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Capítulo 4. Corpos em movimento: a congregação

4.1. Práticas desviantes no tempo de associação

Após o velório e sepultamento da primeira doente atendida no “Hospitalzinho de São Virgílio”, a senhora Lucia Angela Viviane Zoner, ocorrido no final de setembro de 1890, “o povo de Vígolo e outros”, provavelmente os familiares das jovens, esperavam – segundo as crônicas – que elas fechassem o casebre e voltassem para suas casas. Ao contrário da expectativa vigente, as duas não só permaneceram no casebre como deram mais um passo: por iniciativa pessoal quiseram fazer os exercícios espirituais de Inácio de Loyola, não como certamente já haviam feito em suas famílias, quando os jesuítas pregavam o retiro intercalado com o trabalho dos colonos, mas dedicando oito dias exclusivamente à oração. E nisso seriam auxiliadas por outra mulher: Magdalena Ogliari, uma jovem senhora que se juntou a elas após o falecimento de Angela, se encarregaria dos serviços domésticos enquanto elas fariam o retiro.

Por esta informação, detectamos o início da construção de uma rede de mulheres, necessária para se apoiarem, sobretudo, quando fazem coisas que não são delas, ou seja, tarefas que não são atribuídas historicamente às mulheres, tais como refletir, contemplar e planejar a própria vida e missão durante um retiro espiritual. Com Schiebinger, que discute esta questão na vida das mulheres que seguem carreira acadêmica ou profissional, podemos dizer que a renúncia à vida cotidiana – no caso de Amabile e Virginia, para fazer o retiro teriam que renunciar às lides da casa, roça e pessoas doentes – requer que estas mulheres tenham alguém para providenciar as necessidades da vida. A autora diz ainda que: “Apenas um corpo sem outros corpos dele dependentes pode ser verdadeiramente transcendente.”3

Conforme veremos, pouco a pouco, outras mulheres irão para o casebre para atuar nesta perspectiva de providenciar as necessidades cotidianas para que algumas companheiras possam transcender, isto é, se dedicar um pouco mais à religião e aos variados trabalhos que assumiam para sobreviver e atender as demandas da comunidade (doentes e meninas para educar). Esta prática dará origem ao grupo das “auxiliares”, do qual falaremos mais adiante.

Então, seguindo essa inspiração e essa necessidade de transcender, Amabile e Viriginia consultaram o padre confessor, Marcello Rocchi, para que lhes desse “um pouco de direcção neste importante negócio”, conta a cronista Matilde – na biografia oficial de Amabile (Paulina) esse gesto é interpretado como um pedido de licença ao padre para fazer o retiro e não uma consulta para orientação, colocando as duas jovens na condição de subordinadas ao seu diretor, ao passo que a narrativa de Matilde, que viveu a cena, dá a entender que elas já tinham tomado a decisão de fazer um retiro, mas precisavam de uma orientação.

Na versão de nossa cronista Matilde, padre Rocchi logo respondeu: “Tendes o livro dos exercícios explicado pelo padre (...) e (...) eu não poderia aconselhar-vos melhor”. Na realidade, conforme relata Matilde, ele estava comprometido com outra missão e não poderia orientá-las durante o retiro. Apenas emprestou-lhes um relógio para delimitar bem as horas da meditação. Mais uma vez elas tiveram que exercer seu autodidatismo, se servindo das obras Esercizii spirituali secondo il método di S. Ignazio di Loyola, do pe. Luigi Bellecio, e La monaca in casa, do pe. Giuseppe Frassinetti. Lendo essas obras do seu jeito, mastigaram e ruminaram as ideias a partir de sua cultura, espécie de jaula flexível e invisível dentro da qual cada indivíduo exercita sua liberdade ou usa seu próprio filtro, conforme afirma Ginzburg.4 Assim, de acordo com a jaula flexível de seu tempo, de raiz camponesa e católica, portadora de uma cultura oral, mas alfabetizada, Amabile e Virginia tiraram suas próprias conclusões.

(...) começamos a passar todas as horas do dia em meditações, exames de consciência, orações vocaes segundo as indicações do livro (...).

