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Capítulo 4. Corpos em movimento: a congregação

4.3. Casa de Meninas

Um dos trabalhos realizados pelas Filhas da Imaculada Conceição desde o princípio de sua congregação foi aquele direcionado ao cuidado/educação de meninas, no qual vemos, mais uma vez, que elas transpuseram barreiras com suas habituais práticas desviantes, não obedecendo à lei do lugar, o que significa que não se deixaram sucumbir às críticas anônimas e às dificuldades cotidianas.

A cronista Dorotéia e a biógrafa de Paulina falam de formação de uma “pequena escola”, e Matilde chama as meninas de “alunas”. A nosso ver, em alguns destes trabalhos, se observa mais uma Casa de Meninas,71 onde se realizava um trabalho simultâneo de educação, assistência e guarda de crianças mais pobres, especialmente órfãs, a exemplo de outros realizados por freiras ou mantidos pelo governo. Em suma, iniciaram uma educação informal, pois não era subsidiada financeiramente e nem obedecia às leis, regras ou controle de qualquer instituição paroquial, municipal ou governamental; só com o tempo foi ampliando e institucionalizando suas funções para oferecer educação formal.

Quando o grupo de mulheres ainda habitava no casebre de Vígolo (1890-1894) receberam as primeiras meninas, que passaram a morar lá, enviadas por suas famílias para serem educadas “no santo temor de Deus” [religião] e para “aprenderem a ler e a escrever” [devia ser a expectativa dos pais] e aprender também “trabalhos domésticos”. Pelo menos, é o

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CONGREGAÇÃO, Coletânea histórica, p.403.

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A denominação é de Hilsdorf na já citada pesquisa sobre o Seminário das Educandas de São Paulo, criado em 1825 como um estabelecimento de caridade provincial. A autora o analisa na linha de uma Casa de Meninas que funcionou simultaneamente “como um lugar de abrigo, guarda e educação sobretudo das meninas desamparadas de uma parcela das camadas médias da sociedade paulistana”. Enfim, uma casa de formação e amparo, prevenção e correção, cuja forma escolar apenas se definiu ao cabo de várias décadas de atividade. Cf. HILSDORF, Tão longe, tão perto, p.54 e 64.

que diz Matilde, cujos relatos são os mais antigos, mas assumem o entendimento de que a atividade de educação já nasceu no contexto escolar.

No princípio eram seis e mais tarde dez meninas dentro de um “formigueiro” (expressão da cronista Matilde para dizer que a casa era muito pequena). Lá elas aprendiam doutrina, cânticos de Nossa Senhora, como comportar-se na igreja e nas procissões; aprendiam a confeccionar flores, costurar, cuidar da casa e da horta. Matilde explica que:

Os paes destas primeiras alunas nos pagavam, e assim começamos a ter a vida menos difficil. Ficaram connosco cerca de dois annos; mas depois os paes não podiam mais dispensar os serviços dellas em família, e por este motivo as tiravam da nossa companhia, levando porém consigo os sentimentos religiosos, que lhes tínhamos inculcado, de maneira que crescendo de edade, e tomando estado, foram optimas mães de família. (grifo nosso)72

Quando se instalaram em Nova Trento (1894), ficaram contentes porque a casa era maior e poderiam “receber mais meninas e abrigar um certo número de doentes”, relata Matilde. E assim meninas e órfãs continuaram a chegar e ficaram neste espaço até 1896. O que elas aprendiam? “Ensinavamos um pouco a ler, e especialmente a doutrina christã, e a fazer os serviços, que devem as bôas filhas de família”, conta nossa cronista. “Também ensinávamos piedosos cânticos, e nos tempos livres as exercitávamos para depois cantarmos juntamente com o povo na Egreja”, conclui. Por sua vez, a cronista Dorotéia resume os feitos dizendo que as irmãs “ensinavam o alfabeto [italiano], o catecismo e trabalhos de agulha”. De onde entendemos que o ensino do alfabeto era necessário para a iniciação à leitura mencionada por Matilde, mas não se fala de escrita.

