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regulamentação é um aspecto importante, mas não o único"

CARROCERIA E SEU BAGAGEIRO, DOIS ASPECTOS DEVEM SER DESTACADOS:

1- os ônibus aumentaram seu espaço destinado às cargas, porém, as tarifas das passagens não baixaram por causa disto. Pelo contrário, como o custo veicular aumentou, pressionou o preço da passagem; e

2- algumas linhas regulares interurbanas de TRP são deficitárias se analisada apenas a ocupação de passageiros do veículo, porém, se justificam economicamente pela receita com o transporte de encomendas.

Quanto ao primeiro aspecto, há que se considerar que uma transportadora adquire ônibus com bagageiros maiores do que o necessário às malas e pacotes dos passageiros, ampliando sua receita total, a partir de um investimento feito com o dinheiro do usuário.

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E, mais, o usuário passou a pagar mais, por causa do veículo que não escolheu, e que, fundamentalmente, estava superdimensionado para o serviço delegado. Isso, de qualquer modo, e analisado isoladamente, estabeleceu uma distorção tarifária.204

Já para o segundo aspecto, a questão assume outros contornos. Uma vez que o TRP também cumpre funções sociais, nessa situação, caso não houvesse o transporte de encomendas para garantir a sobrevivência da operadora, os usuários correriam o risco de perder seu serviço. E, no Brasil, pelo que se conhece, não seria m poucos os casos, principalmente, em função do grande número de pequenos municípios e da péssima infra-estrutura rodoviária do país.

Portanto, para o poder público, ainda que saiba das possíveis distorções existentes, o TEO passa a ter uma destacada função política. Talvez, o importante, nesse caso, seja discutir mais detidamente a extensão das distorções. E, pelo que se sabe, não há qualquer mecanismo de aferição ou acompanhamento, que verifique a influência do TEO sobre todo o sistema de TRP's, de modo a permitir a adoção de fatores minorantes consistentes e justos para transportador o usuário.

Outra questão conexa, que será abordada mais adiante, refere-se ao fato de que, forçosamente, o TEO deveria praticar preços mais baixos do que as TRC's, por vários motivos. Entre esses: o veículo é subsidiado pelo passageiro; todo o custo operacional é subsidiado pelo passageiro; um grande número de seus serviços se vale de terminais rodoviários de passageiros; etc..

Porém, como os preços praticados, muitas vezes, são superiores aos dos correios, aos das TRC's e, até, aos do modal aéreo (ver Anexo F), a conclusão a que se chega, é:

- a atividade de TEO tem uma rentabilidade exageradamente grande; ou - os custos reais da atividade não são conhecidos; ou

- ambas as coisas.

Qualquer que seja o caso, o TEO abre importantes espaços à concorrência e, de certa forma, traduz o descuido com que é administrado. Pelo que se continua vendo, a atividade tem sido teimosamente subestimada, inclusive pelo próprio operador da linha regular que a explora. Na verdade, a motivação desse cenário encontra-se incrustada na própria cultura do TRP.

8.5 A CULTURA DO TRP

Um estigma que acompanha o TRP é, sem dúvida, o fato de que muito pouco se escreveu sobre a vida das transportadoras. Muitos modelos matemáticos, sistemas computacionais, gráficos, estatísticas, etc. têm sido formulados para a produtividade da atividade. Mas, pouco se registra e discute, academicamente, sobre a cultura das

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Algumas planilhas prevêem um fator minorante no custo da tarifa, relativo à receita com encomendas. Porém, quando não são pequenos (entre 1% e 2%) ou nulos, a dificuldade de sua aferição torna-os inócuos. Anos atrás, o DNER diminuía 2% do custo total demonstrado na planilha, como minoração. No sistema intermunicipal de Santa Catarina essa taxa ainda é de 0%, para efeito de cálculo tarifário.

companhias. Numa comparação forçada, pode-se dizer que muitos se ocupam em avaliar a atividade, sem conhecer realmente quem a executa. Por isso, não é difícil de imaginar as causas dos freqüentes erros dos prognósticos e diagnósticos que envolvem o setor.

