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Capítulo 1. Artes de migrar: vigolanos no Brasil

1.2. De Vigolo Vattaro à Colônia Brusque

Para empreender tamanha façanha, Visintainer e vigolanos dirigiram-se a Trento, trilharam quilômetros pela ferrovia até chegar à França e depois atravessaram o Atlântico. O projeto só foi possível porque eles aderiram ao contrato do comentador Joaquim Caetano

32

FRANZINA, Mérica! Mérica!, p.68.

33 A família Visintainer foi recrutada pela Companhia Caetano Pinto que tinha sua sede operativa (a maior delas)

em Gênova (noroeste da Itália). De lá partiam os agentes de emigração que percorriam toda a região de Trento com a função de convencer as famílias a emigrar. A tarefa posterior deles era liquidar, por meio da especulação, o parco patrimônio das famílias que aderissem ao contrato. Cf. TRENTINI nel Mondo: la storia leggendaria dei trentini in Brasile (1875-1975). Trento: 1975; GROSSELLI, Vencer ou morrer, p.169-199.

34 GROSSELLI, op. cit., p.103.

35 Alvim recuperou os passos dos imigrantes italianos que chegaram a São Paulo nos anos 1870-1920 a fim de

recompor suas feições, as marcas da opressão a qual foram submetidos e, apesar disso, sua coragem. Com outras palavras, debruçou-se sobre os dois momentos da história do imigrante, antes e depois de emigrar, ligando a história social à econômica, e constatou que manifestações clássicas do proletariado organizado realmente não existiram, mas os italianos fizeram oposição constante à pobreza e à exploração desde a Itália e resistiram às más condições de vida em terras paulistas. Cf. ALVIM, Zuleika M.F. Brava gente! Os italianos em São Paulo: 1870- 1920. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

36 Diz Certeau que a tática não dispõe de base para capitalizar seus proveitos, preparar suas expansões e

assegurar uma independência em face das circunstâncias. Justamente pelo fato de estar num não lugar, a tática depende do tempo. Por esta razão, ela joga com os acontecimentos a fim de transformá-los em “ocasiões”. É assim que o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas (Certeau, A invenção do cotidiano, v.1, p.45-46).

Pinto Júnior,37 autorizado pelo decreto imperial nº 5.663, de 17 de junho de 1874.38 Dada a importância desse contrato e sua implicação na vida dos Visintainer, é preciso situá-lo no contexto da política de imigração brasileira e analisar seu processo de execução.

O contrato Caetano Pinto, como é chamado pelos estudiosos, é avaliado pelo historiador catarinense Walter Piazza talvez como o maior contrato havido na História do Brasil, em termos de política imigratória. Mais: foi considerado na época, o único meio eficaz de resolver o intrincado problema da colonização no Império.

Efetivamente, foi o maior contrato para introdução de imigrantes, porquanto o compromisso de Caetano Pinto era o de introduzir, em dez anos cem mil imigrantes „agricultores, sadios, laboriosos e moralizados‟39 e para este contrato o imigrante chegava ao Brasil sem dívidas e sem haver despendido nada com a passagem que era paga pelo Governo Imperial e sem obrigação de se estabelecer em determinado ponto do território brasileiro e, portanto, tinha liberdade de escolha, dando-lhes como propriedade um lote de terras, com condições de pagamento a prazo.40

De fato, o contrato Caetano Pinto representou um grande avanço considerando os progressos e reveses da política de imigração brasileira que desde a década de 1840, quando o jovem Pedro II assumiu o Império, estava cercada de tendências que interferiam em sua elaboração e execução. Uma rápida incursão nesses processos faz-se necessária para situar melhor este contrato no quadro político do projeto de imigração que se desenvolveu no Brasil.

Para começar, podemos dizer que uma das tendências era a da oligarquia rural que defendia a vinda de imigrantes para substituir a mão de obra negra, que se tornava cada vez mais cara e escassa, justamente no momento em que o café despontava como principal produto e impunha-se como grande lavoura voltada para a exportação, especialmente, nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Como examina Bosi,41 o que parecia, à primeira vista, antiescravismo, era, a rigor, imigrantismo. Pelo menos é o que davam a entender os fazendeiros de linha conservadora e também os liberais agroexportadores dos anos 1822-1860 – liberais históricos ou da primeira geração – que apoiavam a promulgação de leis fundiárias em seu favor, tal como a Lei Geral de Terras n. 601 de 1850 que lhes permitiu adquirir novas

37 Do comendador e contratante de emigrantes europeus, temos poucas informações. Segundo o historiador

Piazza, que se fundamentou em noticiários franceses, Caetano Pinto residia em Paris e de lá administrava sua organização que agia especialmente no Norte da Itália. O empresário movimentava grande contingente de população e arrecadava grandes somas em dinheiro (PIAZZA, Walter F. Santa Catarina: sua história. Florianópolis: UFSC/Lunardelli, 1983).