Dormíamos apenas três horas e o nosso alimento era de um pouco de sopa, verdura, alguma vez um poucadinho de peixe, algumas colheradas de farinha de mandioca e uma xícara de café feito com arroz torrado.5

Ao final dos oitos dias, devido ao jejum e pouco repouso, elas estavam abatidas, cansadas e enfraquecidas. Quando foram prestar contas ao seu diretor, ele as repreendeu dizendo para elas “moderar seu espírito de mortificação”. O jesuíta deu também uma lição de casa: “ordenou-lhes copiar de certo livrinho 38 pequenas regras”. Mais tarde, a biógrafa de madre Paulina, irmã Célia B. Cadorin, descobriu que esse “livrinho” era: Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.

Podemos tirar algumas conclusões: elas utilizaram suas próprias chaves de leitura para ler e praticar os exercícios inacianos, ou seja, leram e meditaram com seu próprio filtro. Dessa maneira, não respeitaram os intervalos de descanso, não repousaram e nem se

4 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.25.

5 MADRE MATILDE. História da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição: 1875-1895.

alimentaram direito, mas observaram o jejum e a mortificação corporal, provavelmente, ancoradas numa piedade rigorosa que regia a prática dos católicos europeus até meados do século XIX, e permanecera entre elas: tratava-se de uma piedade que exaltava a dor como a paixão de Cristo e o culto a Nossa Senhora das Dores.6

Pode ser também que elas estivessem praticando, mais especificamente, aquilo que aprenderam das Máximas Eternas de Afonso de Ligório, que era um velho conhecido, pois desde a infância Amabile utilizava a citada obra que fora trazida por seus pais na bagagem de viagem de Vigolo Vattaro para o Brasil, uma prática recorrente dos imigrantes italianos conforme já acenamos. Na juventude, antes de fundar o casebre/hospital, Amabile e Virginia recorriam às Máximas eternas para aprender a meditar; afinal, era obra popular, escrita por um autor conhecido, cuja teologia marcara a piedade italiana e fora disseminada pela Igreja, principalmente no Oitocentos, período da restauração católica. De fato, Ligório (1696-1787) pregava oração, esmola e jejum em vista de preparar a pessoa para um desprendimento de si e das coisas materiais.

As teses de Ligório influenciaram, sobremaneira, a piedade católica nesse século, pois modificaram a sensibilidade religiosa no que diz respeito à familiaridade com o sagrado: Deus era objeto de amor e não alguém que amedrontava, conforme pregava a teologia anterior. Além da relação com o sagrado, a nova teologia funcionou como elemento de controle da identificação pavorosa da morte com os sofrimentos de Cristo. Vista dessa forma, a morte podia ser encarada em seus mínimos detalhes, fazendo o fiel questionar-se e remir-se dos pecados em todo instante. Enfim, uma cultura de morte permeia a teologia de Ligório, influenciando manuais de piedade e tratados ascéticos sobre a boa morte, ressalta Michela Giorgio.7

Nessa cultura, talvez aos olhos dos fieis, a morte era uma realidade mais poderosa que Deus, porque poderia ser compreendida concreta e intelectualmente – haveria um dia, lugar, estação e hora para a alma abandonar o corpo, conforme o imaginário da época. Ao passo que Deus, apesar de ser pregado como um ente mais familiar e amoroso, era uma figura um tanto difusa, definida mais em termos de abstrações intelectuais do que em imagem, testemunha Karen Armstrong.8 Trata-se, então, de uma teologia que pregava a familiaridade com a morte como realidade inteligível, preceito que se afinou com a sensibilidade feminina romântica do

6

Cf. CORBIN, Alain. Bastidores. In: PERROT, Michelle. História da Vida Privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra, v.4. 9ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.436-437; 442-446; 475-480; 503-509.

7 GIORGIO, Michela. O modelo católico. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres. O

século XIX. Porto: Afrontamento, 1991.

8 ARMSTRONG, K. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo.

período, analisa Michela Giorgio. É exatamente o que vemos na trajetória de Amabile e Virginia: elas não temiam praticar suas devoções até as últimas consequências porque a morte não as amedrontava. Especialmente porque tinham acabado de acompanhar a agonia, velar e sepultar a doente; talvez o episódio, mais um acaso do cotidiano, tenha motivado a iniciativa pessoal delas de fazer o retiro com seu próprio filtro.

