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As mutações monetárias e os problemas que criaram, como se pode esperar em uma sociedade cuja economia está inserida num sistema político e religioso global, deram lugar a um trabalho de grande alcance e que permanece sendo até hoje uma das obras-primas da escolástica medieval no tocante àquilo a que chamamos economia. Trata-se do De moneta (Sobre a moeda) de um universitário parisiense, Nicole Oresme (cerca de 1320-1382), ligado a um dos mais célebres colégios da faculdade das artes da universidade de Paris, o colégio de Navarra, do qual foi ele um dos grandes mestres de 1356 a 1361 e onde escreveu esse tratado antes de 1360, primeiro em latim depois em francês. Esse trabalho foi considerado secundário no século XIV em uma obra muito rica, compreendendo traduções de e comentários sobre Aristóteles e trabalhos concernentes às matemáticas, à música, à física, à astronomia e à cosmologia na qual Nicole Oresme denuncia vigorosamente a astrologia e as artes divinatórias e mágicas. Entretanto, é o De moneta que permanece hoje o mais conhecido e o mais célebre de seus escritos. Nessa obra antes de natureza política o autor mostra os malefícios das mutações monetárias, o dever para os reis de assegurar uma moeda estável, e insiste sobre o fato de que a moeda, se faz parte das prerrogativas realengas, não é um bem pessoal do rei, mas bem comum do povo que a usa. O tratado de Nicole Oresme provavelmente teve influência sobre o rei da França, João II, o Bom, que restabeleceu a “boa moeda”, isto é, uma moeda estável, sob a forma de uma moeda de ouro, o franco, que, depois de uma breve tentativa malsucedida de São Luís, nasceu para longos séculos, ao mesmo tempo que o gros de prata com as flores-de-lis, os últimos torneses e parisis, de pé 24 e. 10 A decisão foi tomada por uma

ordenação real promulgada em Compiègne, em 5 de dezembro de 1360, e endereçada aos mestres gerais e aos bailios e senescais de maneira a garantir a execução técnica e a execução administrativa. Esses francos de ouro, à razão de 63 peças por um marco de Paris (244,75 g), destinavam-se a valer 20 sous torneses por peça.

Serão dados aos cambistas por cada marco de ouro 60 desses francos e por cada marco de prata 4 denários 12 grãos 108 sous torneses e todos os outros marcos de prata à razão de 4 denários 12 grãos 4 libras 18 sous torneses, e não circularão os denários de ouro fino por cada real que sua Majestade ou outros por ela tenham mandado fazer a não ser por 13 sous 4 denários parisis a peça desde a publicação de nossas ordenações feitas para este caso; e os denários brancos que circularam à razão de 10 denários torneses destinados à coroa não valerão mais do que 4 denários torneses a peça e todas as outras moedas de ouro e de prata valerão à razão de uma por bilhão em relação ao marco. 11

O filho de João II, o Bom, Carlos V (1364-1380), foi muito atento à estabilidade da moeda. Tornou amplamente difundida no reino da França uma bula do papa Clemente V de 1309 excomungando os moedeiros falsos, lutou contra as falsificações e a especulação. Em 1370, ordenou que todas as peças que não respeitassem a cotação oficial das moedas fossem desvalorizadas e só fossem utilizadas como billon, ou seja, a moeda negra de baixíssimo valor. A fragilização das diversas moedas continuou mais ou menos até o século XVI, apesar dos esforços dos soberanos europeus para mantê-las estáveis — estabilização reclamada pelos clérigos por questão de justiça, pelos comerciantes por questão de eficiência em seus negócios e pelo conjunto do povo por essas duas razões, principalmente porque as desvalorizações quase sempre redundavam numa baixa dos salários e numa alta dos preços. Segundo os cálculos de Spufford, entre 1300 e 1500 todas as moedas europeias se enfraqueceram, mas esse enfraquecimento variou segundo o país, porque, apesar da persistente multiplicidade das moedas, a tendência geral das nações, na cristandade, de valorizá-las criou, também no caso do uso da prata ou de seu valor de referência, um quadro essencialmente nacional. Na ordem da fragilização dos valores, a lista de Spufford é a seguinte: Inglaterra (perda de 1,5%), Aragão e Veneza (perda de 1,9%), Boêmia (perda de 2,5%), comunidade hanseática (perda de 2,7%), Florença (perda de 3%), Roma (perda de 2,8%), França (perda de 3,9%), Áustria (perda de 5%), Flandres (perda de 6,1%), Colônia (perda de 16,8%), Castela (perda de 65%). 12 Essa instabilidade monetária gerava críticas essencialmente ao Príncipe, o que fez com que os esforços para limitar-lhe o poder nesse campo crescessem. Mas a limitação de poder concretizou-se no caso da nobreza e dos burgueses de Brabante em relação ao duque, em 1314, e das assembleias da região da langue d’oil, na França, em 1320, 1321, 1329 e 1333. A retomada da Guerra dos Cem Anos provocou na França desvalorizações — mais frágeis e efêmeras — da moeda nos anos de 1417-1422 e 1427-1429. As mutações monetárias, como dissemos, foram um dos elementos que levaram as massas populares urbanas ou rurais da França a se revoltarem, seja contra o rei seja contra os senhores. Sabe-se que o fim da Idade Média foi um tempo de revoltas e de guerras, especialmente na França e nos Países Baixos. Nesses dois Estados, grandes comerciantes desempenharam não poucas vezes ao lado ou à frente do povo um papel importante nas rebeliões, como Etienne Marcel em Paris (de 1355 a 1358), o açougueiro Caboche, 13 ainda em Paris (em 1413 e 1414), os Van Artevelde, pai e filho, naturais de Liège (em 1337 e 1381-82). 14 Deu-se o mesmo na revolta dos operários têxteis, os Ciompi, em Florença, de 1375 a 1378, e sobretudo na Castela dos séculos XIV e XV, que foi, ao mesmo tempo, a região da maior desvalorização das moedas e das revoltas mais numerosas e as mais violentas. Em 1350, um florim florentino trocava-se em Castela

por 20 maravelis, 15 enquanto o mesmo florim inflacionado era trocado por cerca de 375 maravelis. A Inglaterra, que é um exemplo da quase ausência de mutação monetária, deve sua estabilidade por um lado à importância sempre mantida de suas exportações de lã e, por outro, ao fato de que desde 1352 o valor da moeda real inglesa só podia ser alterado por um ato do Parlamento.