Em síntese, acompanhando o relato das duas cronistas verificamos que as irmãs compartilhavam vários saberes com suas meninas sem ter, no entanto, a atribuição de um currículo escolar, pois se havia sequência e planejamento de conteúdos estes não incluíam a escrita e outros saberes já codificados pelo sistema escolar da época;73 e as meninas podiam sair de sua companhia a qualquer momento conforme vimos num dos fragmentos acima. Em todo caso, chama atenção a abrangência dessa educação: evidentemente a espinha dorsal do ensino era doutrinária, imbricada com leitura, cantos religiosos e noções de comportamento,74

72 M. MATILDE, História da Congregação, p.89.

73 Cf. capítulo IV e V de HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo:

Pioneira Thomsom, 2005; capítulo IV de HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. O aparecimento da escola moderna: uma história ilustrada. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

74 Podemos alinhar as noções de comportamento transmitidas pelas Filhas da Imaculada à análise de Hilsdorf

quando aborda o Regulamento do colégio das Ursulinas em Dôle (França), no século XVIII: “deixava patente o entrelaçamento do ensino da doutrina, das orações e da literatura religiosa com a formação moral cristã e um princípio de ensino de civilidade. Esta era uma codificação escolar dos bons costumes que, apropriando-se dos livros que educavam os cortesãos do século XVI, passara a prescrever, desde o decorrer do Setecentos, regras que envolviam profundamente os corpos dos alunos. A base dessa mudança vinha de que as duas reformas religiosas [protestante e católica] partilhavam a perspectiva antropológica da criança „nascida no pecado‟, má, que para poder viver em sociedade precisava ser disciplinada tanto por meio do castigo físico quando do controle

e ainda um saber que devia fazer parte de uma educação feminina para os trabalhos manuais – domésticos e de horta, agulha e flores. De fato, nenhum fragmento das crônicas de Matilde e mesmo de Dorotéia narra que elas ensinavam a escrever ou a contar. Em um fragmento Matilde chega a falar de “pequenas lições de leitura e de catecismo”, ou seja, de leitura com fins religiosos seguindo, inclusive, a tendência do lugar, cujas famílias queriam que suas crianças aprendessem a ler para fazer catecismo e primeira comunhão – fora o caso da própria Amabile (irmã Paulina), quando menina. Ai pode estar aquilo que as irmãs entendiam ser uma aula ou momento de instrução das meninas, pois o resto elas ensinavam na prática, ou seja, as meninas aprendiam fazendo até porque precisavam ajudar as irmãs a cuidar da casa e da horta, fazer as encomendas de costura e flores, ensaiar cantos para serem entoados na igreja, enfim, preencher o tempo uma vez que moravam com elas – as meninas com família deviam ficar lá de segunda a sexta ou sábado; as órfãs não saiam nem nas férias.

Mesmo não tendo uma configuração institucional, essa educação informal causava controvérsias junto à comunidade. Algumas pessoas, inclusive, as criticavam pelo fato delas ensinarem a ler e darem catecismo às crianças, lançando em seus rostos: “o que é que vós pretendeis, ensinar aquillo que não sabeis?”, narra Matilde. Nesse tempo, em Nova Trento, houve também conflitos com lideranças políticas. Justamente aqueles “de muita influência”, escreve Matilde, levantaram-se contra elas, ameaçando-as de irem às autoridades para denunciá-las. Diziam que se elas continuassem a ensinar às crianças, poderiam até pagar uma multa.

A cronista Matilde conta que elas achavam que eles tinham certa razão, mas recorreram ao seu diretor espiritual, Marcello Rocchi, escrevendo-lhe uma carta, pois ele estava pregando missões em Brusque. A resposta, datada de 3 de maio de 1894, tranquilizou- as.

Se as forças lhe permitem, ensinem o italiano com liberdade. O governo não dá multa a ninguém por causa de aula. A respeito das outras coisas, escreverei ao Valle [pessoa de sua confiança e liderança política].

Quanto a aprender o português, falaremos mais tarde. Por ora, ensinem o italiano.75

Analisar as causas e o desenrolar dessa discórdia exige que façamos uma breve incursão no tema da disputa política pelo campo de educação em Nova Trento, pois não era a primeira vez que ocorria um conflito nessa área. Pelo estudo de Jonas Cadorin76 sobre a

não só do seu espírito, mas também dos seus gestos, das suas atitudes, e do emprego do seu tempo (...)” (HILSDORF, O aparecimento da escola moderna, p.171-172).

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CONGREGAÇÃO, História da Congregação, v.1, p.101.