Um tratamento mais holístico do tema, possivelmente, poderia fornecer respostas mais realistas a muitas questões pragmáticas, para as quais os modelos matemáticos têm se apresentado tão limitados. Dificilmente alguma curva demonstrará o quão pouco se discute sobre a atual tendência das ETP's, relativamente à especialização. Certamente, nenhum software demonstrará, a contento, por que "desde sempre" se transporta encomendas em ônibus, mas, pouco ou nada se escreve sobre o fato. Como o setor não incorporou a necessidade de se ocupar com tais temas e, como, a academia não identifica o necessário "glamour motivacional", permanecem importantes lacunas a serem preenchidas - com prejuízos de impossível mensuração.

8.5.1 A Origem das Transportadoras de Passageiros

Uma das poucas coisas com que concordam os práticos e os estudiosos do transporte rodoviário de passageiros do Brasil é quanto à origem e formação das atuais empresas e aos seus serviços de encomendas.

Com um história relativamente recente205, o serviço rodoviário de transporte público de passageiros, ainda está impregnado de pioneirismo e desbravamento na maioria das cidades e regiões brasileiras. É uma das poucas atividades de competência governamental que, desde o seu princípio, foi operada pela iniciativa privada, através de mecanismos de delegação. Embora na esfera do transporte internacional e interestadual estejam previstas algumas situações de concorrência (controlada) nas linhas regulares, no geral e nas demais esferas, o serviço é ainda executado sob os princípios da regulamentação econômica, acompanhado de exclusividade na operação das linhas.

Outro aspecto com o qual todos concordam é que a maioria das transportadoras manteve-se, demasiadamente, sob o regime ("único e técnico") da administração familiar, com graves carências no campo das técnicas gerenciais, em detrimento da profissionalização do setor. Essa, provavelmente, talvez seja a razão do serviço de encomendas ter sido conduzido, por tanto tempo, de modo tão uniforme pelo conjunto das operadoras:

- se a demanda pelo serviço fosse baixa : "não há o que fazer";

- se a demanda estivesse razoável: "arrume-se um canto da garagem para servir de armazém";

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A primeira transportadora intermunicipal de Santa Catarina, por exemplo, começou a operar com veículos motorizados na década de 1920. Já, sobre o transporte municipal de Blumenau, onde as primeiras transportadoras foram estruturadas na década de 1940, lê-se: "As inovações tecnológicas na

área do transporte coletivo do início do século XX, como o surgimento do automóvel e do ônibus motorizados, encontraram em Blumenau ruas sinuosas, desprovidas de pavimento, ..., em maio de 1914, quando surgiu o primeiro ônibus em Blumenau, o proprietário do veículo teve de solicitar à prefeitura mão-de-obra e material para melhorar as condições da estrada geral de Itoupava Seca, por onde passava". (FROTSCHER, M., VEDANA, L. M. F.. Viagens pela cidade. p. 11.)

- se a demanda estivesse boa: "crie-se um setor de cargas e compre-se veículos leves para a coleta e entrega";

- se a demanda estivesse ótima: "separe-se da transportadora de passageiros e crie-se uma empresa de cargas".

Assim, além do fato de que todas as operadoras de linhas interurbanas carregam encomendas desde sua criação, praticamente todas começaram da mesma forma: a

encomenda como uma "atividade complementar" do transporte de passageiros. Um exemplo acabado dessa prática, abordado no Capítulo 7 (ver item 7.4), mostra

a paranaense Cattani, onde, na atividade de cargas e encomendas, iniciada como forma de aproveitamento dos bagageiros do ônibus , passou a utilizar uma Kombi e

depois caminhões. Sendo que, atualmente, o serviço chega a representar 15% do seu faturamento, podendo atingir 25%, sem aumento dos custos fixos.