38

PIAZZA, Walter F. A colonização de Santa Catarina. Obra premiada pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul no concurso regional de história. Florianópolis, 1982, p.159-161.

39 Nunca menores de dois anos, nem maiores de 45, salvo se fossem chefes de família. Desses imigrantes, 20%

poderiam ter outras profissões. Cf. CONGREGAÇÃO, Madre Paulina, p.40.

40

PIAZZA, Santa Catarina, p.369.

41 BOSI, Alfredo. A escravidão entre dois liberalismos. In: A dialética da colonização. 4ª ed. São Paulo:

terras em regime de livre concorrência. Também subjacente a essa atitude imigrantista, a ideia de que a entrada de europeus no país representava uma possibilidade de promover o branqueamento da raça, perspectiva que se alongou até o Brasil republicano.42 Nos anos 1860 em diante, ideias mais progressistas começaram a circular entre os liberais mais radicais – da segunda geração – e outros segmentos da sociedade, dando acento para o trabalho livre/assalariado e gradual emancipação dos escravos. Nessa fase, o projeto imigrantista ainda não estava amadurecido, mas era idealizado frente à possível escassez de mão de obra. Com o tempo, o projeto ganharia expressão com as leis que favoreceriam a imigração e com o advento da abolição e da proclamação da República.43

Outra tendência já assinalada, inclusive, abraçada pelo contrato Caetano Pinto e usufruída pela família Visintainer, era a de promover a imigração europeia para colonizar o Sul do Brasil por meio da organização de pequenas propriedades. Esta perspectiva era defendida, principalmente, pelo governo imperial que almejava à defesa e ocupação dos territórios, especialmente aqueles situados nas fronteiras da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (hoje, Estado do Rio Grande do Sul).

Deste modo, podemos afirmar que houve basicamente duas tendências, duas realidades ou dois modelos de colonização: a de São Paulo, via organização de colônias nas fazendas de café dos grandes proprietários e a do Sul, via organização de pequenas propriedades. Essa distinção aparece bem nítida no estudo de Lúcio Kreutz que descreve o contexto de imigração alemã no Rio Grande do Sul para analisar o fenômeno de surgimento do professor paroquial nas comunidades rurais teuto-brasileiras (alemãs-brasileiras) de linha católica. Assevera o autor que a colonização do Sul viabilizada pelas pequenas propriedades se diferenciou essencialmente da de São Paulo, que foi promovida como suprimento de mão de obra nas grandes lavouras cafeeiras.44

Em síntese, tanto a tendência de empregar os imigrantes no trabalho da grande lavoura, caso de São Paulo, como a de aproveitá-los para colonizar o interior de um país grande como o Brasil, caso do Sul, suscitaram iniciativas particulares e políticas. Das iniciativas particulares para o caso de São Paulo, chama atenção a do senador Nicolau Vergueiro que foi pioneiro na organização de contratos de parceria com os imigrantes, modelo inaugurado na fazenda Ibicaba (SP), em 1847, que se tornou muito conhecida pelo sistema de opressão e pela resistência de colonos, como aparecem no relato citado de Davatz,

42 DREHER, Martin N. Protestantismo de Imigração no Brasil. In: Imigrações e história da igreja no Brasil.

Aparecida: Santuário, 1993.

43 BOSI, A escravidão entre dois liberalismos, p.194-245.

cujo clamor chegou até suas pátrias e deixou o Brasil mal visto por toda a Europa. Apesar disso, o modelo Vergueiro, ainda que talvez menos severo, se expandiu para vários lugares.45 Das iniciativas particulares para o caso do Sul, a de Caetano Pinto é ímpar e, por esta razão, está sendo analisada com mais vagar neste tópico.

