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7.2 – O SER/SENDO CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: OS CASOS CAROLINA E VERÔNICA

7.2.1 – O CASO CAROLINA

Carolina era uma das crianças com deficiência intelectual presente na escola e por nós acompanhada. Nesse sentido, buscamos compreender Carolina em sua singularidade atentando para: Como era vista pelos familiares? Pela professora e pela estagiária no contexto escolar? Como era compreendido seu processo de aprendizagem e desenvolvimento nos diferentes contextos pelos quais passava?

Neste sentido, por meio de entrevista com os participantes, buscamos identificar os limites e possibilidades de atuação e desenvolvimento junto a essa criança presente na Educação Infantil, atentando para seu processo de aprendizagem nos espaços em que foi observada por nós.

Com seis anos de idade, Carolina é uma criança que freqüenta a sala do Pré, composta por 23 alunos. O diagnóstico da deficiência Intelectual de Carolina aconteceu ainda durante seu primeiro ano de vida. De acordo com a mãe, desde os seis meses de idade havia sido diagnosticada como uma criança que apresentava deficiência intelectual e paralisia cerebral. Segundo a mãe, Carolina foi acometida desta deficiência devido à complicações no parto que ocasionaram a falta de oxigênio no cérebro causando à paralisia.

Apesar de possuir o lado direito do corpo totalmente paralisado, nossas observações nos mostraram uma criança desenvolvida, esperta e atenta a tudo o que se passava em sua volta. Sua paralisia não se constituía um empecilho para a realização das atividades o bloqueio se fazia mais presente nos professores que com medo de que a criança se machucasse impediam-na de participar de algumas brincadeiras.

Quando perguntamos a mãe sobre o que achava sobre a inclusão da criança no CMEI e sobre seu processo de desenvolvimento e aprendizagem nesse ambiente ela responde,

“Eu acho a creche legal... Tem bons professores tratam Carolina bem e é isso que importa para nós que somos os pais dela... E outra ela ama vir para a creche quando ela não vem menino, é uma história! Ela chora, faz pirraça, mas às vezes não da pra gente trazê-la todo dia, porque tem dia que ela vai pra fisioterapia e ai não da pra vir pra creche... Eu acho que ela aprende sim, mas eu acho que a professora deveria passar dever pra ela, porque ela chega em casa e vê a irmã dela fazendo dever e pergunta pelo dever dela e diz que a professora não passou... Poxa podia passar, porque ela quer fazer ela aprende, mas ela não passa... Eu acho que ela não passa por causa da deficiência dela, mas eu ainda vou falar isso com a professora, ah vou!” (mãe)

Neste sentido, observa-se na fala da mãe que Carolina tem avançado nos seus conhecimentos escolares, prova disso é a vontade expressa da criança de querer fazer o dever de casa da irmã. Mas o fato da professora não passar atividades para casa para Carolina é visto pela mãe como um descaso pelo fato da criança ser deficiente. Ao questionarmos a professora o porquê que ela não passa dever de casa para Carolina já que seria uma forma de fazer com que a família também participasse do processo de aprendizagem da criança, a professora admite que não tenha o hábito de mandar atividades para casa para nenhuma criança e não acha que por causa disso esteja excluindo Carolina. Observe a fala da professora abaixo,

“Não é só Carolina que não leva atividades para casa... Eu não passo dever de casa pra ninguém... Não tem necessidade, ou melhor, não passo porque a maioria não faz. Os pais não estão nem aí pro dever do menino... Aí eu não passo. Mas se ela quer... eu vou passar agora então... Carolina está bem incluída aqui na escola, a inclusão está acontecendo.” (Professora de Carolina)

Parece que a presença da criança no contexto da sala de aula já se constitui para a professora um sinônimo da inclusão educacional, não atentando para os demais processos necessários para que esse fenômeno ocorra. Diante disso Capellini (2008) nos alerta para o fato de que concretizar a inclusão na Educação Infantil, não requer apenas aceitar as diferenças e identificar as necessidades patológicas das crianças. Para, além disso, é preciso reconhecer as possibilidades, potencialidades e recursos que essas especificidades carregam consigo.

A autora ainda nos faz refletir sobre a necessidade de se reconhecer que a inclusão da criança com NEE é importante desde os primeiros anos de vida, porque são nos primeiros anos de vida que as estruturas físicas e organizativas da criança estão se desenvolvendo, e a educação pode ajudar muito durante esse processo. Ainda assim, ficam evidentes a relevância do serviço num período em que a família da criança tenta compreender o que estaria acontecendo com seu filho(a).

Em linha semelhante de pensamento Drago (2001) nos diz que falar em inclusão na Educação Infantil requer que se fale em alguns aspectos que podem contribuir para o trabalho com a criança deficiente em interação com a criança sem deficiência no cotidiano, deixando a inclusão de ser algo impossível para se tornar uma práxis voltada para o desenvolvimento global do indivíduo inserido na coletividade desde a mais tenra idade.

Segundo o autor, incluir crianças em classes comuns do ensino, é um processo que ultrapassa os contextos escolares, uma vez que incluir está associado a um todo maior que é o contexto sócio-histórico e cultural do meio ao qual o indivíduo está inserido.

