• Nenhum resultado encontrado

Desafios à garantia do direito à água aos povos do campo no semiárido a partir da perspectiva das comunidades camponesas de Apodi

AGRICULTURA E O AGRONEGÓCIO 156 5.1 Território e Conflito Ambiental

6 AS FLORES DESENHANDO A LUTA PELA ÁGUA 230 1 Projetos coletivos de defesa da água

6.4 Desafios à garantia do direito à água aos povos do campo no semiárido a partir da perspectiva das comunidades camponesas de Apodi

7 OS FRUTOS - CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 254 7.1 Síntese dos resultados ... 254 7.2 As Sementes - desafios e sugestões para a continuidade das pesquisas com o

1 INTRODUÇÃO

Os(as) camponeses(as) do município de Apodi, localizado no Rio Grande do Norte, enfrentam uma guerra por água a partir da chegada de empresas do agronegócio em seu território. Essas empresas avançam para o lado potiguar após terem arrasado a porção cearense da Chapada do Apodi com uma série de impactos ambientais e sociais fartamente documentados, como a contaminação das águas por agrotóxicos, o rebaixamento dos níveis de recarga do Aquífero Jandaíra, o aumento da incidência dos casos de cânceres entre trabalhadores(as), a expropriação de terras camponesas e as mortes trazidas pelos diferentes tons do agronegócio.

Nesse processo de migração e disputa pela água, destaca-se, também, o papel do Estado, que tem atraído o ramo da fruticultura irrigada para Apodi através de um conjunto articulado de ações. De um lado, elas incluem - para os empreendedores - a construção de barragens, a implantação de um perímetro irrigado, a entrega de licenças ambientais, a emissão de outorgas de direito de uso da água e a não-fiscalização das atividades produtivas pelos órgãos competentes. De outro, viabilizam - para os(as) camponeses(as) - a desapropriação de comunidades, a autuação dos(as) agricultores(as) que não têm outorgas, a perseguição aos cultivos tradicionais de arroz vermelho e a precarização das políticas públicas de reforma agrária e agricultura familiar.

O território de Apodi, entretanto, não assiste a tudo isso em silêncio. Em verdade, ele conta com aproximadamente metade de sua população residindo em quatro grandes regiões camponesas - o Vale, a Chapada, a Areia e a Pedra. Nelas, existem mais de cem comunidades que se constituíram, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, a partir de processos de luta pela terra. Tais processos foram elaborados com a contribuição de organizações e movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra e o Sindicato dos(as) Trabalhadores Rurais de Apodi, e envolveram a conquista de assentamentos de reforma agrária, tecnologias de convivência com o semiárido, diferentes práticas agroecológicas e variados métodos de ação política.

Todo esse conjunto de articulações fez do município uma referência nacional e internacional em agroecologia, tanto pela utilização de uma agricultura livre de agrotóxicos e transgênicos quanto pela costura de relações de gênero, relações de trabalho e relações ambientais marcadas pelo respeito, pela autonomia e pela diversidade.

É precisamente por esse contexto de organização e mobilização que a chegada do agronegócio em Apodi encontra r-existências, que, por sua vez, alimentam processos de

reivindicação em outros territórios. É também a partir desse contexto que nasce a presente pesquisa.

Com efeito, a construção compartilhada de conhecimento sobre os impactos dos perímetros irrigados e do agronegócio no Ceará - especialmente a partir dos espaços de intercâmbios entre agricultores(as) e grupos de pesquisa - permitiram que os(as) camponeses(as) de Apodi conhecessem a realidade da porção cearense da Chapada, identificassem a chegada do mesmo modelo produtivo em seu território e desenhassem ações de resistência à expansão do agronegócio.

Nesse processo, a água ganhou centralidade na discussão sobre o conflito ambiental, tanto por sua disputa qualitativa e quantitativa quanto por sua relação com a terra e os demais elementos fundamentais à existência - e à transformação - da vida. Foi ela, portanto, que viabilizou o encontro com as demandas de pesquisa do território e foi ela, também, que delineou a necessidade da cartografia social de Apodi como uma estratégia de defesa de direitos.

Nesse sentido, a investigação que se apresenta nesta dissertação se constitui como uma observação participante de um conjunto de ações que representam uma leitura política e territorial da Política Nacional de Irrigação, da Política Nacional de Recursos Hídricos e da construção do direito à água na perspectiva dos(as) agricultores(as) de Apodi.