Quanto às iniciativas políticas, segundo Piazza, o governo imperial empreendeu uma atitude normatizadora em relação à colonização a partir da Lei de Terras que determinava a medição, demarcação e utilização das terras devolutas para colonização.46 Concomitantemente, aceitava a oferta de companhias, sociedades ou empreendedores particulares, nacionais ou estrangeiros, de trazer imigrantes para povoar as terras brasileiras. É nesse contexto que Nicolau Vergueiro e outros fazendeiros foram beneficiados, bem como Caetano Pinto e outros empresários. Assim, o governo realizou vários contratos com empreendedores para introdução de imigrantes, determinou pactos e condições, com ou sem a obrigação de fundar colônias, pois os imigrantes também podiam ser destinados às grandes fazendas. Dentro dessa política, de 1850 a 1875, foram firmados 25 contratos, entre os quais o de Caetano Pinto que recebeu enormes extensões de terras no sul do país, com a condição de introduzir no Brasil, exceto na Província do Rio Grande do Sul, cem mil europeus ao longo de dez anos: italianos do norte, alemães, austríacos, suíços, bascos, belgas, suecos, dinamarqueses e franceses. A exclusão da província gaúcha se deve ao fato de Caetano Pinto ter estipulado um contrato análogo, em sociedade com outros empresários, de imigração de vinte mil europeus para lá.

Em geral, as promessas de vantagens do contrato Caetano Pinto pareciam irresistíveis aos olhos dos Visintainer e de outros emigrantes:

VI

Nem o Governo nem o empresário poderá haver dos imigrantes, a título algum, as quantias despendidas com subsídios, socorros, transportes e alojamento dos mesmos imigrantes.

VII

O Governo concederá gratuitamente aos imigrantes hospedagem e alimentação durante os primeiros oito dias de sua chegada, e transporte até as colônias do Estado a que se destinarem.

45 O sistema Vergueiro é criticado em análises como a dos autores: DE BONI, Luís; COSTA, Rovílio. Os

italianos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Caxias do Sul: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes/Universidade de Caxias do Sul, 1979, p. 31-38. Mas o sistema serviu de base para implantação de colônias em outras fazendas paulistas. Cf. ALVIM, Brava gente! LEME, Maria Luísa de Almeida. Dio, che brut estudá...: um estudo linguístico da comunidade tirolo-trentina da cidade de Piracicaba. Campinas: UNICAMP, 2001. BORTOLOZZO, As vítimas do reino da Itália.

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Seriam desdobramentos efetuados a partir da Lei de Terras: em 1854, o Decreto n. 1.318 criou a Repartição Geral das Terras Públicas; em 1858, o de n. 2.168 aprovou o regulamento para o transporte de imigrantes; em 1864, o de n. 3.254 criou o cargo de agentes de imigração; em 1867, o Decreto n. 3.784 aprovou o regulamento para as Colônias do Estado, estabelecendo as condições de fundação, distribuição de terras, condições de propriedades e administração das colônias, recepção e estabelecimento dos colonos; em fevereiro de 1879, o Decreto n. 619 organizou a Inspetoria Geral de Terras e Colonização, instituindo a hospedaria dos imigrantes e o escritório de locação de serviços. Mas em dezembro do mesmo ano o Decreto n. 7.570 revogou o Decreto das Colônias do Estado devido à insuficiência de verbas. Cf. PIAZZA, A colonização de Santa Catarina, p.107-143.

VIII

Igualmente garantirá aos imigrantes que se queiram estabelecer nas colônias do Estado a plena propriedade de um lote de terras, (...) e obrigar-se-á além disso a não elevar o preço das terras de suas colônias, sem avisar o empresário com doze meses de antecedência.

IX

Os imigrantes terão plena e completa liberdade de se estabelecerem como agricultores nas colônias ou em terras do Estado, que escolherem para sua residência, em colônias ou terras das províncias, ou particulares; assim como de se empregarem nas cidades, vilas ou povoações.

XI

O Governo designará com precisa antecedência, as Províncias, onde já tem ou vier formar colônias, a fim de que os imigrantes conheçam desde a Europa os pontos onde poderão estabelecer-se.47

Como era de se esperar, a aplicação prática das cláusulas do contrato Caetano Pinto não foi nada fácil uma vez que vários entraves surgiram no decorrer de sua execução. Vejamos alguns, em especial, os que envolvem ou estão relacionados à família Visintainer desde sua saída de Vigolo Vattaro no dia 25 de setembro de 1875.

