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Finanças e fisco do Estado: a Santa Sé…

Ao lado das cidades estão os Estados, cuja formação se reforça no correr dos séculos XIV e XV. Esses Estados manifestam uma necessidade crescente de dinheiro e buscam organizar melhor suas finanças e o fisco, os quais se tornam, mais que as rendas diretas tiradas do domínio territorial do príncipe, a fonte de financiamento principal das atividades do poder central. Como para o longo século XIII, usarei os exemplos dos Estados pontifícios, dos quais se sabe que eram pioneiros na matéria, e da França. Conhecemos melhor as finanças pontifícias porque elas foram objeto de estudos importantes e notáveis por parte de Bernard Guillemain e principalmente de Jean Favier. 10 Instalando-se em Avignon, o papa se situa mais ao nível de um príncipe de uma potência particular do que do chefe da Igreja que era em Roma ou na Itália quando a situação social provocou sua mudança para a França. Desde o primeiro dos papas de Avignon, Clemente V (1305-1314), a atividade principesca dos papas reclama um aumento das despesas da corte pontifícia. Muito rapidamente a corte pontifícia passa a dispor de quatrocentas a quinhentas pessoas de toda ordem, cem a mais do que em Roma no tempo do então último papa romano Bonifácio VIII. Clemente V, como mostrou muito bem Bernard Guillemain estudando a conta do quarto ano de seu pontificado, conta para a qual se tem ótima documentação, gasta nesse período 120 mil florins, 30 mil dos quais para seu palácio: criadagem, alimentação, cera, madeira, feno, lavagem de roupa, manutenção dos cavalos e esmolas. As despesas não domésticas são a compra de pergaminhos e já de papel, as despesas de capelães, notários ou mensageiros. As receitas provêm em primeiro lugar da suserania da Santa Sé: os impostos devidos pelo rei de Nápoles e por outros senhores italianos e o óbolo de São Pedro pago pelos reinos escandinavos. Mas esses pagamentos nem sempre são honrados por aqueles que devem fazê-lo, apesar das frequentes excomunhões. As somas que por sua eleição ou nomeação devem pagar os novos bispos e abades chegam a 26 mil florins. Jean Favier lembra que alguns atrasados de dízimos completam a receita. Clemente V consumiu uma parte importante das receitas pontifícias fazendo doações a grandes personagens, com as quais pretendia atrair o favor e a proteção, como os reis da França e da Inglaterra, mas também — e principalmente — à sua família,

porque pratica amplamente o nepotismo. Se a Igreja, como se viu, organizou, ao menos desde o pontificado de Inocêncio III (1198-1216), seu orçamento financeiro em relação à sociedade cristã, a corte pontifícia ainda não tinha chegado a esse ponto de organização. Uma etapa essencial foi cumprida por João XXII (1316-1334), que estendeu o fisco pontifício a todos os benefícios.

Dois acontecimentos agravarão consideravelmente as necessidades da corte pontifícia: por um lado a construção do Palácio dos Papas em Avignon de 1345 a 1360 e, por outro lado, o desenvolvimento das guerras mantidas na Itália contra os agressores dos Estados pontifícios. Voltamos a encontrar aqui dois grandes domínios que aceleraram e aumentaram na Idade Média o recurso ao dinheiro: a construção e a guerra. O Estado pontifício avinhonense é levado então a aumentar suas exações 11 a partir do pontificado de Clemente VI (1342-1352). A primeira fonte de receitas consiste na penhora dos benefícios, que se manifesta de duas maneiras: seja através da nomeação direta pelo papa de titulares de benefícios com uma parte destinada ao próprio papado, seja com a confiscação pela Santa Sé do rendimento dos benefícios vacantes. O fisco pontifício vê- se de modo inesperado fortemente enriquecido como consequência da grande catástrofe que atinge a cristandade europeia a partir de 1348, a peste negra. A morte de titulares de benefícios pela epidemia multiplica as fontes pontifícias quanto à reserva dos benefícios. A avidez pontifícia aumenta os conflitos entre a Santa Sé, as Igrejas nacionais e os príncipes. É o caso em particular da Alemanha e por longo tempo da Inglaterra. É possível dizer que a avidez fiscal do papado avinhonense foi uma das causas longínquas da Reforma. Da penhora por parte da Santa Sé sobre os benefícios surge uma nova fonte de rendimentos. Na verdade, os clérigos adquirem o hábito de enviar ao papa, com grande antecedência, uma súplica no sentido da obtenção de um benefício quando este ainda está na posse de seus titulares. Para torná-las ainda mais eficazes, essas súplicas frequentemente são acompanhadas de doações à Santa Sé. Já em 1309, como conta Jean Favier, um clérigo aragonês levando uma súplica a Avignon escreveu: “Ninguém acredita que se possa fazer alguma coisa por direito justo, por piedade ou por caridade se não se tem denários.” O fisco pontifício avinhonense assume às vezes uma tal importância que os clérigos vítimas dele eram incapazes de pagar e conseguiam obter diminuição das somas exigidas. Outra consequência desses excessos foi que o pagamento das anatas, que incidia sobre os benefícios maiores e os “serviços comuns”, e em vez de ser regulamentado para uma única cobrança, como era normal, passou a estender-se por várias prestações.

