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II PROCESSOS MUSEOLÓGICOS EM SÃO MIGUEL: 1974-

28. Casas do Pescador

A Associação Marítima Açoreana506 promoveu a criação de três espaços museológicos, designados Casa do Pescador, localizados em Água de Pau, Mosteiros e Rabo de Peixe, integrados no projecto Mudança de Maré507, no âmbito da iniciativa comunitária EQUAL508.

504 Couto, 2007b: 6.

505 De Setembro de 2003 a Setembro de 2008.

506 Instituição Particular de Solidariedade Social que actua nas comunidades piscatórias, nas seguintes áreas de trabalho: inserção

social (desenvolvendo estratégicas de forma a estar mais perto dos pescadores e das suas famílias, auscultando no terreno quais os principais problemas e preocupações;); informação, formação e sensibilização (diagnosticando estrangulamentos na oferta formativa; apresentando soluções, modelos que melhor se ajustem à dinâmica destas actividades); valorização da pesca e das comunidades piscatórias (dando visibilidade às comunidades piscatórias e promovendo a sua qualidade). Foi fundada em 1999 pela Cooperativa Porto de Abrigo, Coopescaçor e Sindicato Livre dos Pescadores.

507 Ao abrigo da iniciativa comunitária EQUAL, um grupo de organizações, ligadas directa ou indirectamente ao sector das

pescas, desenvolveu, em parceria e em rede, o projecto Mudança de Maré, através do qual se pretendia a valorização e desenvolvimento da Pesca Artesanal Açoriana. No âmbito desse projecto criaram-se diversos instrumentos de valorização das comunidades piscatórias açorianas, sua cultura e património, designadamente, os núcleos museológicos – Casa do Pescador.

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A iniciativa de criação de núcleos museológicos centrados na pesca artesanal foi motivada pela necessidade de potenciar novas perspectivas sociais e profissionais para as comunidades piscatórias, associada à urgência de registo de tradições e preservação de artes de pesca, face à mudança global e inevitável imposta ao sector.509 As Casas do Pescador surgiram pelo facto da pesca artesanal se encontrar ameaçada pelo desaparecimento, dos saberes antigos de que os pescadores são portadores (a aprendizagem na pesca é sobretudo fruto da prática feita junto dos pescadores mais experientes e apenas de transmissão oral), e de um espólio ligado à pesca, com inegável valor, mas muitas vezes desvalorizado pelos pescadores como meros utensílios de trabalho ultrapassados.

Após a selecção de uma comunidade alvo para a criação do núcleo museológico, identificados e contactados potenciais parceiros, a primeira etapa da organização das três Casas do Pescador consistiu na apresentação do projecto aos pescadores, tentando desenvolver neles a consciência de que os núcleos museológicos são um espaço seu. Seguidamente, realizaram-se recolhas de objectos, imagens, sons e informações, no âmbito das quais foi feito um apelo aos pescadores, para doarem ou cederem objectos ligados à sua actividade. As comunidades piscatórias estiverem, sempre que possível, envolvidas nos trabalhos, quer através da recolha de espólio, quer na montagem das exposições, ou ainda através da sua participação em reuniões, acções de formação, entre outros. De facto, as estratégias em que se apoia esta iniciativa visaram envolver a população no reconhecimento e na preservação do seu património.

De referir também, que foram estabelecidas parcerias com órgãos autárquicos, indivíduos e instituições locais, visando a conjugação de esforços.

Segundo os seus responsáveis, estes núcleos museológicos tiveram um processo de criação invulgar, pois o processo mais comum de origem de instituições de cariz museológico tem

508 A iniciativa comunitária EQUAL foi criada pela Comissão das Comunidades Europeias, tendo como objectivos a promoção

de novas práticas de luta contra as discriminações e desigualdades de qualquer natureza relacionadas com o mercado de trabalho, através de uma cooperação transnacional.

186/318 geralmente como ponto de partida um determinado espólio, que carece ou justifica uma

protecção adequada, e a partir do qual se cria a instituição que de seguida estuda e explora esse espólio através da sua mostra ao público, associando-lhe acções de carácter educativo e/ou interventivo. Neste caso particular, esse processo foi invertido, e procura-se desde o início o envolvimento da população local. Da componente educativa e social a que se prende a sua origem, parte-se para o melhor conhecimento e recolha de um património disperso e pouco protegido.510

As incorporações efectuadas foram inventariadas num sistema de gestão de informação documental, com uma base de dados museológicos idêntico ao utilizado nos museus da rede regional dos Açores, opção tomada com a orientação do Museu Carlos Machado e que visa uma maior facilidade na disponibilização da informação recolhida a todos os interessados. De referir que foi estabelecido, em Março de 2004, um protocolo de parceria entre a Associação Marítima Açoreana e a Direcção Regional da Cultura, através do Museu Carlos Machado.511

A nível expositivo, importa salientar que os objectos são sempre acompanhados por informação e imagens adicionais, que descrevem o seu uso e enunciam algumas das suas características principais.