A princípio, parece que tudo transcorreu conforme os combinados e a expectativa dos recrutados. Mas será que a memória de todo o itinerário percorrido foi resgatada pelas fontes consultadas – crônicas de Matilde, primeira cronista da congregação da Imaculada, emigrante de Aldeno, mesma região dos Visintainer; crônicas de Dorotéia, segunda cronista que reescreveu a história narrada por Matilde e a ampliou com depoimentos. Imaginamos que não, pois os escritos biográficos de Paulina, que fizeram uma revisão das crônicas, dizem apenas que: “Concluídas as práticas legais, dirigiram-se para Le Havre, porto norte-ocidental da França. Esperaram um mês antes do embarque na nave „San Martino‟ que os transportou até ao porto de Itajaí, na Província de Santa Catarina, ao sul do Brasil.”

Mas é possível imaginar os primeiros passos do grupo integrado pelos Visintainer com base na análise de Grosselli para os trentinos em geral: saindo de Vigolo Vattaro, teriam partido em direção à estação ferroviária de Trento para viajar talvez até Verona a fim de juntar-se às outras comitivas, depois continuar viajando de trem com destino a Modena. De lá partiram para Paris e embarcaram no porto de Le Havre.

Também não temos notícia do que aconteceu com os Visintainer em Paris, mas a literatura aponta uma série de problemas vivenciados nesses lugares de espera de embarque para a América. Vejam-se duas experiências que mostram como se desenvolvia a viagem até o porto de embarque e como era a parada nesse porto.

A primeira é de Francesco Sartori em Marselha, distante 780 km de Paris. De lá ele enviou uma carta para sua esposa e filhos, em 18/11/1877.48 Relata que ficou junto com outros viajantes aproximadamente 14 dias naquela cidade, provavelmente, abrigado num

47 CONGREGAÇÃO, Madre Paulina, p.40-41. 48 FRANZINA, Mérica! Mérica!, p.86-88.

navio. A certa altura, já eram cerca de 300 pessoas quando chegou uma expedição de Genova com mais 300 pessoas para embarcar no mesmo navio no qual só cabiam 350 – era um navio para levar mercadorias, e não passageiros. Havia aglomeração de pessoas até para dormir, formando a imagem de uma colmeia. Nesse ínterim, um menino de 5 anos adoeceu e faleceu; mães com filhos nos braços lamentavam-se e queriam lançar-se na água dizendo que se partissem morreriam todos antes de chegar a América, visto o que estava acontecendo ali. Eis o cardápio deles: de manhã, o café era uma água fervida sem gosto, o pão era duro como ferro e sem manteiga. Ao meio dia, um pouco de sopa de batata com pouca massa, em suma, uma água cozida com um pouco de toucinho, sem gosto. À noite, um pouco de caldo de bacalhau com batata, mas não havia nem meia noz de bacalhau, conta Sartori que acabou ganhando um pedaço de pão, comprado na cidade, de um companheiro e assim pode alimentar-se melhor. Em meio a essa situação precária em todos os sentidos, havia ainda a ameaça de viajar num navio de vela e não a vapor, mais rápido e mais cômodo, conforme previa o contrato de emigração. Frente a isso, relata Sartori, 103 chefes de família foram até o comisário de emigração e cônsul reclamar e dizer que eles queriam navio a vapor ou o dinheiro de volta. Por toda essa situação, Sartori maldisse sua decisão de emigar; pois sentia-se prisioneiro de mercadores de carne humana.

A segunda experiência é dos emigrantes de Zero Branco, região de Vêneto, a mesma dos Visintainer. As cenas do procedimento de embarque ficaram gravadas na memória deles: às cinco horas da manhã quase 200 pessoas que desejavam emigrar já estavam na praça da igreja com malas e sacos de pano com seus pertences, na companhia de alguns agentes de emigração. Depois se dirigiram à Gênova de trem. A cada parada novos retirantes juntavam- se. Chegando à Gênova eram distribuídos em várias pensões pelos agentes. Passados dois ou três dias, os agentes sumiam e eles eram expulsos da pensão. Os mais espertos iam procurar informações junto à Companhia de Navegação onde eram instruídos a apresentar-se com toda sua família no prédio do governo a fim de solicitar a emissão de passaportes. Mas muitos ficavam no pátio do cais do porto, ao relento e sem alimentação, e também sem comprovante de abono das passagens, o que lhes impossibilitava o embarque. Contudo, os emigrantes de Zero Branco e outras seiscentas pessoas que estavam em Gênova, contaram com a ajuda de Martinho da Silva Prado – aquele que recrutava pessoal do Vêneto para as fazendas de café de São Paulo. Prado mandou distribuir pão e leite, pagou os bilhetes da viagem e prometeu-lhes que não passariam mais fome. O que inferimos é que os emigrantes de Zero Branco, assim

