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Caso concreto de obstáculo ao acesso à justiça

A experiência vivenciada junto ao JEC - Piracicaba, seja pelo fato da pesquisa ou, ainda, pelo em função do autor ser funcionário de tal unidade cartorária, possibilitou através de dados concretos e de casos reais, verificar que, mesmo que os juizados tenham sido criados para contribuir com o acesso à justiça, a realidade mostra que muita coisa deve ser melhorada, não só no âmbito do Poder Judiciário, mas, também, na sociedade.

Nesse sentido, em relação ao aspecto financeiro, verificamos que a gratuidade e assistência de advogado para ingressar com ação apresentam-se como obstáculos que realmente interferem na satisfação da justiça, haja vista que os números apresentados em relação aos recursos são bastante inferiores aos de sentenças proferidas, permitindo-se afirmar que o custo do processo judicial impede a pessoa de reclamar seus direitos.

com entrevistas às pessoas que obtiveram uma decisão desfavorável no processo, mas para ouvi-las, tendo em vista o pouco tempo disponível para a pesquisa, a afirmação foi feita por presunção, em razão do elevado número de sentenças e do número relativamente pequeno de recursos.

Outro ponto a ser destacado e é em relação aos obstáculos de caráter sócio- cultural, já que entre os vários casos, um em especial chama a atenção; é o caso de uma empregada doméstica que procurou o juizado para questionar e reclamar um problema que ocorreu quando da aquisição de uma linha telefônica. Essa pessoa abriu um processo judicial de número 1998/2002, requerendo em face de uma determinada empresa a rescisão do contrato e pedindo indenização por danos morais.

O caso foi de aquisição de uma linha telefônica; a empresa lhe ofereceu o serviço pelo valor de R$188,64, a ser pago em seis parcelas iguais e sucessivas de R$31,44. Realizada a transação, essa pessoa assinou um contrato e uma procuração à empresa acionada, recebendo em troca um aparelho telefônico e a habilitação da linha. Apenas para salientar, tal empregada poderia ter adquirido a concessão de uso da linha por intermédio de uma simples habilitação na empresa de telefonia, no valor de R$76,65, montante este que pagou já na primeira fatura emitida pelo uso da linha. O que se verifica é que ela desembolsou a importância de R$265,29, muito acima do valor real.

Assim, esse caso pode ser definido pela questão sócio-cultural, já que tal agente procurou auxílio no juizado não para reclamar a rescisão do contrato que seria um direito dela, mas para reclamar o fato de não estar suportando as despesas da fatura, somadas ao uso da linha e ao valor da prestação quanto à contratação do serviço. Percebe-se que sua situação não lhe permitiu enxergar que, ao assinar

aquele contrato, ela estava sendo lesada, podendo a qualquer momento reclamar a rescisão do contrato.

Esse caso acabou sendo julgado à revelia da empresa ré, visto que apesar de ter sido devidamente citada e intimada, deixou de comparecer à audiência do processo, ocorrendo o julgamento de imediato com a sua condenação, a rescisão do contrato e a condenação a devolver a quantia desembolsada pela autora.

Outro fator passível de conferência no JEC – Piracicaba é quanto à dificuldade que se impõe à pessoa que vai reclamar um direito, quando este esbarra na questão da competência do juizado, prejudicando-se sensivelmente os objetivos da lei no que se refere a facilitar o acesso ao Poder Judiciário, pois à luz da interpretação do magistrado, tem-se recusado o recebimento e processamento de ações cautelares e de ritos especiais.

Nesse contexto, vale explicar que a Lei 9099/95 não impede a distribuição dessas ações, pelo menos até a Audiência de Tentativa de Conciliação, uma vez que não sendo possível o seu prosseguimento, o processo deverá extinguir-se, conforme o que disposto no artigo 51, inciso II, da citada lei.

Parece-nos plausível o recebimento dessas ações, orientando as pessoas de que, não havendo conciliação o processo será extinto, atendendo dessa maneira às necessidades da sociedade, pois o Direito é chamado para reger agentes sociais não estáticos, tendo como resultado final a evolução social; nesse sentido, todos devem dele participar a fim de cumprir as finalidades sociais.

