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Centro Cultural da Caloura

II PROCESSOS MUSEOLÓGICOS EM SÃO MIGUEL: 1974-

30. Centro Cultural da Caloura

O Centro Cultural da Caloura surgiu a partir da colecção privada do pintor Tomaz Borba Vieira, que durante anos reuniu um acervo de obras de arte, maioritariamente de artistas que são referências incontornáveis na história da arte portuguesa do século XX, sendo também dada grande importância à presença de obras de artistas açorianos.

Tomaz Vieira nasceu em 1938, em São Miguel, licenciou-se em Pintura, pela Escola Superior de Belas-Artes, em Lisboa, onde mais tarde veio a ser Assistente em Pintura, obteve o grau de Master of Education, na Boston University e foi bolseiro da Fundação Calouste

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Gulbenkian em Florença. Ao longo do seu percurso profissional, foi professor do Ensino Secundário e Assistente em Didáctica das Expressões na Universidade dos Açores. Como artista, tem desempenhado um papel pioneiro na produção e exposição de pintura contemporânea, e tem sido reconhecido com diversos prémios que revelam a qualidade da sua obra. Paralelamente ao trabalho artístico, exerce uma actividade pedagógica que não se resume à sala de aula, intervém

na imprensa local e em revistas da especialidade com temas sobre artes plásticas, e no programa “Espaço Vital” da Rádio Televisão Portuguesa-Açores, onde apresenta as obras de alguns dos principais artistas açorianos. É esta actividade educativa, a par com uma cidadania participativa de agente cultural activo e consciente, que justifica o projecto do Centro Cultural da Caloura.526

Em 1997, no Relatório de enquadramento e rentabilização de uma colecção de arte, Tomaz Vieira apresentava o seu projecto, no qual transparece desde logo uma intenção nítida de combate à indiferença, uma vontade de intervir civicamente e promover o desenvolvimento.527

O incentivo de alguns amigos, como o Padre João Caetano Flores, contribui também para a criação do Centro Cultural da Caloura que, segundo o seu proprietário, nasceu para mostrar uma colecção particular de Arte, permitindo que as obras pudessem desempenhar, publicamente, a vocação comunicadora própria de toda a obra de arte.528

Este espaço museológico foi construído na fajã da Caloura, em terrenos compartimentados por muros de pedra solta, outrora protectores de vinhedos e situa-se numa propriedade constituída por duas parcelas agrícolas. Numa das parcelas ergue-se a habitação e estúdio de Tomaz Vieira, onde podem ser apreciadas as reservas da colecção, e na outra ergue-se a estrutura do Centro Cultural, da autoria do gabinete de projectos do arquitecto Roberto Oliveira. Esta última, com uma área coberta de 220 m2 e espaços verdes envolventes, onde é respeitada

526 França, 2006: fl.2. 527 Vieira, 1997: fl. 1.

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intencionalmente a paisagem existente, está vocacionada para uma utilização polivalente, podendo dar lugar a exposições diversas, palestras, colóquios, performances, Workshops.

A localização deste Centro Cultural contribui para descentralizar funções culturais, normalmente sedeadas em zonas urbanas. Segundo Tomaz Vieira, a descentralização do projecto para o meio rural promove o desenvolvimento local, e permite a correlação do património natural e construído, com o desenvolvimento de actividades culturais relevantes529.

Ao longo do processo de concepção e construção do museu, de realçar o entusiasmo do seu promotor, perante as dificuldades burocráticas com que se deparou quando diligenciou esforços, junto de diversas entidades do Governo Regional dos Açores, a fim de enquadrar aquele projecto num programa de apoio financeiro. Acabou por ter de assumir um estatuto de empreendimento comercial, para lhe poder ser conferido apoio pela Associação para o Desenvolvimento e Promoção Rural (A.S.D.E.P.R.), financiada com fundos europeus do programa LEADER+.

A 4 de Junho de 2005 abriu ao público o Centro Cultural da Caloura, projecto pioneiro na medida em que se assume como um primeiro pólo de Arte Contemporânea530 nos Açores.531 Neste espaço museológico, encontramos uma exposição de obras de arte contemporânea de diversos artistas do século XIX até à actualidade, e inclui obras de pintura, escultura, gravura, desenho e colagem, todas devidamente inventariadas.

Esta colecção começou a constituir-se com o avô paterno de Tomaz Vieira, o Doutor Thomaz de Borba Vieira, médico de profissão, contemporâneo e amigo de Reinaldo dos Santos, de Canto da Maia e do pintor Domingos Rebelo, e frequentador do meio artístico da sua época. Mais tarde, o neto deu continuidade à colecção.

