• Nenhum resultado encontrado

O processo de interdição de Maria José Bezerra33, diferentemente dos anteriores, já ocorre na vigência do Código Civil de 1916 e os documentos trazem, comparativamente, muito mais referências diretas a artigos.

A petição inicial (fl. 2) foi interposta em 05 de junho de 1923 e foi endereçada ao Juiz Municipal da 2ª Vara. Teve como promovente Maria do Carmo Bezerra, a qual se identificou como mãe da promovida, Maria José Bezerra. Os advogados da requerente eram Manoel Belém de Figueiredo e Renato Vianna.

Relatou-se que a promovente reside na cidade de Fortaleza e é mãe de Maria José Bezerra. A filha teria contraído casamento com João Pedro Coutinho, de quem se separou há quatro anos. Na constância da sociedade conjugal, não adquiriram bens e que não se saberia o paradeiro do marido.

Afirmou-se que, após a separação, Maria José Bezerra chegou a adquirir bens; dentre estes, duas casas. Contudo, Maria José Bezerra teria subitamente enlouquecido e, por isso, foi recolhida ao Asilo de Alienados da capital, onde ainda se encontraria.

33Interdicção de Maria José Bezerra- 1923 (Cartório de Orphãos) CX01nº05; Processo de nº 93º (Acervo:

Indica-se que o caso se enquadra na hipótese prevista no inciso I do art. 446 do Código Civil e que o pedido da requerente estaria amparado no inciso I do art. 447 do mesmo Código. Afirmam os referidos artigos, respectivamente:

Art. 446. Estão sujeitos à curatela: I – os loucos de todo o gênero; [...] Art. 447. A interdição deve ser promovida: I – pelo pai, mãe, ou tutor;[...]

Requereu a promovente, assim, que fossem procedidas as diligências do artigo 450 do Código Civil e ouvido o Curador Geral de “Interdictos”, para que fosse decretada a interdição de Maria José Bezerra.

São as diligências do art. 450:

Art. 450. Antes de se pronunciar acerca da interdição, examinará pessoalmente o juiz o argüido de incapacidade, ouvindo profissionais.

Relatou a autora, ainda, que é casada com Antônio de Pinho Campello, lavrador, e que o mesmo estaria em lugar remoto. Por isto, pede para se utilizar do direito que é previsto no parágrafo único do art. 252 do Código Civil:

Art. 252. A falta, não suprida pelo juiz, de autorização do marido, quando necessária, invalidará o ato da mulher, podendo esta nulidade ser alegada pelo outro cônjuge, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

Parágrafo único. A ratificação do marido, provada por instrumento público ou particular autenticado, revalida o ato.

Em Certidão de fl. 7, datada de 6 de junho de 1923, atesta-se que o Juiz Municipal dos “Orphãos” interrogou a arguida de incapacidade. Porém, relata-se ter deixado de cumprir a determinação do art. 1.097, parágrafo único, do Código de Processo Civil e Commercial, a qual define que o interrogatório deve ser reduzido a termo assinado pelo juiz e órgão do Ministério Público.

Aduziu o escrivão que não teria reduzido o interrogatório a termo “em vista da anormalidade das respostas da paciente”. Assim, deixa-se de informar como e quando ocorreu o interrogatório, não se relatando as perguntas que foram feitas e as respostas e reações de suposta louca às mesmas. Não é dada mais nenhuma explicação em relação a isto, o que deixa dúvidas do que teria ocorrido durante o interrogatório que justificasse não ser este reduzido a termo, por motivo de “anormalidade”.

O exame de sanidade (fl.6) também teve pontos peculiares em relação aos de outros processos analisados. No caso, o exame foi realizado no dia 6 de junho de 1923, na

Vila da Parangaba, no próprio Asilo de Alienados de São Vicente de Paula, onde a examinada já estava internada. Compareceram o Juiz Municipal dos “Orphãos” (Gabriel José Cavalcante) com o Escrivão, o Curador Geral dos Orphãos (José Pires de Carvalho), o advogado Renato Vianna e a requerente. Os peritos nomeados eram os médicos Amadeu Frutado e Luiz Costa. Deferido o compromisso, como de praxe, os médicos passaram à análise da paciente. Contudo, em vez de ali proferirem o diagnóstico, como fizeram nos demais processos apresentados, neste caso, pediram o prazo de cinco dias para decidir sobre o estado mental da paciente.

O Juiz concedeu o prazo aos peritos e, cinco dias depois, conforme fl. 8, os médicos apresentaram uma declaração final. Relataram ter a paciente trinta anos, ser de cor branca e, sobre o diagnóstico, concluíram: “verificamos que ella esta soffrendo das faculdades mentaes. Acha-se, portanto incapaz de bem administrar sua pessôa e bens”. Novamente, não foram relatadas as perguntas feitas ou como se procedeu o exame efetivamente. Também não foi apresentado diagnóstico mais específico acerca da doença mental da qual sofreria a dita louca, afirmando-se apenas que a mesma sofre das faculdades mentais.

O Curador Geral, em 14 de junho de 1923, manifestou-se em favor da interdição, com base no exame, fazendo a ressalva de que a interdição deve ser levantada caso a doente se restabeleça. Requer, ainda, que seja obedecida a gradação do art. 454 do Código Civil quanto à nomeação de curador. Trata esse artigo:

Art. 454. O conjugue, não separado judicialmente, é, de direito, curador do outro, quando interdito (art. 455).

§ 1º Na falta do conjugue, é curador legitimo o pai; na falta deste, a mãe; e, na desta, o descendente maior.

§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos, e, dentre os do mesmo grau, os varões às mulheres.