Tudo adiante com o tempo e não tendo experiência pensamos que devíamos fazer austeridades e penitências: pensando que para a santificação de uma alma além das orações prolongadas, e das esmolas devia-se jejuar.

Jejuávamos rigorosamente três dias por semana; quasi nunca comíamos carne, e nos sustentávamos só com um pouco de sopa, e verdura. Isto continuou de 1880 até 1890.

Foi tanta esta austeridade que acompanhava as occupações resignadas que chegamos, como (...) dois esqueletos, e foi milagre que não perdemos a vida.9

Portanto, o “espírito de mortificação” que atrapalhara o desenrolar do retiro inaciano, conforme avaliou o jesuíta, deveria ser moderado, mas não precisava ser extirpado. De fato, como esclarece Corbin,10 a partir de meados do século XIX as mortificações declinaram, pois foram consideradas pouco adequadas ao corpo feminino; inaugurara-se a prática dos pequenos sacrifícios, já que a Igreja estava feminizando o catolicismo (cf. capítulo 3) e precisava levar em consideração o discurso médico que sublinhava a fragilidade da mulher.

Seja como for, Amabile e Virginia moldaram sua piedade dando “ênfase aos exercícios espirituais de Santo Afonso e de Santo Inácio: meditação, mortificação, esmola, direção espiritual”, escreve irmã Terezinha Negri,11

uma das historiadoras da congregação na atualidade. Este tipo de piedade marcaria a nova congregação religiosa ao longo de muitas décadas – uma prova significativa: em 1929 as irmãs publicariam os AVISOS, Conselhos e Instruccções do jesuíta Luigi Maria Rossi, como texto básico de vida espiritual da congregação, mas não deixariam de incluir o “opúsculo de Santo Affonso de Ligorio relativo às Religiosas”.

Ancoradas nessa piedade de mortificação, Amabile e Virginia iniciaram, por outro lado, um aprendizado que sustentava a teia de relações de subordinação dentro da Igreja e das organizações religiosas, já que essa piedade se reportava às teologias afonsiana e jesuítica, as quais, seguindo a tendência da época, se fundamentavam, sobretudo, no princípio de obediência a Deus que se manifestava por meio de seus representantes na terra: papa, bispo, padre, superior e superiora de congregações, diretor espiritual e outras figuras de poder.

9 M. MATILDE, História da Congregação, p.26-27. 10

CORBIN, Bastidores, p.437.

11 NEGRI, Terezinha Santa, IIC. Madre Matilde: co-fundadora da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada

Aqui é necessário relacionar a questão à restauração católica no período, discutida no segundo capítulo: o princípio da obediência encontrava eco no contexto da reforma do catolicismo, momento em que a Igreja almejava fortalecer seu poder e uma das formas era investir na clericalização. Nesse sentido, a concepção teocrática de autoridade continuava funcionando como mecanismo de sustentação do poder religioso. Com poucas palavras, a autoridade eclesial constituída deveria ser concebida como representante legítima de Deus e de seus desígnios para homens e mulheres, restando aos subordinados submissão e obediência. Esse modelo eclesial, de linha tridentina, encontrou nos jesuítas um dos baluartes mais fortes, diz Azzi.12

Com base nesses contextos e pressupostos, podemos compreender a ação dos jesuítas sobre a nova congregação feminina: trata-se de criar uma sociedade hierárquica perfeita, regida por mulheres que atuavam sob as asas deles. É o que observaremos mais adiante, em especial, a partir de 1900, mas cuja construção simbólica seria feita nos retiros e em outros momentos de pregação e orientação espiritual, com destaque para os exercícios espirituais de oito dias consecutivos, momento considerado propício para buscar somente a vontade de Deus e de seu desígnio, a fim de obedecê-lo o mais fielmente possível. Nesse pensamento, caberia a elas respeitar as ordens divinas e se submeter docilmente aos porta-vozes de Deus. Sendo assim, as novas irmãs ficariam com seus corpos em movimento, pendendo ora para a prática em favor de suas inspirações, ora para a “santa obediência”.

Enfim, o retiro de julho de 1890 marcou simbolicamente a iniciação delas à cosmovisão e à teologia inacianas, que no futuro permeariam sua vida pessoal e a vida institucional da nova congregação. Contudo, os jesuítas teriam muito trabalho pela frente, porque elas ainda não conheciam a regra da “santa obediência”.