As três Casas do Pescador funcionam em articulação, e têm como objectivos genéricos: promover a cultura dos meios piscatórios açorianos; recolher, preservar e manter o património ligado ao mar, à pesca tradicional e à etnografia das comunidades piscatórias; valorizar as artes e os saberes tradicionais da pesca; divulgar locais e acções de interesse na região; educar junto das comunidades piscatórias e contribuir para uma mais valia na oferta turística da região; apoiar o pescador e o turista.512

510 Rodrigues e Silva, 2003: fl. 3. 511 Arquivo do Museu Carlos Machado.

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Para além da função museológica, as Casas do Pescador assumem-se também como valências de apoio aos pescadores na resolução de algumas das burocracias inerentes à sua vida profissional, bem como receber informação e formação.

Esses espaços museológicos destinam-se ao público em geral, porém, os diferentes públicos (crianças/escolas, mulheres, pescadores activos e idosos por um lado e turistas e investigadores por outro) são envolvidos através de estratégias específicas, enquadradas num conjunto de actividades de potenciação social e formativa. A visita àqueles espaços é sempre acompanhada por funcionários que aí trabalham, tendo havido também a preocupação em elaborar alguns conteúdos interpretativos.

De salientar ainda que, no âmbito do projecto Mudança de Maré, paralelamente à criação dos núcleos museológicos, foram desenvolvidos outros projectos que se interrelacionam e complementam com aqueles, designadamente, investigação bibliográfica e pesquisa de terreno, ilustração e caracterização das Artes de Pesca Artesanal dos Açores em suporte poster, edição de publicações, participação em exposições temáticas e desenvolvimento de campanhas de sensibilização ambiental. A esse respeito salienta-se ainda a exposição itinerante Artes de Pesca

Artesanal dos Açores, que foi criada como extensão do papel desenvolvido pelos núcleos

museológicos na divulgação do património, e que permite dar a conhecer fora das comunidades esse mesmo património e o saber a ele associado, de forma a fomentar no público a curiosidade e o conhecimento em torno dos pescadores e das pescas. Nos núcleos museológicos foram integrados objectos de várias ilhas do arquipélago açoriano.

28.1. Casa do Pescador de Água de Pau

Este espaço museológico surgiu a 6 de Agosto de 2003, do esforço conjunto da Associação Marítima Açoreana e da Junta de Freguesia de Água de Pau, no âmbito do projecto Mudança de Maré.

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O edifício onde se encontra instalado, antiga casa de habitação de traçado tradicional, foi cedido pela Junta de Freguesia local, que o havia adquirido em Abril de 2002.

A Casa do Pescador, para além da sua vertente museológica, tem por objectivo dar assistência aos pescadores da Caloura, promovendo encontros, colóquios e outros meios de formação. Serve igualmente de elo de ligação entre a actividade piscatória e as instituições que regem os pescadores.

Tem exposta uma colecção de objectos relacionados com o mar, assim como uma colecção de fotografias, que mostra a actividade piscatória desenvolvida ao longo dos últimos anos no Porto da Caloura. Grande parte dos objectos que constituem a exposição foi facultada pelos próprios pescadores da terra.

A Casa do Pescador de Água de Pau tem um pequeno espaço onde estão expostas para venda algumas peças de artesanato alusivas ao mar e aos pescadores.

28.2. Casa do Pescador dos Mosteiros

Inaugurada no dia 27 de Março de 2004, foi criada pela Associação Marítima Açoreana em parceria com a Cooperativa Porto de Abrigo e com a Associação de Juventude da Candelária, no âmbito do projecto Mudança de Maré, em parceria com o projecto Extremos de Ilha, este último promovido pelo Instituto de Acção Social.

Este projecto contou com o apoio e sugestões da comunidade piscatória daquela localidade, que desde o princípio participou na iniciativa.

A Casa do Pescador dos Mosteiros inclui um espaço museológico, onde é retratada a actividade piscatória naquela localidade, nomeadamente, através de uma exposição das artes de pesca, que contempla as principais tradições locais, do passado e do presente.

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Situada junto ao porto, a sua localização privilegiada permite testemunhar ao vivo o quotidiano da pesca, e uma maior proximidade à comunidade local, constituindo ainda, um ponto de apoio aos pescadores.

Este espaço constitui ainda uma oferta cultural e turística única naquela freguesia, pretendendo ser a interface entre os visitantes e os pescadores locais.

28.3. Casa do Pescador de Rabo de Peixe

Inaugurada no final de 2004, foi criada pela Associação Marítima Açoreana, no âmbito do projecto Mudança de Maré.

Aproveitando as instalações onde funcionava a sede daquela associação, esta casa inclui um espaço museológico, onde podem ser observados aspectos da pesca tradicional açoriana.

A exposição, que integra diversos objectos relacionados com a pesca e a construção naval, inclui peças doadas pelos pescadores da comunidade local, que colaboraram na montagem do espaço museológico.

Este projecto tem uma vertente de intervenção social, servindo de local para acções de formação, encontros e reuniões da comunidade piscatória da vila.