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O rei da França não foi tão rápido em organizar a administração de suas finanças. Sua organização começou seriamente sob Filipe Augusto, no início do século XIII, e fez grandes progressos sob São Luís. 4 Só no fim do século XIII é que um ramo da corte real foi destacado para formar a Câmara das Contas, apenas organizada sob Filipe, o Belo (1285-1314), e veio a ser definitivamente estabelecida por Filipe V, o Longo, pelo ordenamento de Vivier-en-Brie em 1320. Tinha duas funções principais: verificar as contas e controlar o conjunto da administração do domínio.

O essencial das fontes do reino provinha do domínio real. Segundo a expressão do tempo, o rei “vivia do seu”. Ao avançar do século XIII outras fontes assumiram importância: os direitos tirados do exercício da soberania real (cartas reais, cartas de nobreza), 5 da justiça real e da cunhagem das moedas reais. Esses rendimentos sendo insuficientes para o crescimento das necessidades do Estado monárquico em expansão, Filipe, o Belo, esforçou-se para estabelecer impostos reais permanentes e para criar finanças extraordinárias. Uma tentativa para impor um imposto indireto sobre as

exportações, os mercados e os estoques — imposto batizado de maltôte (arrancado injustamente) — foi pessimamente recebida, especialmente porque introduzia controles fiscais a domicílio e acabou sendo uma derrota. O poder real sonhou então com impostos diretos sobre a fortuna adquirida, sobre o rendimento, sobre o grupo familiar ou sobre o fogo (fouage, e era cobrado de cada fogo, isto é, de cada lar). Todas essas tentativas abortaram, o Estado medieval não conseguiu estabelecer de modo firme e eficiente o financiamento de sua transformação em Estado moderno. O dinheiro foi, assim, o calcanhar de aquiles da construção monárquica, na França e, de modo geral, na cristandade.

A França do século XIII, e em particular a do reinado de São Luís (1226-1270), é um bom exemplo da ação de um poder central no domínio do dinheiro, quer dizer, no financiamento de sua atividade, em seu comportamento como moedeiro de um tipo especial, por reivindicar uma autoridade superior, e até um monopólio real, para a cunhagem da moeda, e em sua organização das finanças monárquicas. O essencial da atividade de São Luís nesse domínio deu-se nos últimos anos de seu reinado, o fim do decênio de 1260, quando o novo lugar ocupado pelo dinheiro e os problemas que se seguiram tornaram-se evidentes no conjunto da cristandade.

São Luís resolveu agir através de ordenamentos, um ato maior, de natureza única, mostrando o lugar de primeiro plano da moeda no governo de uma monarquia do século XIII. Foi, com efeito, por meio de uma série de ordenamentos que São Luís remanejou profundamente a cunhagem e a circulação da moeda na França, e o papel do rei nesse domínio. Marc Bloch considera que o mais decisivo dos ordenamentos tenha sido o de 1262, que estabelecia dois princípios: a moeda do rei é válida em todo o reino, a dos senhores que têm o direito de cunhagem só é válida em suas próprias terras. Dois outros ordenamentos regulamentaram em 1265 esse de 1262. Depois, o ordenamento capital de julho de 1266 autorizou a retomada da cunhagem do denário parisis e a criação de um gros tornês. Por fim, um ordenamento perdido criou entre 1266 e 1270 o escudo de ouro do qual se falará mais adiante.

Luís IX (São Luís) não esperou por 1266 para se interessar pela moeda em seu reinado. Emitiu apenas denários torneses, mas estava preocupado em garantir a sua moeda uma circulação privilegiada no reino e editou uma série de medidas circunstanciais concernentes à circulação monetária. Ei-las, segundo o estabelecido por Etienne Fournial: 6

1) Em 1263 os torneses e os parisis, os quais já não vinham sendo cunhados desde a morte de Filipe Augusto (1223), deviam circular e ser recebidos como pagamento das dívidas tidas com o rei.

2) Em 1265 a relação de valor entre as duas moedas foi fixada em dois torneses para um parisis.

3) Por essa época em que a contrafação de moedas era frequente, o rei proibiu os denários produzidos como imitação dos seus, quer dizer, os dinheiros da antiga província de Poitou (poitevins), os provençais e os tolosinos, demonstração entre tantas outras de que a monarquia francesa ancorada no Norte se impunha também à França do Sul nesse domínio.