como muitos outros, conheceram os logros dos agentes de emigração. Casos como esse eram recorrentes nas regiões de embarcação dos camponeses trentinos, afirma Grosselli.49

É provável que a comitiva na qual estavam os Visintainer teve um destino um pouco melhor a começar pelo local do embarque, o porto de Le Havre, já que a legislação francesa previa assistência médica e remédios a bordo dos navios. Além disso, pelo que pesquisou Grosselli nas crônicas e jornais italianos da época, a organização montada por Caetano Pinto tinha um bom funcionamento se comparada às outras companhias que eram alvo de constantes críticas e denúncias.

Ademais, quiçá por um ato de patriotismo ou pragmatismo, segundo Piazza, Caetano Pinto financiava a viagem desde o Havre até o Império – para os tiroleses e italianos do Norte custeava a passagem ferroviária desde a fronteira francesa até o local de embarque – apesar de o espírito do contrato não ser de tomar para si „a obrigação de dar transporte grátis aos emigrantes‟, escreve Caetano Pinto ao ministro da Agricultura, Tomás José Coelho de Almeida, em 19 de novembro de 1875. Por outro lado, Caetano Pinto também não queria ressarcimento das despesas conforme estaria interpretando o governo brasileiro e, por esta razão, esclarece: „se isso tenho feito, tem sido espontaneamente, por encarar esta questão largamente, como o interesse que nosso país exige.‟ Quer dizer: o governo temia ter mais gastos, porém, o contratante não estava exigindo nenhum reembolso; em outra correspondência Caetano Pinto salienta a necessidade de regularização dos pagamentos, certamente atrasados, sinal de que o governo não estava cumprindo sua parte no contrato.50

Do ponto de vista dos emigrantes, as opiniões variam sobre a organização da viagem da Companhia Caetano Pinto. Uma carta de uma mulher de Calliano, Adami Amalia, que estava no porto de Lavre em setembro de 1875, na mesma época dos Visintainer, retrata a viagem até o porto de embarque para a Mérica organizada pelos agentes da companhia.

„(...) esta manhã chegamos ao porto e com a ajuda de Deus bastante sadios e tivemos uma viagem feliz até aqui e amanhã às 8 horas se embarcaremos (...). Digo-lhes que tivemos sorte tendo junto o Senhor Pacifico (Rella, ndr) que fez todo o possível (...) para poder conduzir-nos ao porto com rapidez (...)‟.51

Uma crônica publicada no jornal Voce Cattolica em novembro de 1875, escrita pelo padre Bartolomeo Tiecher, que também fazia parte da comitiva de emigrantes, narra episódios vividos em Modena e depois no porto de Havre.

„Modena, 27 de outubro. Tendo saído da estação de Verona à noite de 24, fomos alojados menos mal na hospedaria da Chitarra a nossas expensas. Surgiram de imediato várias

49 A experiência foi narrada por Bortolozzo em As vítimas do reino da Itália, p.37; 41-46. As observações de

Grosselli estão em: Vencer ou morrer, p.223-225; 234.

50 PIAZZA, A colonização de Santa Catarina, p.163-164. 51 GROSSELLI, Vencer ou morrer, p.224.

dificuldades por causa de nossas moedas, porque para a viagem são necessários francos em ouro ou em prata. Partimos no dia 25 de Verona em número de 700 pessoas, e talvez mais, todos trentinos, seguindo a mesma meta. No raiar do dia 26 chegamos a Modena, onde nos alojamos em várias pensões; o tratamento, por quanto as circunstâncias o podem permitir, bom. O Sr. Nardelli, nosso condutor, mostrou em tudo muita solicitude e bom coração. Nós partimos daqui hoje às 2 da tarde para Paris, onde nos precedeu o Sr. Nardelli. Nossos passaportes a ele