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Museu do Chá da Mafoma

II PROCESSOS MUSEOLÓGICOS EM SÃO MIGUEL: 1974-

5. Museu do Chá da Mafoma

Situado na freguesia da Ribeira Seca da Ribeira Grande, o Solar da Mafoma238 é um edifício cuja construção data do início do séc. XIX, sendo mandado construir por Luís Bernardo de Sousa Estrela, militar e Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, leal a D. Miguel.

O Solar da Mafoma é composto por uma casa nobre, anexos e infra-estruturas de apoio, um fontanário, jardins e uma quinta para cultivo de árvores de fruto, assim como pela antiga Fábrica de Chá Michaelense L. L., onde se produziu o Chá Côrte-Real, mais tarde designado Chá da

Mafoma. 239 Anexa ao solar localiza-se a Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso.

A antiga Fábrica de Chá da Mafoma, hoje em ruínas, foi fundada por Luís de Ataíde Corte- Real da Silveira Estrela,240 localizando-se na extremidade sudeste do terreiro do Solar da

238 Na frontaria existe o Brasão de Armas de Correias, Silveiras, Botelhos e Sampaios, e uma representação de uma cara, que é

apelidada popularmente de “mafoma”, termo que deu o nome ao solar. O Solar da Mafoma passou de geração em geração até chegar a Maria Gabriela Athayde Mota, sendo hoje pertença de sua filha Luísa Isabel Bettencourt e Maia. Este Solar é o ponto de partida para as celebrações das Cavalhadas de São Pedro, famoso cartaz turístico do concelho, que têm lugar todos os anos, no dia 29 de Junho, dia de São Pedro, consistindo num elaborado desfile que culmina na Igreja de São Pedro, da Ribeira Seca.

239 Os dois nomes próprios dos responsáveis da fábrica, Luís Corte Real da Silveira Estrela e o seu colaborador Luís Soares de

Sousa, deram origem ao nome com que foi comercializado o chá - Chá Michaelense L. L.. Mais tarde, Luís Athayde Mota, neto do primeiro, registou a patente do chá sob o nome de Chá Corte Real. Em 1953, sua irmã, Maria Gabriela Athayde Mota, tendo herdado a fábrica sem registo de patente, registou-a com a designação de Chá Mafoma.

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Mafoma, encostada ao muro da propriedade. As respectivas estruturas de apoio, designadamente os telheiros de secagem de chá, prolongavam-se pela quinta em toda a extensão sudeste do muro.

Em 1903, esta antiga fábrica ocupava o segundo lugar na produção de chá em São Miguel. A sua actividade produtiva, laborando e comercializando chá de cultivo próprio, manteve-se até 1974, altura em que encerrou por dificuldade várias.

De 1974 até 1982 a fábrica permaneceu encerrada e, durante esse período os proprietários conservaram em bom estado os espaços e os equipamentos da fase inicial de produção. Em 1982, conscientes do valor patrimonial e histórico daquela industria, quer por manter as características do período áureo de laboração, quer pela seleccionada qualidade de maquinaria, as proprietárias, D. Luísa Isabel de Athaíde Bettencourt e D. Ana Margarida Bettencourt de Azevedo Mafra, decidiram reabrir ao público a Fábrica de Chá da Mafoma, como fábrica museu. Esta era uma forma de preservar e dar a conhecer um testemunho importante do património industrial regional.

De salientar que o edifício da fábrica, bem como todo o seu equipamento são testemunhos

únicos da história de uma das actividades agrícolas e industriais que mais marcaram a ilha de São Miguel, na transição do século XIX para o XX.241

Com o apoio documental de Ana Jácome Hintze Ribeiro Cymbrom, e após o restauro do edifício, limpeza do equipamento existente e incorporação, por doação, aquisição e depósito de diversos objectos, provenientes de outras fábrica de chá que existiram naquele concelho, foi possível abrir ao público o novo espaço museológico.