76 CADORIN, Jonas. A incômoda escola dos italianos de Nova Trento. Disponível em:

incômoda escola de italianos, inferimos que o tema da instrução suscitava debates, controvérsias e disputas de poder naquele município.

Acenamos no primeiro capítulo que as chamadas escolas de italianos foram idealizadas desde o início da colonização neotrentina (1875/76) e funcionaram em algumas linhas coloniais como a de Aliança e no próprio distrito de Nova Trento. Algumas dessas escolas chegaram a receber subsídios e material didático do consulado italiano. As crianças eram alfabetizadas em italiano e aprendiam basicamente a ler, escrever e contar, pois era importante saber ler para fins religiosos e saber escrever para corresponder-se com parentes e autoridades, fazer negócios, registrar reivindicações. Os professores contratados eram geralmente homens com certo grau de instrução.

Em geral, as escolas organizadas nas áreas de imigração italiana, alemã, polonesa etc., especialmente nos estados do sul do Brasil, entre o final do XIX e início do XX, funcionavam como fator de preservação cultural e de suplência da necessidade de alfabetização e escolarização de crianças e jovens. De fato, parte dos imigrantes provinha de lugares onde havia tradição escolar e queria que seus filhos fossem escolarizados, mas não havia escola pública nas colônias, o que os estimulava a criar suas próprias instituições ou a atribuir essa tarefa ao poder público e à Igreja.77 Na região de Nova Trento, não foi diferente: parte dos imigrantes investiu na organização das escolas de italianos; mais tarde, parte deles apoiou a iniciativa de Amabile e Virginia de receber meninas para alfabetização, doutrinação e ensino do trabalho manual.

Mas não faltaram conflitos na comunidade em torno da educação: a escola de italianos de Nova Trento teve muitos problemas de ordem política. Em síntese, segundo J. Cadorin, essa escola era um campo de disputa,78 pois seu gerenciamento era reclamado por vários segmentos: os próprios imigrantes que a abriram, frente à inoperância das autoridades coloniais, queriam comandá-la; os jesuítas almejavam fazer dessa escola um lugar de doutrinação e difusão do catolicismo; os políticos – liberais e conservadores – também queriam interferir; o governo provincial a via como uma possível ameaça para seu projeto de criar uma identidade nacional. Para termos uma ideia de onde chegaria a disputa, após a elevação de Nova Trento à categoria de município, em 1892, lideranças dos partidos Liberal e

77

Cf. KREUTZ, Lúcio. A educação de imigrantes no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FILHO, Luciano Mendes Faria; VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 347-370.

78 Aqui se poderia aplicar o conceito de campo de Bourdieu: para o autor os campos se apresentam como

espaços estruturados de posições e funcionam à medida que há objetos de disputas e indivíduos “dotados de habitus que impliquem o conhecimento e o reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputa, etc.” (BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p.89).

Conservador passaram a disputar o cargo de delegado literário, que exercia a função de inspetor das escolas e orientador dos professores, cujas nomeações dependiam de qual partido estivesse no comando da província, de forma que liberais e conservadores alternavam-se neste e em outros cargos públicos do município, a exemplo do que aconteceu em outros lugares do país.

Por esta breve incursão nos processos da escola de italianos de Nova Trento vemos que qualquer iniciativa poderia provocar polêmica e debate na comunidade e foi justamente o que aconteceu com as irmãs. Ademais, é provável que alguns políticos, provavelmente de tendência liberal, se incomodassem com o surgimento desse trabalho de linha religiosa, isto é, dirigido por freiras e sob a tutela de jesuítas. Mas não é possível dizer quem eram esses maiorais, pois seus nomes foram preservados desde as primeiras crônicas de Matilde, talvez para evitar constrangimentos com pessoas de prestígio social e político da cidade. Entretanto, sabendo que as lideranças políticas que apoiavam os jesuítas e por extensão as irmãs eram Giovanni Valle e Giacomo Poli,79 da ala conservadora e fortes adversários dos liberais, deduz- se que os militantes do Partido Liberal deviam ser os principais opositores dessa educação informal.