Não deixava por certo o nosso Director de insistir connosco sobre este modo de operar que tem aquelles que tem a virtude da santa prudência; mas não podemos negar que nós nos deixávamos mais levar pela nossa inclinação natural, do que pela obediência. Isto não procedia da falta de vontade; mas era porque não conhecíamos o valor intriseco da santa Obediência. Aquillo, que nos ditava o sentimento da nossa devoção, era então para nós a suprema regra do nosso operar (...). (grifo nosso)13

Na visão da cronista Matilde esse jeito de operar (desviante!) era oriundo de sua cultura familiar e da rudeza dos costumes da casa dos seus pais, onde elas podiam fazer muitas coisas que não pressupunham do espírito para a docilidade necessária à vida regrada. Deste modo, práticas desviantes as acompanharam desde os primeiros anos vividos em

12

AZZI, Riolando. O altar unido ao trono: um projeto conservador. São Paulo: Paulinas, 1992, p.92. (Coleção História do Pensamento Católico no Brasil, 3).

Vígolo (1890-1894), mas seriam duramente combatidas por elas mesmas após o processo de consolidação das regras e hierarquias de sua congregação, 1909 em diante, e isso transparece nas crônicas de Matilde. Quando ela se refere aos eventos passados, interpreta-os de acordo com sua nova visão de vida religiosa:

E como Elle [Deus] amava a obra de sua Mãe Immaculada [congregação] soube usar de meios fortes, para arrancar à força de perto de nós quem podia fazer-nos desviar daquella imitação dedicada e pura de sua obediência, a qual O levou até a morte e à morte de cruz, e estou certa que depois da nossa saída, na pequena casa que foi o nosso verdadeiro noviciado [em Vígolo], embora por ignorância, commetemos muitas vezes faltas contra a santa Obediência.14

Essa representação de obediência fazia parte do padrão de comportamento exigido das mulheres na categoria de filhas, esposas, irmãs, cunhadas ou freiras. Obviamente havia desvios ocasionais e cotidianos como mostra a cronista quando fala de sua cultura familiar. Todavia, prevalecia a norma da obediência que era reproduzida nos mais variados micro- organismos sociais que operavam sob o prisma da hierarquização e das relações de poder entre comandantes e subordinados, entre homens e mulheres.

A obediência torna-se, então, a virtude por excelência, o grande dever dos subordinados. Uma vez que toda autoridade vem de Deus, os dirigentes, bons ou maus, autoritários ou não, convertem-se em representantes diretos da divindade e devem ser obedecidos com docilidade e respeito. Numa sociedade classista, tal concepção justifica a dominação da classe dirigente sobre as classes trabalhadoras, legitimando a prepotência daquelas e infundindo nestas a submissão passiva aos seus exploradores.15

Segundo as fontes consultadas, a imposição desse princípio de obediência acompanharia o processo de expansão e de oficialização da nova congregação e o processo de conversão de suas protagonistas que, de associadas passariam a “Filhas da Imaculada Conceição”. A Amabile, que se converteria em madre Paulina, seria atribuída uma imagem de mulher obediente até a morte! Embora este ícone de mulher obediente perdure até hoje, não é bem o que está sendo mostrado em nossa análise de sua trajetória. Os exemplos proliferam. Continuaremos a ver suas práticas, e de outras irmãs, em Vígolo e depois em Nova Trento.

Sociedade de mulheres

Conforme inferimos das crônicas de Matilde e de Dorotéia, atender o público-alvo do casebre/hospital de Vígolo exigia muito esforço. Era majoritariamente um público feminino de faixa etária abrangente e diversa: desde meninas pequenas até senhoras “sexagenárias”. Algumas mães de família também habitavam o casebre até recuperar a saúde. Outras recebiam atendimento domiciliar, como foi o caso de uma gestante que tinha um câncer de

14 Ibid., p.119. 15

NUNES, Maria José F. Rosado. Prática político-religiosa das congregações femininas no Brasil – uma abordagem histórico-social. In: AZZI, Riolando; BEOZZO, José Oscar (orgs.). Os religiosos no Brasil: enfoques históricos. São Paulo: Paulinas, 1986, p.199. (Coleção Estudos e Debates Latino-americanos, 17).

garganta, mas com a assistência das duas “enfermeiras” e uma novena à Virgem de Lourdes curou-se e ficou apenas com uma cicatriz, podendo retornar às atividades e cuidar de sua filhinha recém-nascida. Da mesma forma, crianças da comunidade frequentavam a casa delas para aprender catecismo e cânticos marianos. Meninas órfãs e de famílias, entre as quais algumas que se tornariam candidatas à vida religiosa, passaram a residir com as jovens a fim de serem educadas por elas.