Em relação à proveniência das obras que constituem actualmente a colecção, podemos referir a herança, uma vez que Tomaz Vieira herdou um quinto da colecção do avô paterno, a doação,

529 Vieira, 1997: fl. 1. 530 Idem.

531 Apenas no Museu Carlos Machado e no Museu de Angra do Heroísmo, museus regionais, existiam colecções de arte

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em pequeno número, e a aquisição, nomeadamente ao longo das décadas de sessenta e setenta do século XX, quer em leilões e exposições, quer através da Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, do qual Tomaz Vieira foi fundador. Uma parcela considerável da colecção resultou ainda da troca de obras com amigos, colegas (artistas da geração do pintor/coleccionador - décadas de sessenta e setenta) e alunos (artistas mais novos - década de noventa e principio do século XX).

Os critérios com que selecciona as suas obras dizem respeito ao seu gosto pessoal pela expressão simples, depurada, e são as obras com as quais se identifica, considerando-se um

recolector e não um coleccionador.532 A relação de proximidade que mantém com os seus

colegas artistas, e que se espelha no grande volume de obras que incorporaram a colecção por troca, explica os afectos a que se refere persistentemente quando nos fala das peças que a

integram.533 Esta é uma colecção em que, a par do valor artístico e estético, os afectos

constituem uma referência imprescindível.

Importa salientar ainda, o facto de Tomaz Viera, por opção, não incluir no Centro Cultural da Caloura nenhuma obra da sua autoria, nem emprestar o seu nome àquele espaço museológico, embora seja seu proprietário.534

No que diz respeito ao percurso expositivo, as obras são apresentadas por parentesco, por problemáticas, e não numa abordagem clássica e hermética por escolas ou estilos.535 Esta opção teve uma intenção pedagógica, pois proporciona um percurso descontraído e uma relação com a exposição mais próxima e acessível a todos, e não apenas a uma elite intelectual. Tomaz Vieira entende assim contribuir para a concretização do seu principal objectivo, o de deleitar os

visitantes com o conhecimento.536

532 Depoimento de Tomaz Vieira prestado em Julho de 2009. 533 França, 2006: fl. 9.

534 Depoimento de Tomaz Vieira prestado em Julho de 2009. 535 Idem.

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A exposição permanente sofre alterações consoante a oportunidade de expor diferentes obras da colecção ou, ocasionalmente, obras de outras proveniências.

Nos diversos os públicos que procuram o Centro Cultural da Caloura, destacam-se as crianças das escolas do concelho da Lagoa e os visitantes estrangeiros e continentais.537

Paralelamente à exposição, e no intuito de fazer cumprir a função das obras de arte, que é

serem vistas por várias pessoas538, desenvolvem-se no Centro Cultural da Caloura diversas

actividades culturais, centradas sobretudo no domínio das artes visuais, e que têm passado por intercâmbios e colaborações com outras instituições, por iniciativas de formação ou por acções educativas com escolas, ATL e grupos sénior.

Este espaço museológico disponibiliza o acesso a uma biblioteca artística, composta por livros e catálogos, havendo a possibilidade de se estudarem os artistas e as obras, e de se realizarem pesquisas em formato audiovisual.

A intenção de alargamento da abrangência deste projecto para além da exposição, conduziu à constituição da CCC - Associação Centro Cultural da Caloura, a 31 de Agosto de 2006, por Tomaz Vieira e um grupo de amigos, especialistas de diversas áreas, e que tem como objecto

específico promover, desenvolver e descentralizar a cultura designadamente no que respeita à pintura, escultura, gravura, serigrafia, fotografia, literatura, música, acervos históricos, etnografia, artesanato e outras formas de expressão artístico cultural. 539

Reflexo do reconhecimento social e cultural que esta obra conquistou ao longo do tempo, ainda em 2006, foi atribuída a esta Associação, pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, a Insígnia Autonómica de Reconhecimento, tendo no mesmo ano, a Câmara Municipal de Lagoa deliberado, por unanimidade, agraciar o promotor da Associação, Dr. Tomaz Vieira com a atribuição da Medalha de Mérito Municipal.

537 Vieira, 1997: 6.

538 Depoimento de Tomaz Vieira prestado em Julho de 2009.

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Desde 2007, que o Centro Cultural conta com um apoio financeiro da Câmara Municipal de Lagoa, mediante um protocolo de cooperação estabelecido entre as duas entidades. A edilidade reconhece-o como um dos projectos culturais mais importantes do concelho, nomeadamente

para a formação e informação da população, bem como para a projecção e divulgação do município.540

Recentemente, por Despacho de 27 de Março de 2008, o Governo Regional dos Açores declarou de utilidade pública a CCC - Associação Centro Cultural da Caloura.541