivo. Ela voltou no Fórum [da Agricultura Familiar] e apresentou aos presidentes de associações. Assim, houve todo o envolvimento e a vontade da pesquisadora de comunicar de volta com a comunidade, mas eu acho que tem que ter uma linguagem mais... mais acessível, né, pra todo mundo - lá da comunidade estudada e não só da comunidade estudada, mas do território todo. Bamburral (camponês da região do Vale e membro do STTRA), 27 de janeiro de 2016.

A partir de conversas entre Santos (2016) e o professor Jeovah Meirelles (UFC) e de diálogos realizados no âmbito do Núcleo Tramas, do Sindicato e da CPT, havia a

proposta de que esse “processo de construção e apresentação comunicativa dos

resultados” fosse realizado antes da defesa da dissertação, entre outros aspectos, por meio da confecção de fascículos semelhantes aos publicizados pelo Projeto Nova Cartografia

Social da Amazônia (PNCSA)39. Todavia, pelo tempo destinado à pesquisa de campo e à escrita do texto final, acredita-se que a concretização disso só será possível após a defesa.

Junto aos fascículos inspirados pelo PNCSA, também se pretende formular infográficos que evidenciem, de forma mais direta e dinâmica, informações importantes sobre a produção camponesa, o acesso à água, as formas de organização e os projetos do território. Paralelamente, objetiva-se que eles contrastem essas informações com as violações trazidas pelo Perímetro Irrigado de Santa Cruz, pelas empresas do agronegócio e pelos procedimentos adotados pelo Estado.

Santos (2016) e eu temos a ideia, ainda, de que tais infográficos dialoguem com aspectos mais gerais, como a Política Nacional de Irrigação e as políticas públicas destinadas ao agronegócio e à agricultura familiar no Brasil, mas não sabemos em que medida isso será possível por nossos próprios limites em termos de leitura mais aprofundada dessas políticas públicas.

De todo modo, a ideia será apresentada no diálogo com as comunidades, os(as) parceiros(as) da universidade e os movimentos sociais - assim como está sendo registrada para os(as) leitores(as) deste texto -, pois pode ser aprofundada por outros(as) pesquisadores(as), em articulação com iniciativas tecidas pelas entidades que atuam na defesa da água e dos(as) camponeses(as).

Na perspectiva do princípio do feedback para os(as) intelectuais orgânicos(as), evidencio que esta pesquisa apresenta uma leitura teórica sobre a Política Nacional de Irrigação, os limites do direito humano à água, a construção territorial desse direito e os desafios à sua garantia para os povos do campo no semiárido, o que poderá se constituir como um instrumento para a atuação de movimentos que atuam com esses temas, como a Comissão Pastoral da Terra, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Rurais Sem Terra (MST).

Detalhando aquele princípio, evidencio que a ideia de formular uma banca de análise da dissertação composta por professores(as), movimentos sociais (locais e

39“O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia tem como objetivo dar ensejo à auto-cartografia dos

povos e comunidades tradicionais na Amazônia. [...] Os fascículos do projeto privilegiam a auto-definição e são construídos quase que exclusivamente com os depoimentos das pessoas que participam da oficina em questão. Esses livretos têm sido utilizados pelos grupos sociais como instrumento de luta e encaminhamento de reivindicações, principalmente na defesa de seus direitos territoriais coletivos.” (PNCSA, 2016, on-line). Exemplares dos fascículos mencionados podem ser conferidos pelo(a) leitor(a) no sítio eletrônico <http://novacartografiasocial.com/fasciculos/>. Acesso em 28 de julho de 2016.

regionais) e sujeitos do território é cultivada no Núcleo Tramas justamente para possibilitar a realização de um primeiro diálogo. A partir dele, então, espero que a pesquisa se amplifique em termos de articulação e aprofundamento teórico e político.

Assinalo, por fim, que minha abordagem ao longo da pesquisa participante parte do reconhecimento dos limites de uma investigação científica. A beleza desses limites é vislumbrada na importância de novas pesquisas e, principalmente, na necessidade de uma ação política e coletiva sobre os problemas e as reivindicações analisadas, conforme os(as) próprios(as) camponeses(as) registraram em campo:

O futuro pra luta eu acho que a gente já tá fazendo, né? A gente criou um bocado de argumento pra que esse futuro dê continuidade e um grande futuro desse é a cartografia, é a gente tá aqui, é as reunião na comunidade. Eu acho que o futuro a gente vai construindo. Agora, vai construindo junto. Eu acho que aumenta muito a nossa responsabilidade de tá nas comunidade fazendo com que o povo enxergue esse crime que tão fazendo [refere-se às consequências do avanço do agronegócio em Apodi] (...) e eu acho que o nosso futuro (...) talvez não vai ser muito fácil, que nem a gente conseguiu a terra, né? Eu acho que o nosso futuro vai ser muito mais difícil do que a gente imagina, mas eu acredito que o povo vão dar essa resposta unido. Rio Apodi (camponês da região do Vale e membro do STTRA), 28 de janeiro de 2016.

Nesse sentido, enfatizo a relevância dos sujeitos na definição de ações a partir dos resultados do estudo e na construção autônoma de estratégias de investigação e reivindicação, que podem, inclusive, estar inseridas em outras formas de conhecimentos e saberes.