Figura 11: Mulher curada de um câncer de garganta junto com seus pais (Fonte: M. DOROTÉIA, História da Congregação, v.1, p.30)

Com o tempo, Amabile e Virginia passaram a formar “ótimas religiosas”. Foi no final de 1890 que começaram a recebê-las, aproveitando as circunstâncias que conspiravam a seu favor. Afinal, desde o tempo de freiras-leigas elas compartilhavam do desejo de “cultivar o espírito de outras meninas” – assim dissera Amabile a Virginia quando as duas tiveram um diálogo decisivo a respeito de sua vocação religiosa, tratado no capítulo anterior. Mais tarde, durante a escrita da história, Matilde interpretaria o resultado desse desejo: “Jesus velava sobre nós pobres ignorantezinhas, para que a seu tempo fossemos acompanhadas e seguidas por grande número de jovens de optima vontade no serviço de Deus pelo caminho da perfeição religiosa”. Foi quase o que aconteceu com a já citada Magdalena Ogliari, “uma boa mulher” que fora morar no casebre em outubro de 1890, depois da morte da doente Angela, mas segundo a cronista Matilde, anos mais tarde retornara à casa de seus parentes.

Entre as primeiras meninas a residir no casebre está Helena Dallabrida (1884-1950), de apenas 6 anos. Quando as meninas da vizinhança visitavam Amabile e Virginia, certo dia, talvez em novembro de 1890, Helena disse que queria ficar com elas, conta a cronista Matilde. Sabendo disso, os pais da garota pediram que elas acolhessem Helena por alguns dias, mas o tempo passou e ela não quis voltar para sua casa. Seus pais acabaram levando sua caminha para o casebre. Na realidade, Helena queria imitar Amabile e Virginia. Em 1902, faria votos, vestiria hábito e seria chamada de irmã Rosa de Santo Estanislau.

Ainda nesse ano, chegara uma senhora doente, a “sexagenária”, cujo nome é desconhecido. Lá permaneceria até sua morte, talvez em 1894, pois Matilde diz que essa missão durou 4 anos. A presença dessa “sexagenária” acabou chamando atenção de outra mulher: dia 8 de setembro de 1891, Teresa Anna Maule (1862-1950), uma imigrante da mesma região de Amabile e Virginia (Calliano – Trento/Itália), foi residir no casebre. Conta Matilde que “em suas repetidas visitas a doente Theresa Maoli [Maule] considerava o nosso modo de viver, e ficou tão presa que pedio decididamente que a tomássemos em nossa companhia. Nós, achamos isto bom e a aceitamos”.

Observamos que Teresa ingressou bem no início do casebre/hospital e foi freira até morrer. É considerada pela cronista Matilde cofundadora da congregação. Porém, Teresa é uma daquelas irmãs que aparece nos bastidores da narrativa e das ações de suas companheiras. Em geral, pouco se diz sobre ela, a não ser que era uma mulher de comportamento exemplar: obediente, submissa, paciente, conhecida e estimada pelas famílias da comunidade; enfim, uma “freira em casa”, sintetiza a historiadora da congregação, irmã Terezinha Negri, que quase cem anos após o ingresso de Teresa ao casebre de Vígolo, tentou escrever sua biografia dentro da perspectiva de resgatar personagens relevantes por ocasião do primeiro centenário de sua congregação (1890-1990). Revirou arquivos, fez entrevistas com irmãs mais velhas e com neotrentinos que conheceram Teresa, mas os resultados de sua pesquisa só permitiram produzir um texto poético que fala da “estranha missão de obscuridade” de Teresa, imbricada com fatos e feitos de suas companheiras e eventos de sua congregação. Um trecho de seu poema, respeitando a apresentação gráfica de Negri:

Passei dois anos à sua procura... Procurei-a,

nos livros de 1875 a 1950.