Contudo, com apoio dos jesuítas e das referidas lideranças políticas, elas mantiveram o trabalho de Nova Trento e em dezembro de 1895 decidiram abrir “escola” também em Vígolo. Era para atender seus conterrâneos que, ao vê-las com o hábito religioso, “pediram para ficarem em Vígolo, „berço‟ da Congregação [assim consideram a casa de Vígolo],80 para a instrução da juventude e guarda do Santuário de Nossa Senhora de Lourdes”, narra a biógrafa de Paulina. Aqui parece tratar-se de fato de uma iniciativa sistematizada, mas na linha de uma pequena escola popular que lembra aquelas bem caracterizadas por M. Lucia S. Hilsdorf81 entre o século XVI e XVIII na Europa, especialmente na França, cujos métodos e

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Valle é a mesma figura que já citamos alhures. Foi delegado literário de Nova Trento nos anos 1887-1888 quando o Partido Conservador governava a província. Poli, por sua vez, exerceu o cargo de prefeito de Nova Trento de 01/01/1899 a 31/12/1910. Cf. ALMANAQUE POLÍTICO NEOTRENTINO. 3º Prefeito de Nova Trento. Disponível em: www.valedoriotijucas.com.br. Acesso em: 28/02/2010. Ambos apoiavam os jesuítas e as irmãs. Valle doou terreno e dirigiu a construção da casa de Nova Trento; também fornecia alimentos para elas. Poli não ficava atrás: em março de 1901, irmã Matilde escreve uma carta à Paulina oferecendo farinha de trigo trazida pelo senhor Poli Cf. M. DOROTÉIA, História da Congregação, v.2, p.87-88.

80 Cf. CONGREGAÇÃO, Coletânea histórica, p.11. 81

Segundo a autora, a atenção que os reformadores religiosos dedicaram à escola para ensinar sua doutrina (a conhecida ênfase na instrução com vistas à leitura da Bíblia) foi um dos fatores fundamentais de separação entre a educação do povo e das camadas abonadas, ao longo do XVI; outro fator era a perda das funções profissionais da escola de interesse da burguesia. Quanto aos católicos, interessaram-se pelas pequenas escolas populares porque necessitavam combater a Reforma; estas se proliferaram por toda parte, inclusive, em determinadas regiões e períodos históricos com apoio ou sob a mão forte das monarquias. Cf. HILSDORF, O aparecimento da escola moderna, p.157-221.

procedimentos foram preservados em alguns aspectos ainda no século XIX nos lugares onde se ministrava uma educação rudimentar para o povo do interior e dos meios camponeses.

Nestas pequenas escolas europeias, nas quais a organização variava de acordo com a região, o período e a categoria que as mantinham – católicos, protestantes, governo –, ensinavam-se basicamente os rudimentos da leitura, com fins religiosos nas escolas confessionais, doutrina e em algumas até escrever e contar. No final do XVIII, com o crescimento da atuação de congregações católicas que ofereciam ensino gratuito, as crianças permaneciam mais tempo na escola e completavam seus conhecimentos com demais conteúdos. Entretanto, estas pequenas escolas estavam longe daquilo que seria uma escola primária que ensinaria a escrever e demais saberes para além de uma alfabetização simples e que seria concebida como uma escola anterior à secundária colegial; esta escola começaria a surgir e seria chamada de primária somente no século XIX, explica Hilsdorf.

Na mesma direção de uma escolar popular, há vestígios na pequena escola de Vígolo:

Ir. Paulina recebeu grande consolação quando notou que as crianças de ambos os sexos que acorreram às aulas foram tão numerosas que era impossível acomodá-las convenientemente. À falta de cadeiras e mesas, sentavam-se pelo chão e, à míngua de material didático, um só livro servia para 4 ou 5 crianças! Todos os dias havia uma hora de catecismo; aos domingos e dias santos, este tempo era sensivelmente aumentado. A pedagogia – tradicionalista e elementar – no campo religioso, produzia efeito! Muitas dessas alunas são hoje religiosas autênticas. (grifo nosso)82

Conforme o fragmento, a escola de Vígolo recebia meninas e meninos que certamente não residiam com as irmãs, mas frequentavam a casa delas, que na época estava ampliada, durante uma parte do dia, inclusive, aos domingos e feriados para aulas mais longas de catequese. Nesse aspecto, diferenciava-se da Casa de Meninas que existira lá desde fins de 1890 até início de 1894 e recriada em Nova Trento entre 1894 e 1896.