4) “Porque o povo acredita que não há suficientes moedas de torneses e parisis”, a circulação dos nantois ao escudo, dos angevinos (moeda de Anjou), dos mansois e também dos esterlinos ingleses era provisoriamente autorizada, mas a uma taxa fixada pelo tesouro real que, se não fosse respeitada, estaria sujeita primeiro a uma multa e depois à confiscação. A proibição das moedas dos barões da França do Sul ou dos barões ingleses não correspondia apenas à vontade de impor a primazia da moeda real, mas também ao desejo de abastecer as oficinas reais de metal branco. Não se pode esquecer que durante a maior parte da Idade Média a cristandade

viveu sob o impacto de certa fome monetária proveniente essencialmente de uma fome de metal branco, dando-se o esgotamento mais ou menos rápido das minas e seu pequeno número.

As principais reformas monetárias de Luís IX estabelecidas pelo ordenamento de 24 de julho de 1266, do qual infelizmente não se possui o texto inteiro, são:

1) A retomada da cunhagem do parisis. 2) A criação do gros tornês.

3) A criação do escudo de ouro.

As duas últimas medidas mostram que, com certo atraso, em particular em relação às grandes cidades italianas, a França, para se adaptar ao crescimento do volume comercial, adotava as duas medidas monetárias mais importantes do século XIII, a criação de moedas de prata de alto valor e a volta da moedagem em ouro. A cunhagem do gros tornês foi sem dúvida a medida mais importante. Esse tipo de moeda de alto valor, sem atingir o valor do ouro, ainda muito elevado para a maior parte das regiões do Ocidente, respondia bem ao crescimento do comércio francês no quadro do que se chama, já foi dito aqui, “a revolução comercial do século XIII”. O sucesso desse gros foi reforçado pela proibição de que os barões o cunhassem. Seu valor correspondia aproximadamente ao de doze denários torneses. Mais tarde essa moeda veio a se chamar o gros de São Luís, cujo reinado, como se sabe, tornou-se quase mítico a partir do século XIV na lembrança dos franceses (“o bom tempo de monsenhor 7 São Luís”), o “tamanho grande dos dois os redondos”, porque na legenda do rei as palavras ludovicus e turonus tinham dois os maiores do que as outras letras. O gros de São Luís teve durante muito tempo mais valor do que os outros gros e resistiu até mesmo às mutações monetárias do fim do século XIII e de todo o século XIV. Em compensação, o escudo de ouro, sem dúvida lançado prematuramente, foi um fracasso.

São Luís não inovou no domínio da gestão do tesouro real, continuou a recorrer a um tesoureiro real surgido no século XII e a cambistas chamados tesoureiros criados por Luís VII, e sobretudo manteve o que tinha decidido este último: confiar o tesouro real à casa parisiense da ordem do Templo. Vê-se assim o papel que desempenharam na Idade Média central grandes ordens religiosas, gerenciadoras financeiras até mesmo daqueles a que chamamos chefes de Estado. Era o caso desde o início do século XII da ordem de Cluny, que cuidava dos rendimentos e das finanças da cúria pontifícia, como foi o caso do Templo para a monarquia francesa entre o meado do século XII e 1295, intervalo em que o tesouro real foi retirado do Templo e instalado no Louvre e, por fim, no Palácio Real da Cité, 8 reconstruído no início do século XIV.

A personagem encarregada das questões financeiras numa das divisões do reino à qual chamamos

bailliages é o bailio. Ele cobra os direitos de transmissão, o imposto territorial, os impostos in natura das comunas, as taxas reais, chamadas regalias, 9 os direitos do selo real pelos documentos marcados com a chancela real, os impostos sobre os rendimentos dos juízes, os rendimentos provenientes das vendas de madeiras até que fosse constituída a administração específica de águas e florestas em 1287. A partir de 1238, as despesas a que o bailio tem direito, e que retira da caixa real, são os feudos e as esmolas, quer dizer, as pensões assinadas pelo rei sobre as receitas do bailliage, as obras, ou, em outras palavras, a construção ou reforma dos castelos, sedes das prefeituras, casas, granjas, prisões, moinhos, calçados, pontes pertencentes ao rei. O mais antigo documento avaliando a riqueza real, e mais particularmente a do domínio real, fonte financeira particular dos recursos do soberano, é um texto do preboste da igreja de Lausanne em 1222, que estima a fortuna do rei Filipe Augusto (1165-1223) no momento em que se calculou sua herança em uma renda mensal de 19 mil