Certamente, tinham razão essas operadoras em encarar a carga de encomendas como complementar à sua atividade principal. Porém, um erro histórico foi desprezar o potencial da atividade, especialmente considerando o fato de que seus custos podiam lhes propiciar uma enorme vantagem competitiva, em relação às transportadoras de cargas. Por isso, a questão pode ter sido mais de incompetência administrativa, e não de dedicação e especialização (em relação ao passageiro), como alguns defendem.

8.5.2 Especialização, Capacidade e Tendências

No TRP, abertamente, pouco se discute se a tendência das operadoras deve ser a da procura pela especialização (no passageiro) ou pela exploração de suas competências (em passageiro e carga). Enquanto o poder público reforça a primeira alternativa e desconhece a segunda, alguns setores acadêmicos e das ETP's fixam-se na segunda. Porém, há um vasto campo a ser desbravado e discutido corajosamente.

Sobre a questão da especialização, vale lembrar que, historicamente, em função do modelo vigente, o transportador foi pouco desafiado e testado: quase sempre lidou com passageiro cativo. O serviço de linha regular de passageiros concedido pelo poder público, com exclusividade, escapa da livre-concorrência e dos princípios de oferta e procura - o "mercado" é controlado pelo poder concedente. E, a esse, não se sabe exatamente porque, melhor seria que as ETP's se dedicassem exclusivamente ao TRP, independentemente de "certos princípios", que a Economia identifica como escassez e utilidade.

E, como escreveram Stonier e Hague: "Depende a oferta da escassez, precisamente como a procura depende da utilidade. É a escassez um conceito muito mais difícil de estudar do que a utilidade, porque se trata obviamente de um termo relativo e não absoluto. Ao passo que é relativamente simples dizer quando um bem é ou não é útil, não se pode dizer seja um bem economicamente escasso, senão em relação à sua procura. Assim, embora as primeiras edições de Shakespeare e os Rembrandt genuínos sejam numericamente escassos, posto que fixa a sua oferta, podem ser ou não ser escassos no sentido relativo do economista. Se todos os querem, serão escassos; se

ninguém os quer, abundantes. Escassez sempre quer dizer limitação em relação à procura".206

Retornando ao lado prático da questão da especialização das ETP's e de seus serviços de cargas, deve-se distinguir 2 níveis distintos: a especialização da transportadora e a especialização de seus funcionários. Principalmente em transportadora de porte menor, dada a visão de seus administradores, comumente, não importando se a mesma tem setor específico ou não de transporte de encomendas, pouca atenção é dada à habilitação de seus funcionários no tratamento dessa carga. Assim, mesmo que em determinados locais a operadora possua pessoal preparado, em outros (filiais, agências, terminais, etc.) se utiliza de pessoal treinado para vender bilhete de passagem, que pouco ou nada sabe sobre encomendas.

Para situações desse tipo, Samuelson207 mostra-se adequado: "Até mesmo numa economia primitiva os homens aprendem que, a ter todos fazendo de tudo e de modo medíocre, é melhor instituir uma divisão de trabalho ... ainda que não existam diferenças naturais ou adquiridas nas habilidades, a especialização poderá ser vantajosa, pois com freqüência é só assim que se pode atingir um volume de atividade suficiente para levar a cabo todas as economias de produção em grande escala ... ao mesmo tempo, evita a dispendiosa duplicação de ferramentas que seria necessária se cada operário fosse um homem de sete instrumentos ...”

Por muitos dos fatores que se pode observar, é possível estabelecer que, as exigências atuais tendem a empurrar as ETP's para uma postura concreta: mais importante do que a concentração total numa só possibilidade da atividade, deve -se explorar as capacidades da organização. A transportadora pode decidir por operar só passageiros, ou passageiros e encomendas, mas, em qualquer dos casos, não pode abrir mão de cumprir com extrema competência a tarefa. Ora, dada a própria natureza da companhia, a sua decisão restringe-se, basicamente, a operar bem ou não operar com encomendas, já que o passageiro não pode ser relegado a segundo plano.