De fato, a tessitura do “Mapa das Águas” no município identificou os impactos do agronegócio à água (visibilizando processos de apropriação desigual, exportação virtual, privatização e contaminação dos bens hídricos); expressou os sujeitos e as estratégias que conformam o conflito ambiental (demonstrando o papel do Estado no fomento ao agronegócio e na desqualificação dos projetos da agricultura camponesa) e ampliou a compreensão sobre esses sujeitos (apresentando, por exemplo, as outras atividades econômicas que se caracterizam pelo neoextrativismo e os vínculos existentes entre as violações vivenciadas na Chapada do Apodi e os processos de injustiça ambiental experimentados pelas demais regiões camponesas).

Porém, a “Cartografia das Águas” não termina aí - na denúncia dos impactos. Ela anuncia que, para os camponeses(as) de Apodi, o direito ao acesso à água ultrapassa os critérios estabelecidos pela Organização das Nações Unidas e encontra parâmetros que se interrelacionam à terra, à moradia, à alimentação, às sementes livres de agrotóxicos e transgênicos, à cultura, à espiritualidade, à organização comunitária e à própria existência do povo camponês. Nessa perspectiva, é uma “Cartografia do Território” e apresenta os

projetos dos(as) agricultores(as) para o uso e a distribuição dos bens hídricos, assim como as análises que eles(as) elaboram sobre os perímetros irrigados, a Política Nacional de Irrigação, as outorgas de direito de uso da água e o acesso à água dos povos do campo no semiárido. Por todos esses aspectos, delineia-se, no texto, a dimensão camponesa do direito à água e o processo de construção desse direito em um contexto de conflito ambiental com o agronegócio - demonstrando-se que a própria pesquisa também se transforma em um instrumento daquela dimensão camponesa.

Pela importância do processo de elaboração da investigação, o texto inicia com a

metodologia e destaca suas “raízes” a partir da reflexão sobre a práxis de uma ciência descolonial. Depois disso, apresenta - como “caule” - a história do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas), da Universidade Federal do Ceará; a construção da relação desse núcleo com as comunidades camponesas de Apodi e os eventos que ressignificaram o projeto inicial da dissertação fazendo brotar uma outra perspectiva de análise.

Após essa contextualização, o segundo capítulo apresenta as “terras” nas quais a investigação se assenta e, por isso mesmo, evidencia a problematização e o referencial teórico que a integram. Nesse sentido, realiza um panorama da água no mundo, elenca suas diversas funções, destaca a crise hídrica como produto de um modelo civilizatório fundamentado no domínio da natureza, especifica os elementos que constituem o direito humano à água e sinaliza as contradições desse direito com as políticas públicas adotadas por diversos países.

Dialogando com essa perspectiva, o terceiro capítulo apresenta uma contextualização a respeito do semiárido brasileiro e da histórica atuação do Estado no paradigma do combate à seca. Como exemplos desse paradigma, aponta as trajetórias da Política Nacional de Irrigação (PNI) e da Política Nacional de Recursos Hídricos, enfatizando o quanto elas estão potencialmente ligadas à produção de novos conflitos ambientais relativos à disputa da água.

O quarto capítulo, por sua vez, caracteriza, especificamente, o território camponês de Apodi e assinala tanto o histórico de sua luta por direitos quanto os fatores que desencadearam o surgimento do conflito ambiental com o agronegócio. Nesse ponto, evidencia os sujeitos determinantes desse conflito e sistematiza suas principais expressões no tocante às violações ao direito à água.

O quinto capítulo, em contrapartida, anuncia os projetos coletivos de luta pelos bens hídricos, reúne os elementos da dimensão camponesa da água em Apodi e dialoga esses

elementos com uma leitura dos(as) agricultores(as) sobre os principais desafios à garantia do acesso à água para os povos do campo no semiárido.

O sexto capítulo, por fim, avalia os desafios de formação e comunicação que envolvem a pesquisa; aponta novos temas de investigação e sintetiza os resultados apresentando as interrelações entre os direitos à terra e à água e as possibilidades de associação entre comuns, autonomia do campesinato e participação política.

A pesquisa demonstra, portanto, que os elementos da dimensão camponesa da água compõem a vida e o sangue dos(as) agricultores(as) e, pedagogicamente, permitem que eles(as) r-existam no curso de um conflito ambiental - movimentando-os(as) e transformando-os(as) na luta. Por isso mesmo, tais elementos aprofundam o significado do direito humano à água e têm a potência de dialogar, com os demais povos do campo no semiárido, estratégias coletivas de concretização dos direitos territoriais.

2 METODOLOGIA