libras, ou seja, anualmente 228 mil libras, deixada por seu pai Luís VII. Já o próprio Filipe Augusto teve condições de deixar para seu filho, o futuro Luís VIII, uma renda diária de 1.200 libras parisis, o correspondente a um rendimento anual de 438 mil libras parisis. Essas rendas faziam da monarquia a instituição mais rica depois da Igreja no reino da França, no início do século XIII. Durante o século XIII o rei da França recebe uma antecipação sobre as mercadorias vendidas nos mercados e nas feiras chamada tonlieu. O rei recebia assim inumeráveis impostos chamados pedágios pagos pelos viajantes, suas mercadorias, seus veículos e os animais de transporte. Esses direitos eram exigidos nos portos e no início das estradas, nas pontes e nos cursos d’água. O direito de exercer um ofício era pago ao rei in natura e em dinheiro; trata-se do hauban. 10 Sobre a cunhagem das moedas, que se obtém fundindo lingotes ou refundindo peças usadas, o rei recebe um direito de senhoriagem (seigneuriage). Recebe também um direito pela utilização das medidas e dos pesos que servem de padrão. Cabe-lhe uma herança devida por estrangeiros e bastardos, assim como taxas cobradas dos usurários judeus. Sob o nome de forêt (floresta), parte essencial do domínio real, o rei tira importantes rendimentos do corte de madeiras, da pesca, da construção de barragens e dos moinhos. Quando está apertado em matéria de dinheiro, pode impor, principalmente nas cidades, taxas especiais. As despesas do palácio real eram garantidas em grande parte com as receitas do sinete real. Vê-se que tocam ao rei rendimentos, de um lado, como proprietário, de outro, como soberano. Como os contribuintes pagavam em moeda sonante, os responsáveis pelo tesouro real tinham de conhecer exatamente a relação deles no livro de contas. Também necessitavam manter sob os olhos as tábuas de avaliação (avaluement) das moedas, indicativas das variações diárias da relação dos contribuintes com o livro de contas e suas subdivisões, seja em parisis, seja em torneses. A verificação da contabilidade real só virá a se organizar, já o vimos, no início do século XIV, com a Câmara dos Denários, mudada no ano de 1320 em Câmara das Contas. No século XIII, os oficiais do reino e os assim chamados arrendatários tinham de depositar dinheiro no Tesouro e justificar sua contabilidade três vezes por ano, nas festas de Saint-Rémi 11 — mais tarde na de Todos os Santos —, na da Candelária (ou dos candelabros), na Ascensão, ou antes nas oitavas dessas festas.

A monarquia capetiana, desse modo, organizou muito cedo suas finanças, e em particular sua contabilidade, mas só possuímos uma pequenina parte das contas reais, sobretudo no caso do período antigo. Apenas três papéis de 1202-1203 que Ferdinand Lot e Robert Fawtier, que os publicaram, chamaram de o primeiro orçamento da monarquia: 12 neles consta que o montante das receitas da realeza foi de 197.042 libras de 12 sous, e o das despesas, de 95.445 libras. São Luís, que aumentou o domínio real adquirindo em 1240 o Mâconnais 13 e conservando em bom estado os bosques e as florestas que representavam a quarta parte das receitas dos domínios, mandou estabelecer o mais rigorosamente possível as contas dessas rendas. Foram conservadas as de 1234, 1238 e 1248, e a conta dos prebostes e bailios da Ascensão de 1248 é considerada uma obra-prima de apresentação e durante longo tempo servirá de modelo. O reinado de São Luís serve, assim, como exemplo à observação de Marc Bompaire segundo a qual “a moeda participa da gênese do Estado moderno como um instrumento de prestígio privilegiado, um fator de unificação e igualmente uma fonte de renda”. Lembra ele que ao lado desse aspecto político uma “monetarização” da economia favorecerá também a difusão e a importância da moeda. Por sua vez, o historiador brasileiro João Bernardo, 14 em seu estudo monumental, estima que a difusão do dinheiro ao longo do século XIII europeu está sobretudo ligada à passagem das senhorias familiares pessoais a uma família do Estado, artificial e impessoal. O dinheiro seria portanto, segundo ele, um agente determinante das transformações sociais.

Longe dessas considerações, São Luís, à semelhança dos cristãos de sua época, preocupado em primeiro lugar com a sua salvação, não se preocupa, como rei, com a de seus súditos. Seus esforços para dotar o reino de uma moeda forte vêm essencialmente de seu desejo de fazer com que a justiça reine também nas trocas comerciais. Sem dúvida ele conheceu e guardou a definição da moeda por Isidoro de Sevilha: moneta vem de monere, “advertir”, porque põe em guarda contra toda espécie de fraude no metal ou no peso. É uma luta contra a “má” moeda, a moeda falsa ou falsificada (defraudata), um esforço em prol da “boa” moeda, a moeda “sã e leal”. Graças a essa moeda, que recebe em quantidade crescente, o rei pode satisfazer um dos seus desejos que, como se verá, vai assumir na religião cristã um lugar ainda mais importante no século XIII, a caridade. O rei é um grande distribuidor de esmolas e, se uma parte dessas esmolas é distribuída in natura, outra o é em dinheiro. Trata-se de outro domínio no qual se pode observar o aumento da circulação das moedas no século XIII.