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CASO LUIZA PEREIRA DA CUNHA BEZERRA (1912)

Neste processo31, os documentos analisados são a petição inicial ao Cartório de “Orphãos” (fl. 2 do processo), a Autuação na Delegacia de Polícia de Fortaleza (fls. 3-4) e o Auto do Exame de Sanidade (fls. 6-7).

Lembra-se de que as Ordenações Filipinas e a Consolidação das Leis Civis são vigentes, tendo em vista ser o processo de 1912, ou seja, antes do Código Civil de 1916.

A petição inicial é datada de 28 de novembro de 1912, sendo endereçada ao suplente do Juiz substituto em exercício. O advogado do caso é Francisco Saraiva Leão.

31 Exame de Sanidade de Luiza Pereira da Cunha Bezerra-1912 (Cartório de Orphãos). CX01-Nº 02, 211

(Acervo: Arquivo Público de Fortaleza).

A situação relatada, conforme a petição e o documento da Autuação na Delegacia, é a seguinte: em 9 de agosto de 1912, faleceu Felippe da Cunha Bezerra, viúvo de D.ª Candida Pereira da Cunha Bezerra, deixando como herdeira única e universal a filha, Luiza Pereira da Cunha Bezerra. Segundo o advogado, a “desventurada moça”, de 26 anos de idade, apresentava quadro de insanidade mental.

O autor, ali representado, é Domingos da Serra e Silva, qualificado apenas como “parente afim” do falecido Felippe da Cunha Bezerra. Nenhuma lei é apresentada para embasar a legitimidade do mesmo, mas se sabe que as Ordenações Filipinas em seu L. IV, Tit. 103, §5º, assim como no art. 312, §§6º e 7º da Consolidação das Leis Civis, preveem que, na falta das pessoas anteriormente delimitadas, podem ser curadores “os parentes mais chegados”, e, na ausência destes, “qualquer estranho”, desde que seja idôneo. Assim, como na situação relatada os pais da moça faleceram e esta é dita solteira, poderia haver legitimidade para o postulante ser curador.

Apesar disso, o pedido de Domingos da Serra e Silva não é necessariamente para ser nomeado curador, mas que, se for necessário, seja nomeado “um curador”, não explicitando o desejo de ele mesmo ocupar a função.

Um aspecto peculiar da peça é o fato de o advogado aduzir já ter sido realizado o exame de sanidade, o qual é anexado no processo. Afirma o patrono já restar comprovada a insanidade mental da interditanda, assim como a sua incapacidade de gerir a sua pessoa e os seus bens.

O pedido da exordial, portanto, não é no sentido de que seja realizada perícia, mas apenas que seja ouvido o Curador Geral, decretada a incapacidade da interditanda e nomeado um curador para a mesma.

Em anexo, de fato, constam o pedido de requisição de exame e os autos da perícia realizada. O pedido de realização de exame foi feito na Delegacia de Polícia de Fortaleza, conforme Autuação de fl. 3-4. Neste, o mesmo advogado, no dia 21 de setembro de 1912, em petição endereçada ao “Doutor Delegado da Polícia”, relatou o caso e requereu que fosse ordenado a dois facultativos da polícia que realizassem exame de sanidade na enferma Luiza Pereira da Cunha Bezerra.

Conforme Auto do Exame de Sanidade (fls. 6-7), este foi realizado no dia 22 de setembro de 1912, ou seja, no dia seguinte ao requerimento do advogado na Delegacia de Polícia. O local do exame foi a casa do falecido Felippe da Cunha Bezerra, situada à Rua da Trindade. Presentes estavam: o Delegado de Polícia, Doutor Pergentino Augusto Maia, o

escrivão Candido Olegario Moreira, os “Doutores em medicina” Cesar Cals de Oliveira e Gentil Pedreira e a examinada Luiza Pereira da Cunha Bezerra.

No auto do exame é dada grande ênfase ao compromisso legal que os médicos assumem, sendo aduzido que lhes foi designado pelo delegado “o compromisso legal de bem e fielmente desempenharem a sua missão, declarando com verdade o que descobrissem e encontrassem e o que suas consciencias entenderem”.

Os quesitos do exame são expressamente delimitados, consistindo em verificar primeiro se a paciente seria “imbecil”; segundo, se essa imbecilidade seria nativa e, se não, quando teria surgido; e, terceiro, se o estado da paciente a tornaria absolutamente incapaz para gerir seus negócios e administrar seus bens.

Posteriormente, é relatado que os médicos fizeram perguntas à examinada, tanto as de praxe quanto as que julgaram necessárias, mas em nenhum momento é dito quais seriam exatamente essas perguntas, ou quais foram as respostas que Luiza Pereira da Cunha Bezerra forneceu. É dito apenas que os médicos concluíram que “o exame da paciente revelou absoluto desequilíbrio mental”, e que foram respondidos os quesitos objetivamente.

Quanto ao primeiro quesito, responderam que “sim”, concluindo que a examinada é “imbecil” (conceito abordado no Capítulo 2). Em relação ao segundo, a resposta foi que a imbecilidade seria nativa. Já quanto ao terceiro quesito, responderam que “sim”, indicando que o estado da enferma a torna absolutamente incapaz de gerir seus negócios e administrar seus bens.

É notório, assim, como demonstrado, serem claros os quesitos considerados importantes na análise judicial da enfermidade, neste processo de interdição, sendo estes, em síntese: qual o diagnóstico?; desde quando a pessoa apresenta a doença?; e o estado de insanidade é suficiente para designar que a paciente é absolutamente incapaz de administrar sua pessoa e seus bens?

Esses pontos são fundamentais na ponderação acerca da validade dos atos jurídicos praticados pela suposta louca, assim como para designar se é necessária a nomeação de um curador. Na Autuação na Delegacia de Polícia (fls. 3-4) dá-se a entender que os requisitos foram organizados pelo Delegado de Polícia. Os quesitos não são exigidos expressamente nas Ordenações Filipinas dessa maneira e não se encontrou outra legislação vigente no período que os determinasse como obrigatórios.

Além disso, ressalta-se que, como não são apresentadas as perguntas diretamente feitas à enferma e as efetivas respostas de Luiza Pereira da Cunha Bezerra, não é possível aduzir qual foi exatamente o comportamento da enferma que justificou o diagnóstico trazido

de incapacidade. Assim, o fato de tais informações não terem sido apresentadas traz ainda alguma incerteza acerca da precisão do diagnóstico, visto não haver transparência no processo, já chegando o exame ao juiz com as opiniões dos médicos, mas sem contexto fático.