A aglomeração de crianças reunidas no mesmo espaço e horário, divididas em pequenos grupos para utilizar o mesmo livro, é outro indício que nos leva a indagar: é improvável que todas as crianças estivessem na mesma fase de aprendizagem, uma vez que as irmãs certamente atendiam a todas aquelas que as procuravam. Mas prevalece um silêncio que permite imaginar as possíveis formas como as diversas crianças seriam atendidas: de maneira individual como se fazia no passado descrito por Hilsdorf quando crianças de idades e fases diferenciadas estavam misturadas; em grupos conforme sua fase de aprendizagem, algo parecido com aquilo que seria chamado de classes; ou em grupos para executar uma determinada tarefa e tendo às mãos um único livro.

82

CONGREGAÇÃO DAS IRMÃZINHAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO. Posições e artigos: para a construção do processo informativo ordinário da causa de beatificação e canonização da serva de Deus Madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus. São Paulo, 1964, p.39.

A ênfase ao ensino de religião nos leva a dizer que era uma pequena escola religiosa associada à catequese, nos moldes daquelas analisadas por Hilsdorf, as quais eram pautadas no ensino da doutrina para assegurar a adesão das novas gerações. O fragmento não diz, mas insinua: se as crianças estudavam aos domingos com certeza participavam também das atividades da capela, o que significa, nos termos de Hilsdorf quando fala da cultura escolar das pequenas escolas do XVI e XVII, que a formação religiosa invadia a prática dos ritos religiosos no tempo não-escolar. Portanto, a educação religiosa era seu acento principal. Nisso a “pequena escola” parecia com as Casas de Meninas de Vígolo e Nova Trento.

Uma última consideração: se, de um lado, a pequena escola de Vígolo remete-nos ao caso europeu, de outro lado, aponta uma tendência da época: para além da conhecida expectativa dos italianos em relação à alfabetização de seus filhos, era momento em que a escolarização era incentivada e reivindicada pela sociedade brasileira. Como assinala Hilsdorf,83 o discurso sobre a educação escolar estava na boca de todos – homens e mulheres, republicanos, intelectuais, jornalistas, padres e pastores, proprietários e pessoas do povo – e por toda parte, estimulando iniciativas e realizações no campo escolar. Certamente as Filhas da Imaculada não estavam alheias a esse debate e acabaram assumindo essa opção de educação, cujo embrião fora a pequena escola de Vígolo que desembocaria numa escola primária institucionalizada que lá seria criada em 1915 e funcionaria até 1980 – a primeira desta congregação. Avaliando ligeiramente esse trabalho, a Coletânea histórica84 salienta que as irmãs “foram presença edificadora em Vígolo, durante 65 anos, através da Escola Primária, onde se revezaram 22 Irmãs Professoras.” Evidentemente, as historiadoras da congregação não contemplaram o tempo total de trabalho educacional realizado em Vígolo devido à complexidade para decifrar suas rupturas e constantes modificações, somadas às diversas modalidades que lá existiram ou coexistiram: Casa de Meninas para educar, inclusive órfãs; pequena escola de 1895 talvez até os primeiros anos do século XX. Por outro lado, revelam que um estabelecimento escolar propriamente dito, de acordo com a legislação brasileira em vigor, existiu somente de 1915 a 1980.

83 Em síntese, a base do discurso dos republicanos, mas que deve ter atingido outras camadas da população, era a

ideia de que a educação pelo voto e pela escola era a grande arma de transformação da sociedade brasileira, ou seja, a escola, que alfabetizaria as massas e, portanto, formaria o cidadão e eleitor, representava um fator de resolução dos problemas sociais porque preenchia a necessidade de integrar e disciplinar sobretudo a população imigrante para o trabalho na grande lavoura cafeeira de acordo com o projeto dos cafeicultores paulistas que encontravam eco entre outros republicanos e liberais moderados (não abolicionistas e sim imigrantistas). Cf. HILDORF, História da educação brasileira, p.57-68.

Mas voltemos ao recorte temporal de nosso estudo (1890-1903) e vejamos agora um trabalho que pode ser considerado desdobramento da Casa de Meninas, criado simultaneamente à pequena escola de Vígolo.

Externato “Salamanca”

No mesmo período que funcionava a pequena escola de Vígolo, em Nova Trento, aumentavam as atividades e também o fluxo de meninas e de outras pessoas que moravam