Mas o problema não reside apenas no fato do magistrado interpretar a questão de forma positiva ou não para a sociedade, mas está também no fato de funcionários do juizado, a pedido ou não do juiz competente, definir a competência de um determinado problema apresentado pela pessoa, impedindo a distribuição da

ação nos casos em que reclama-se diretamente, sem assistência de advogado, ou seja, nas causas de até vinte salários mínimos. Essa prática ocorre normalmente no juizado da comarca de Piracicaba e de algumas cidades da região.

Ainda que a questão seja sobre competência territorial, é importante justificar essa prática por parte de funcionários, exemplificando-se com o caso do Sr. Junqueira (nome fictício) que, em março de 2004, procurou o JEC - Piracicaba a fim de propor uma ação de execução. Na triagem, constatou-se que a pessoa era residente na comarca de Piracicaba, enquanto que o suposto devedor era da Comarca de Araras/SP, sendo que a praça de pagamento do cheque era o município de Cordeirópolis, vinculado à vara distrital da comarca de Limeira/SP.

Pela regra do artigo 4º, inciso I, a ação deveria ser proposta no juizado da comarca de Araras e, nos termos do inciso II, poderia ser a vara distrital de Cordeirópolis/SP, haja vista o local em que a obrigação deveria ser satisfeita; foi essa a orientação que o reclamante recebeu na triagem.

Contudo, passados alguns dias, ele voltou alegando que havia procurado os juizados indicados, tendo recebido a informação que a ação deveria ser proposta no juizado da comarca de Piracicaba/SP, ou seja, foi impedido de propor ação tendo em vista que os funcionários que lhe prestaram atendimento entendiam que a competência para propor a referida ação era a do domicilio do autor.

Outro ponto que foi analisado, no capítulo da Lei 9099/95, é quanto à questão da competência em razão da matéria, pois considerando-se o elevado número de pessoas que procuram o JEC - Piracicaba, seria pertinente, melhorando a estrutura, uma atualização da lei no sentido de recepcionar as ações de cunho familiar não alimentar, permitindo a distribuição de alvará que não envolve menor de 18 anos e, ainda, os casos de separação judicial consensual.

Já, em relação a citação do réu, que nos termos do artigo 18, inciso I, deve ser realizada por correspondência com aviso de recebimento em mão própria, surge outro conflito em razão do que é praticado no JEC - Piracicaba e o que se prática, por exemplo, na cidade de São Paulo, uma vez que na maioria dos casos, considerando-se os dados do JEC - Piracicaba, o aviso de recebimento é devolvido com assinatura de terceiros.

Nesses casos, a pesquisa pode constatar que, ocorrendo ausência do réu, tem-se aplicado o instituto da revelia, mesmo que o recebimento da correspondência tenha sido por terceiro. Todavia, esse entendimento não é unânime na comarca, haja vista que o colégio recursal, formado por juizes da própria comarca, tem decretado a nulidade da citação e, conseqüentemente a nulidade da sentença, determinado a volta do processo ao juiz singular para designação de nova audiência de conciliação, instrução e julgamento.

Na pesquisa realizada, também constatou-se que de cada sessenta casos em que o réu foi citado na pessoa de terceiro e, em vista de não estar presente à audiência de conciliação foi condenado à sua revelia, apenas dois recorrem na fase de execução, alegando a nulidade da citação, sendo que os demais reconhecem a dívida.

Quanto a possibilidade ou não de ser aplicada a revelia, conforme o que acima se relatou, falamos a respeito do assunto no capítulo 2 do presente trabalho, que estuda a Lei 9099/95, no subtítulo 2.5: “Sobre a questão das partes”.

Por fim verificou-se que o JEC - Piracicaba não está conseguindo aplicar o disposto na lei quanto às audiências, visto que o prazo entre a audiência de conciliação e a de instrução e julgamento não poderia ultrapassar quinze dias; todavia, em Piracicaba esse prazo era, até o mês de dezembro de 2005, de quatro meses.