§ 3º Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador. Em sentença (fl.11), no mesmo sentido do exame de sanidade e do parecer do Curador Geral, o Juiz decretou a interdição de Maria José Bezerra em 15 de junho de 1923.

Após a declaração de incapacidade, contudo, surgiu, no processo, discussão acerca de quem poderia ser o curador. Asseverou-se que, como o marido da interdita estava ausente e em local incerto, não poderia ser ele o curador. Do mesmo modo, como o pai se encontrava em lugar remoto também não tinha condições de ser o curador. Na ordem do supracitado §1º do art. 454, então, a próxima pessoa possível seria a mãe. Contudo, aponta o Escrivão que, nos termos do art. 242 do Código Civil de 1916, mulher casada não pode aceitar tutela ou curatela sem autorização do marido.

Diante da situação, a requerente interpôs petição nos autos (fl.14), aduzindo que a exigência do requisito legal da outorga do marido protelaria o ato do compromisso, o que seria prejudicial diante da situação urgente, com os bens em estado de abandono. Pediu para que fosse logo decretada a curadoria, afirmando que, em quinze dias, iria apresentar instrumento de ratificação do marido, na forma do §único do art. 252. Estes termos foram aceitos pelo juiz e Maria José Bezerra foi nomeada curadora da filha.

A curadora, posteriormente, veio a apresentar outra petição aos autos, constante à fl. 19, fazendo um requerimento. Queria que lhe fossem entregues duas coisas apreendidas pela polícia na ocasião do primeiro acesso de loucura da filha: a importância de “quatro contos, duzentos e tantos mil réis” que estava na bolsa da moça, assim como a chave da residência de sua filha, onde se encontravam todos os móveis, objetos e roupas pertencentes à interdita. Não se menciona em momento algum qual foi exatamente esse incidente que resultou na polícia apreendendo bens da interdita.

O pedido da curadora foi aceito e um ofício foi enviado ao Delegado de Polícia no dia 19 de junho de 1923. Os bens foram entregues a curadora, como atesta ofício da Delegacia da Capital de 21 de julho de 1923.

Ocorre, porém, que, no dia 28 de novembro de 1923, nova petição é interposta nos autos. Nesta, a própria interdita, em conjunto com sua mãe e curadora, Maria do Carmo Bezerra, relatou que, após a interdição, teria sido recolhida ao recato da casa de seus pais, em Riachão, termo e comarca de Baturité, onde até agora se encontraria, “já no gozo de suas faculdades mentaes”.

Requereu Maria José Bezerra o levantamento de sua interdição, sendo comprovada a sua capacidade, por meio de exame médico a ser procedido. Pediu que fossem nomeados dois profissionais para procederem o competente exame, assim como que fosse ouvido o Curador de “Interdictos”, na forma dos art.s 1.103 e ss. do Código de Processo Civil e Commercial do Estado. Ressaltou que, como estaria residindo na casa de seu pai no município de Baturité, sendo exíguos os seus recursos pecuniários, poder-se-ia nomear facultativos que ali residem, se não fosse preferível nomear os mesmos médicos os quais realizaram o primeiro exame, conforme aduz o art. 1.104 do referido Código.

Desse modo, foi realizado novo exame de sanidade (fl. 45) em 19 de janeiro de 1924. Este foi feito em Fortaleza, em casa de residência da curadora, à Rua Santa Izabel, nº 437, na presença do Juiz Municipal de “Orphãos” (Gabriel José Cavalcante), do Escrivão, do Curador Geral dos “Orphãos”, da curadora da interdita e dos peritos Amadeu Furtado e Luiz Costa, os mesmos do exame anterior. Concluíram os médicos: “verificamos que a referida

senhora não se acha actualmente soffrendo de suas faculdades mentaes, achando-se capaz de administrar seus bens”. Após, à fl. 47, o Juiz reconheceu o levantamento da interdição.

Depois de todo o ocorrido, ainda veio aos autos Maria José Bezerra peticionar pela emissão de alvará que lhe permitisse levantar depósito em seu nome, deixando-a habilitada para retirar da Caixa Econômica o principal de juros e depósitos que lá possuia. Pediu que ficasse explicitado no documento que a sua capacidade civil fora readquirida.

Este processo, portanto, deixa algumas dúvidas. Não se explicita o que ocorreu no interrogatório que foi considerado por demais “anormal” para ser reduzido a termo. Em nenhum dos exames é demonstrado o procedimento adotado ou se menciona o diagnóstico específico da doença que acometeu Maria José Bezerra. Faz-se menção a incidente na polícia, em razão do “primeiro acesso de loucura” da dita alienada, mas não se explica o que teria ocorrido.

Além disso, no exame inicial, os médicos pedem prazo para decidir sobre a insanidade, o que pode significar algum grau de incerteza quanto ao estado mental da examinada. O Curador Geral, em seu parecer, chega a ressaltar possibilidade de levantamento de interdição no caso de melhora. O levantamento, de fato, acontece, tendo a interdita recobrado a sanidade pouco tempo depois, considerando que a interdição foi em junho de 1923 e o pedido de levantamento em novembro do mesmo ano.

Desse modo, verifica-se que são citados mais institutos legais do que em relação aos casos anteriores, e os procedimentos parecem mais claros, com as constantes menções ao Código Civil de 1916 e ao Código de Processo Civil e Commercial de 1921, mas isso não necessariamente implica dizer que o processo realizado desse modo trouxe mais segurança à dita alienada. Na verdade, não é possível tirar conclusões contundentes quanto a isso devido a várias dúvidas que advêm do modo como os fatos do processo são apresentados.