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Como anteriormente explanado, este caso, assim como os próximos quatro, são advindos do acervo do Arquivo Público de Fortaleza. São todos de competência do Cartório de “Orphãos” e designados como Exame de Sanidade ou “Interdicção”.

Neste tópico, trata-se do Exame de Sanidade de Luiz Lopes da Cunha30, iniciado em 1908, analisando-se, sobretudo, a petição inicial interposta (fl.2), os autos do exame de sanidade (fl.3), o parecer do Curador Geral de “Orphãos” (fl. 4), a sentença de interdição (fl.6), a posterior indicação do Escrivão acerca do melhor curador (fl. 7), o termo de curatela

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Exame de Sanidade de Luiz Lopes da Cunha-1908 (Cartório de Orphãos)-1908. CX01Nª01 (Acervo: Arquivo Público de Fortaleza)

(fl. 8), o edital publicado (fl. 9), a descrição de bens (fl.13) e a prestação de contas apresentada (fl.14-21).

A petição inicial (fl.2), interposta em 28 de julho de 1908, teve como promovente Octavio Vieira e como promovido seu sogro, Luiz Lopes da Cunha. Relatou o autor que o sogro passou a apresentar “falta de orientação” em relação aos bens que administrava, que teria limitado os recursos à família e estaria sendo frequentemente lesado por praticar atos de “verdadeira loucura”. Afirmou o promovente que Luiz Lopes da Cunha se tornou indiferente aos “commodos proprios” e às pessoas que “lhe devem ser caras”. Aduziu que o suplicado, o qual costumava ser regrado nos gastos, vivendo na “abastança” e fazendo prosperar os negócios, teria se tornado “tresloucado”, não administrando seus bens e não cuidando da família.

Requereu, portanto, na exordial, que o promovido fosse posto à curatela, após as necessárias diligências para verificar o alegado. Pediu, ainda, a citação, nos “termos de direito”, do Curador Geral.

Nesta peça, apesar de serem mencionados termos como “direito” ou “lei”, em sentido geral, não é citado nenhum artigo ou legislação em específico. O mesmo pode ser dito acerca do exame de sanidade.

O auto do exame de sanidade de Luiz Lopes da Cunha consta à folha 3. É relatado ter ocorrido no “Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil novecentos e oito, aos trinta dias do mez de julho” (30 de julho de 1908), na residência do examinado (Rua Senador Pompeu, nº 81, Fortaleza, Estado do Ceará). Descreve-se terem estado presentes o Juiz Substituto dos Orphãos (Gabriel José Cavalcante), assim como o Escrivão, o Escrivão ajudante, o Curador Geral dos “Orphãos” e os médicos João Guilherme Studart, Bruno Miranda Valente e José Carneiro, peritos nomeados.

Explicita-se, com detalhe, a formalidade do compromisso conferido aos médicos (o que ocorre em todos os exames de sanidade analisados nesta pesquisa):

[...]o dito Juiz lhes deferiu o compromisso legal e lhes descarregou que debaixo d’elle, com bôa e sã consciencia procedessem ao exame do referido Luiz Lopes da Cunha, questionando sobre os pontos práticos e modo de vida que tem, afim de informares qual é o estado de suas faculdades intellectuaes. Recebido por elles dito compromisso assim o prometeram cumprir; [...]

Descrevem-se, no auto do exame, as perguntas feitas pelos médicos, sendo algumas destas, por exemplo, em relação à idade do examinado e quanto ao seu estado e meios de vida. Indica-se terem os peritos perguntado “tudo o mais que julgaram a propósito para bem desempenharem a sua missão”. Apesar disto, não são redigidas, no auto, as

respostas fornecidas pelo examinado. Indica-se apenas que, com base nestas, os médicos chegaram à seguinte conclusão:

[...]o pasciente acha-se sofrendo de huma psychose chronica, caracterisada escencialmente por enfraquecimento mental, achando-se subordinados a esse fundo demencial diversas manifestações sensoriaes pelo que o consideraram, digo que consideram o referido doente irresponsável.

Relata-se também, no auto do exame, ter o Juiz feito perguntas ao paciente, porém não se especifica quais foram e nem quais as suas respostas. Por fim, concluiu-se que o examinado é, de fato, incapaz.