Um dos fatores necessários à tomada dessa decisão, certamente, refere-se ao auto- conhecimento organizacional, que resulta de cultura favorável, espírito empreendedor , mecanismos de tratamento e controle de custos e informações, etc.. Além do olhar interno, a organização deve lançar mão das informações e conhecimentos disponíveis, para executar o "dever de casa". Porém, frequentemente, acessar boas informações sobre o setor revela -se um ponto de estrangulamento à pesquisa, devido à falta de sistematização do conhecimento sobre a atividade.

8.5.3 A Falta de Sistematização do Conhecimento

Como já se disse, "desde sempre" se transporta encomendas em ônibus, mas, pouco ou nada se escreve sobre o fato. Conforme já foi abordado no Capítulo 3

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STONIER, A. W., HAGUE, D. C.. Teoria econômica. p. 28.

("Transporte De Encomendas - Uma Abordagem Ordenada"), essa carência tem gerado uma série de transtornos para a atividade. Sendo que, os poucos artigos

escritos, além de pouca consistência, pouco fazem avançar o conhecimento específico.

Referindo -se às organizações de modo geral, March e Simon expressam perfeitamente o que se verifica em relação ao tema transportadoras de passageiros

e encomendas:

"Qualquer tentativa de congregar num todo coerente a esparsa e variada massa de escritos sobre organização terá de vencer dois sérios obstáculos. Em primeiro lugar, a literatura sobre o assunto deixa a impressão de que, afinal de contas, não se tem dito muita coisa sobre organizações, mas que aquilo que se disse tem sido repetido inúmeras vezes em línguas diferentes.208 Conseqüentemente, há necessidade de um sério esforço para a criação de uma linguagem comum.

O segundo problema é que na literatura encontramos uma grande disparidade entre hipóteses e provas. Muito do que sabemos ou cremos a respeito das organizações deriva do bom senso e da experiência prática dos administradores. A maior parte dessa sabedoria e erudição jamais foi submetida ao rigoroso crivo do método científico. A literatura contém muitas assertivas, mas pouca evidência – segundo os padrões científicos usuais de comprovação e reprodução pública – de que essas afirmativas realmente sejam sustentáveis no mundo dos fatos."209

Nos meios de serviços de transporte, apesar da grande importância econômica e política do setor, não se sabe exatamente por que, existe um natural "acanhamento" dos administradores, os quais, normalmente, pouco escrevem, pouco discursam e pouco ensinam sobre suas atividades. Afora o pessoal do modal aéreo, há um latente "complexo de inferioridade" do empresário transportador, tanto de passageiros quanto de cargas, que o impede de trocar experiências com os seus pares ou executivos de outras áreas, sobre técnicas, procedimentos e princípios da atividade. Geralme nte, a ETP tem sido extremamente fechada sobre si mesma, seus problemas, contas e conhecimentos. (Provavelmente, não há quem tenha ouvido falar sobre auditoria externa numa transportadora.) Apesar desse pensamento ter caráter meramente especulativo, a verdade é que explica a falta de fluxo do conhecimento da atividade.

Muitas podem ser as explicações desse sentimento de inferioridade, inclusive, de que não é real, ou de que é apenas uma postura estratégica. Porém, as suas consequências são reais e negativas para o conhecimento, sem dúvida. Assim como, têm contribuído para a permanência do setor num estágio de "subdesenvolvimento" científico.

Deixando-se de lado as causas e origens culturais do caso, pode-se estabelecer um paralelo entre a prática que viceja no setor e a questão do subdesenvolvimento e dependência tecnológica dos países, para a qual Benakouche escreveu, literalmente, o seguinte:

208

O trecho foi grifado nesta tese.