O papado de Avignon também desenvolveu uma antiga prática, porém até então limitada, para a negociação com os príncipes leigos de uma outorga a eles do produto de uma contribuição exigida pela Igreja. Essa prática tivera origem, ou pelo menos sua quase generalização, na época das cruzadas, que, supõe-se, a Igreja tinha de financiar em parte. Os príncipes cristãos retomaram essa negociação no século XIV, o que levou a Igreja a evocar frequentemente a possibilidade de uma nova cruzada. Retoma-se aqui a ligação entre o dinheiro e a guerra ainda mais notável, pois se tratava de uma guerra por motivo religioso, de resto tornada ilusória, como a história mostrou. O papado avinhonense imaginou outro processo para obter dinheiro. Tratava-se das procurações. Os eclesiásticos de alta condição, bispos, arcediagos, deões, 12 tinham obrigação de visitar a intervalos regulares as igrejas que estavam sob sua jurisdição. Tocava-lhes uma quantia correspondente aos gastos de deslocamento chamada procuração. O papa Inocêncio IV no século XIII suprimiu essas procurações, tornando obrigatória a hospitalidade gratuita aos prelados visitadores. Os papas de Avignon não se contentaram em restabelecer as procurações, reservaram a metade do dinheiro delas à Santa Sé. Como no caso da maior parte dos aumentos ou das inovações do papado em matéria

fiscal, essa reserva, que era segundo Jean Favier um verdadeiro sequestro financeiro, foi justificada pela Santa Sé dadas as despesas que lhe impunha a luta contra a heresia. Sabe-se, entretanto, que a virulência da heresia foi menor no século XIV do que no XIII. Vê-se assim como o dinheiro foi, para o papado, motivo de manutenção de uma imagem enganadora da realidade religiosa no mundo e do papel da Igreja “romana”. Cruzadas, heresias sobreviviam na imaginação dos cristãos para satisfazer os apetites financeiros da Igreja.

Pelos custos de seu palácio e das operações militares na Itália, o papado de Avignon foi considerado na sociedade do século XIV uma comunidade particularmente rica. Em torno dos papas, os membros mais eminentes dessa comunidade, os cardeais e prelados, 13 enriqueciam nessa situação. Também desempenharam, numa sociedade em que o endividamento se desenvolvia, um papel não negligenciável de credores, mas, em razão da tradição eclesiástica, estavam dispostos, mais que os outros emprestadores da cristandade, a manipular as peças de tesouros ao lado dos valores monetários e recebiam em geral como garantia de seus empréstimos peças de ourivesaria. Jean Favier cita muitos exemplos dessas garantias, eu lembro o do cardeal Guillaume d’Aigrefeuille, que em 1373 recebeu como garantia duas cruzes de ouro cravejadas de esmeraldas, pérolas, safiras e camafeus, baixelas de prata, candelabros e até a cátedra de prata que tinha sido de Clemente VI, o equivalente a 30 marcos de ouro e 1.600 marcos de prata.

Um dos principais problemas que o papado encontrou foi a transferência para Avignon das somas das coletas no conjunto da cristandade. O transporte material por estrada estava ameaçado pela insegurança que reinava numa grande parte da Europa, sobretudo naquele século XIV em que assaltantes mercenários, os bandidos das estradas, são numerosos. Parece mais indicado recorrer aos bancos, tanto mais que a instalação do papado em Avignon provocara a chegada de muitos deles à cidade. Mas aqui entram duas circunstâncias negativas. A cristandade ainda não está habituada à prática bancária, a rede de agências capaz de garantir as operações de câmbio regularmente é muito limitada. Fora da Itália quase não há postos bancários, a não ser em Londres, Bruges, Paris, Montpellier, Barcelona e Lisboa. Além disso, os bancos temem a falência a que poderiam ser levados por uma grande atividade de empréstimos, como houve nos anos 1342-1346. Só funcionam bem as relações financeiras da Igreja com a Itália, e em particular o financiamento pelo papado de Avignon de suas empresas italianas.

Em resumo, o papado de Avignon se beneficia com um crescimento de sobe e desce, porque no total há uma forte progressão de rendimentos fiscais: 228 mil florins por ano sob João XXII (1316- 1334), 166 mil sob Bento XII (1334-1342), 188.500 sob Clemente VI (1342-1352), 253.600 com Inocêncio VI (1352-1362), 260 mil com Urbano V (1362-1370) e afinal um grande avanço com Gregório XI (1370-1378), 481 mil florins.