Em Julho de 1983, no âmbito das festas do concelho da Ribeira Grande, foi anunciada na imprensa local, a inauguração do Museu do Chá, na antiga fábrica da Mafoma. Paralelamente, em 1984, o Solar da Mafoma foi classificado como Imóvel de Interesse Público.242

O projecto do Museu do Chá da fábrica da Mafoma foi reconhecido, a nível do seu interesse etnográfico e histórico e da sua importância turística, por várias entidades governamentais que

241 Melo, 2008: 24.

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prometeram apoio financeiro. Porém, apenas a Câmara Municipal da Ribeira Grande e a Casa da Cultura da Ribeira Grande auxiliaram, a primeira com um pequeno apoio financeiro e a segunda a nível de orientação técnica. Mário Moura, director da Casa da Cultura da Ribeira Grande, desde Janeiro de 1986, defendia a criação desse museu no âmbito da arqueologia industrial, abordada numa perspectiva de história antropológica ou história social. Na sua opinião, deveria existir um núcleo interpretativo, plantações de chá, algumas fábricas a laborar, percursos e roteiros que perpassassem todo o concelho, desenvolvendo-se ainda uma política sistemática e concertada de exposições itinerantes.243

A Fábrica Museu da Mafoma manteve-se aberta ao público, de forma gratuita, com horário diário, regular e visitas acompanhadas, até 1989, ano em que encerrou devido aos elevados custos de manutenção, à falta de apoios e ao desinteresse das entidades oficiais.

A partir de 1989, o espaço e os equipamentos começaram a deteriorar-se visivelmente, situação que se foi agravando com o passar do tempo.

Em 2000, a jornalista Ana Paula Fonseca alertava para a situação daquele imóvel, referindo que sem apoios oficiais, um futuro museu de chá na Ribeira Grande será uma miragem.244 A

esse propósito, Rui de Sousa Martins, da Universidade dos Açores, considerava a situação muito grave, alertando para a falta de uma política do património cultural articulada com uma política do turismo cultural, no caso concreto, com base na articulação de interesses privados e públicos.245 Na sua opinião, a recuperação museológica da fábrica de chá da Mafoma iria proporcionar, em conjunto com outras duas fábricas ainda existentes, uma rota do chá em S. Miguel: o museu do chá da Ribeira Seca para além de constituir um pólo desta rota,

possibilitaria um estudo mais aprofundado do que foi a cultura do chá na ilha de São Miguel e da sua industrialização que chegou a alimentar 14 fábricas nos finais do século XIX e início do

243 Moura, 2000a: 29. 244 Fonseca, 2000: 8. 245 Cf. Fonseca, 2000: 9.

98/318 século XX (...) por outro lado, a rota do chá iria mobilizar os inventários e o estudo do

património agrícola e industrial ligado à produção do chá que caracterizou a economia e a sociedade da costa norte de S. Miguel, numa determinada fase da sua história.246

De salientar aqui que, nessa altura, previa-se a integração do solar num projecto turístico de habitação, no âmbito do qual a fábrica de chá, transformada em museu, constituiria a área de animação, integrando visitas num circuito de animação turística.

A recuperação da antiga Fábrica de Chá da Mafoma, detentora de importante património de arqueologia industrial e espaço de memória colectiva da Ribeira Seca e de São Miguel, continuou a ser defendida ao longo do tempo e em vários contextos. A este respeito refira-se que, em Maio de 2001, no âmbito de uma Proposta de Resolução247 para a defesa e preservação do

património da indústria do chá e a criação de uma “Denominação de Origem Protegida” para o chá de São Miguel, apresentada na Assembleia Legislativa Regional, foi referido que a Fábrica

de Chá da Mafoma possui um património de arqueologia industrial de indubitável valor patrimonial e necessita de urgente recuperação.248

Mas, em 2005, aquela fábrica continuava porém a degradar-se, sem que tivesse ocorrido qualquer intervenção, embora, e como foi defendido na altura, ainda existissem diversas peças

que, com algum trabalho de restauro, são recuperáveis.249 Nessa altura, também o presidente da

Junta de Freguesia da Ribeira Seca, Carlos Anselmo, referiu ser urgente salvar um património

que assegurou o sustento de muitos antepassados.250

Mais recentemente, em 2007, no âmbito de uma proposta de estruturação do produto turístico

chá no concelho da Ribeira Grande, foi defendida, de novo, a ideia de transformar a antiga

fábrica de Chá da Mafoma em Museu do Chá.251

246 Idem.

247 Apresentada pelo Partido Socialista e aprovada por unanimidade. Assembleia Legislativa Regional. 2001. 248 Assembleia Legislativa Regional. 2001: 4.

249 Faustino, 2005: 8. 250 Idem.

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