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A essa riqueza nova se opunha uma pobreza nova. Pobreza que não era mais uma das consequências do pecado original, não era mais uma pobreza de Jó, mas uma pobreza valorizada, ligada à mudança da imagem de Jesus na espiritualidade cristã. Jesus era cada vez menos o que tinha sido nos primeiros séculos do cristianismo, o homem-Deus que ressuscitara, o grande vencedor da morte. Tinha se tornado o homem-Deus que dera ao homem o modelo da pobreza simbolizada pela nudez. De todos os movimentos que após o ano mil tentaram ressuscitar o cristianismo primitivo, a volta aos apóstolos, a inspiração sempre mais forte fora aquela que levava à reforma, à renovação em busca da volta às fontes, a “seguir nu o Cristo nu”. Exatamente como a riqueza nova resultava do trabalho, a pobreza nova resultava de um esforço, de uma escolha, era uma pobreza voluntária, e não se compreenderá bem como o dinheiro se impôs à sociedade medieval se não se distinguirem estes dois tipos de pobreza: uma sofrida, outra voluntária. 2

Frantisek Graus mostrou que na alta Idade Média havia pobres no campo, mas o grande lugar onde cresceu e se instalou a pobreza na Idade Média foi a cidade. É portanto normal que a luta contra a pobreza nova seja essencialmente o fato de que as novas ordens religiosas, ao contrário das precedentes, se instalam nas cidades, e especialmente os franciscanos.

Em todos os sentidos da palavra, Francisco de Assis se afirma pela recusa ao dinheiro. 3 Renega seu pai comerciante, põe-se nu como Jesus, vive na pobreza, prega na pobreza. E depois, paradoxalmente, os que desprezam a riqueza nova, tentando promover a pobreza nova, chegarão a um resultado ambíguo, talvez oposto. Lester K. Little declarou que em 1261 o arcebispo de Pisa, pregando na igreja dos franciscanos, fez de Francisco de Assis o padroeiro e o protetor dos comerciantes. O historiador italiano Giacomo Todeschini foi mais longe. Considera que, desde o fim de sua vida, Francisco promoveu o reencontro da pobreza com a cultura urbana marcada pelo dinheiro que se desenvolvia na Itália do Norte e do Centro. Durante todo o século XIII os

franciscanos, segundo Todeschini, não cessaram de definir e de justificar uma riqueza franciscana que os levou “da pobreza voluntária a uma sociedade de mercado”. Todeschini fundamenta-se sobretudo em um tratado do franciscano do Languedoc Pierre de Jean Olivi (1248-1298), autor de De

contractibus (cerca de 1295). 4

Mais interessante talvez, porque mais bem ancorado na vida cotidiana, um registro dos frades menores de Pádua e de Vicência (1263-1302), que menciona os depósitos, vendas, compras e outros contratos feitos pelos franciscanos dessas duas cidades, contém mais menções de preços em dinheiro do que aquisições e trocas de terras, o que mostra que os frades menores, mesmo vivendo na pobreza, ainda que mais frequentemente por intermédio dos leigos que efetuam as operações em seu nome, estão mais integrados na economia que avança do que na velha economia rural. 5

Sobretudo as ordens mendicantes, e principalmente os franciscanos, tinham feito surgir da pobreza voluntária os meios espirituais e sociais para atrair a riqueza nova no sentido dos pobres. Em grande parte sob sua influência, a Igreja e os poderosos leigos se esforçaram no século XIII para combater a nova riqueza e promover a nova pobreza através de formas especiais daquilo que sempre tinha sido uma das atividades essenciais da Igreja em primeiro lugar e, depois, daqueles entre os cristãos que tinham meios para isso e aos quais o status social permitia: as obras a que chamamos caridosas e a que chamavam mais habitualmente na Idade Média de misericórdias, a misericórdia dos homens tendo como fundamento a misericórdia de Deus. Essa misericórdia se manifesta especialmente pela atenção ao corpo, esse corpo que foi o do Cristo sofredor e que deve ressuscitar. Maciço e impressionante foi no século XIII o grande desenvolvimento das fundações e do funcionamento dos hospitais. Surgidos desde a alta Idade Média e postos sob a responsabilidade dos bispos, gozavam de autonomia jurídica que lhes permitia receber doações e beneficiar-se de testamentos. O avanço monetário do século XIII e a entrada em atividade de uma nova caridade podem assim se exercer amplamente em favor dos hospitais e formam-se verdadeiras ordens religiosas com vocação hospitalar. Uma dupla rede se desenvolve: de um lado os asilos, nos quais se dava alimentação aos pobres e também abrigo noturno, a eles e aos peregrinos; de outro lado os grandes hospitais no qual se internavam os doentes, as mulheres que iam dar à luz, órfãos e crianças abandonadas. A gestão financeira dos hospitais era frequentemente confiada a um administrador nomeado pelo bispo ou pelo patrono leigo. Além das doações avulsas ou sucessivas, os hospitais recebiam recursos de tipos diversos, seja de natureza variada (roupas, panos em geral), seja em dinheiro (subscrições, esmolas). O tamanho e a beleza de alguns hospitais subsistentes do fim da Idade Média mostram o alcance das somas investidas neles e nos levam a imaginar como eles eram considerados importantes. Mais ligado à estrada na alta Idade Média, o hospital nos séculos XII e XIII liga-se principalmente ao desenvolvimento urbano como se pode ver na França, especialmente em Angers, Beaune, Lille e Tonnerre. Falou-se na generosidade das esmolas dadas aos hospitais. A evolução da esmola está estreitamente ligada ao surgimento da riqueza e da pobreza novas, como aquela que os franciscanos tiveram de conhecer.

Não seria preciso, todavia, exagerar o papel dos franciscanos nem deformar sua motivação nem a da Igreja. Já no início do século XIII, quando pela primeira vez a Igreja canonizou um comerciante, Santo Homebon de Cremona, afirmou-se explicitamente que isso não se deveu à sua profissão, mas, ao contrário, porque ele a tinha rejeitado e consagrara-se à pobreza voluntária. O próprio São Francisco jamais transigiu com o dinheiro e Pierre de Jean Olivi foi um franciscano marginal, de resto em parte condenado depois de sua morte, e seu De contractibus veio a ser um tratado único no gênero. 6 Aquele que ainda no fim do século XIII representa a atitude quase geral da Igreja em

relação ao dinheiro e em particular à usura é o De usuris de Gilbert de Lessines, no qual, já o vimos, mantém-se sempre a condenação às usuras, ainda que se manifeste uma certa indulgência. O essencial no domínio do dinheiro, como em todo domínio no século XIII, é a moderação, o desejo de justiça. Vê-se isso melhor ainda na doutrina e na prática do “justo preço”, sobre as quais voltarei a falar. 7