O desenvolvimento de Carolina é notável desde quando fazíamos estágio no CMEI no ano 2006, sendo que ela era uma das alunas presentes na sala de maternal na qual atuávamos e desde este momento era visível seu potencial e sua capacidade. Ao voltarmos ao CMEI três anos após o término do estágio, ficou óbvio para nós seu desenvolvimento, tanto motor quanto intelectual. Dentro desta lógica ficam evidentes os pressupostos da abordagem histórico-cultural que nos diz que a criança com deficiência intelectual aprende, porém de uma maneira diferenciada e em um tempo diferenciado da criança com desenvolvimento típico. De acordo Vygotsky (2009, p.325),

[...] Existe um processo de aprendizagem; ele tem sua estrutura interior, a sua seqüência, a sua lógica de desencadeamento; e no interior, na cabeça de cada aluno que estuda, existe uma rede subterrânea de processos que são desencadeados e se movimentam no curso da aprendizagem escolar e possuem a sua lógica de desenvolvimento. Uma das tarefas fundamentais da psicologia da aprendizagem escolar é descobrir essa lógica interna, esse código interior de processos de desenvolvimento desencadeados por esse ou aquele processo de aprendizagem. [...].

De acordo com a Pedagoga do CMEI o desenvolvimento de Carolina é evidente no contexto da escola de maneira que todo um trabalho deveria ser feito no sentido de que a criança pudesse ser acolhida de acordo com suas necessidades. Observe a fala da Pedagoga abaixo,

“Eu estou na escola há alguns anos, pelo que eu ouço falar Carolina chegou aqui bem “subdesenvolvida” e foi se desenvolvendo rapidamente... Engraçado ela chegou ao CMEI quando ia fazer dois anos de idade e de lá pra cá vem se desenvolvendo espetacularmente. Quando eu cheguei aqui no CMEI ela já tinha quatro anos de idade e de lá pra cá, gente essa criança avançou ó, consideravelmente. Isso mostra que nosso trabalho de uma maneira ou de outra tem surtindo efeito com ela... Mas bem, ela também né é uma criança bem esperta, falante e além de vir aqui na escola ela ia na Apae também isso ajudou muito. Eu sempre falo que gente temos que fazer um trabalho mais organizado com essa menina ela tem potencial[...]” (Pedagoga 1)

Neste sentido, a Pedagoga nos fala da necessidade de se fazer um trabalho mais centrado com a criança. No entanto nenhuma iniciativa é tomada por parte da Pedagoga para a realização desse trabalho pensando no desenvolvimento da criança com deficiência intelectual presente neste espaço.

A professora atribui esse desenvolvimento ao fato de Carolina possuir uma família bem estruturada, porém alega que a criança tem mês que aparece no CMEI, freqüentemente, e tem mês que quase não aparece. Neste sentido, nos fala de uma dificuldade de atuação junto à Carolina já que não consegue acompanhá-la regularmente como os demais alunos. Observe a fala da professora abaixo,

“Eu acho Carolina uma criança bem desenvolvida... Realmente é uma criança muito agitada que faz as coisas sempre... Às vezes a agitação dela é tão grande que eu tenho que brigar com ela de vez em quando pra ver se ela para quietar. Eu não consigo fazer um trabalho legal com ela, pois têm mês que ela vem todos os dias, mas tem mês que ela vem uma ou duas vezes na semana e até fica semanas sem vir isso já foi falado com a mãe... Pra ela trazer mais vezes a criança, pois estar aqui é bom pra ela. Mas apesar disso, é uma criança bem tratada e que se desenvolve bem... Ai sabe lá acho que a dificuldade está em mim também... Não sei como trabalhar com ela tenho muita dificuldade [...].” (Professora de Carolina)

Percebe-se na fala da professora, que admiti não está preparada para trabalhar com Carolina, certa preocupação com o processo de aprendizagem desta criança pelo fato de compreender que o ambiente escolar é um lugar de socialização de experiências muito importante para o desenvolvimento. No entanto percebe-se no cotidiano da sala de aula, que esta professora de fato não desenvolve um trabalho sistematizado com Carolina, ficando a criança invisível diante de sua prática. As atividades que visam um provável desenvolvimento da criança ficam sobre supervisão da estagiária que é responsável por elaborá-las e aplicá-las junto à criança não recebendo nenhuma orientação desta professora. No entanto apesar desses imprevistos percebem-se pela fala da estagiária que a criança demonstra importantes avanços quando é realizado algum tipo de atividade mediada. Observe a fala da estagiária abaixo,

“Eu sinto muito dificuldade para trabalhar com Carolina, pois eu não tenho formação em Educação Especial... Apesar disso quando tem uma atividade que eu explico a ela, ela consegue com minha ajuda fazer a atividade direitinha... Eu noto que ela consegue aprender tudo que eu ensino a ela. Não é muito diferente das outras crianças não... Eu até acho ela mais desenvolvida do que as outras crianças... Claro que dentro das capacidades dela né?” (Estagiária 2)

Neste sentido, ao refletirmos sobre a fala da estagiária concordamos com Vygotsky (1998) quando nos faz pensar que, a aprendizagem dos sujeitos com Necessidades Educacionais Especiais em nada se difere da pessoa dita normal, a única diferença seriam que as atividades propostas deveriam ser pensadas, buscando atender as limitações desses sujeitos.

Diante disso, o papel do educar é descobrir, privilegiar e trabalhar os processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança com deficiência intelectual presente no contexto da Educação Infantil, sendo que as nossas observações da criança e de sua professora tomaram esses pressupostos como objetivos.

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