À fl. 4, o Curador Geral de Orphãos, Abner Carneiro Leão de Vasconcellos, emitiu parecer, datado de 31 de julho de 1908. Neste, fez um breve resumo do processo, ressaltando o diagnóstico de “psychose chronica, caracterisada por um enfraquecimento mental” e o fato de o promovido ter sido considerado irresponsável no exame de sanidade.

Citou a primeira legislação constante do processo, as Ordenações Filipinas, em seu Livro IV, título 103, para aduzir que os dementes são considerados incapazes da regência de sua pessoa e bens e que lhes deve ser nomeado curador.

Conceituou a demência como um “enfraquecimento ou perda das faculdades mentais” e citou a definição de Kraffl-Ebing, constante do livro Controvérsias Jurídicas de Duarte Azevedo (p. 12), a qual indica ser a demência “um estado que affecta os actos jurídicos- quando quer que fossem celebrados”.

O Curador Geral posicionou-se favoravelmente ao pedido, comentando que a nomeação de pessoa idônea para administrar os bens do doente é ato lícito, “apoiado nas disposições da lei”, pondo ênfase no interesse na conservação do patrimônio. Não mencionou, porém, o interesse no bem estar do doente.

Assim, argumentou o Curador Geral que o Luiz Lopes da Cunha deveria ser declarado interdito, sendo nomeado um curador, o qual deveria obedecer a ordem das disposições dos §§ do art. 312 das Consolidações das Leis Civis de Teixeira de Freitas:

Art. 312. Esta Curadoria será deferida na ordem seguinte:

§1º A' molhér do demente, sendo honesta e discreta, se quizér aceitar o cargo; §2º Ao pai, se o demente o tiver;

§3º Ao avô paterno, ou materno; e sendo ambos vivos, ao mais idôneo §4º Ao filho varão, se for idoneo, e maior de vinte e um annos;

§5º Ao irmão, tendo casa posta em que viva, e tambem maior de vinte e um annos; §6º Ao parente mais chegado, paterno ou materno, sendo idoneo e abonado conforme o patrimonio do demente;

§7º E finalmente á qualquer estranho, que tambem idoneo, e abonado, seja. (FREITAS, 1876, p. 217-128)

Afirma, também, ser necessário determinar que a dita curadoria proceda com inventário, exceto no caso de a curadora ser a mulher do interditado, mencionando as Ordenções Livro IV, título 103,§1º.

Após o parecer, vem a sentença de interdição, que, por sua vez, consta na fl. 6 do processo e é datada de 03 de agosto de 1908. O Juiz o qual a proferiu não é o anteriormente mencionado, Gabriel José Cavalcante, mas sim o Juiz Substituto, Juiz de Direito da 1ª Vara, com exercício na de “Orphãos”, Francisco Fernandes Vieira.

A sentença é bastante breve. Considerou o exame de sanidade e o parecer do Curador Geral e, com base nestes, declarou interdito Luiz Lopes da Cunha, considerando-o incapaz para reger a sua pessoa e bens, assim como para celebrar qualquer ato da vida civil. Decretou, assim, a interdição do doente para todos os efeitos jurídicos. Determinou, ainda, a remessa dos autos ao Juiz Substituto dos “Orphãos” para que nomeasse um curador para o interdito, além de providenciar a publicação de edital, o qual informasse acerca da nulidade de qualquer ato jurídico celebrado pelo interdito sem a representação de seu curador.

O Escrivão, em 04 de agosto de 1908, à folha 7, informou ao Juiz que o interdito Luiz Lopes da Cunha é viúvo, e que a pessoa mais idônea para exercer a sua curatela é o promovente da ação, seu genro, Octavio Vieira. Conforme termo de curatela de folha 8, Octavio Vieira foi, de fato, nomeado pelo Juiz como curador do interdito, nos seguintes termos:

No dia 4 de agosto de 1908 no cartório, na presença do juiz “o dito juiz deferiu o compromisso legal de bem e fielmente, com bôa e sã consciencia, sem dolo, malicia ou afeição servir de Curador do mesmo seu sogro, assistindo a sua pessôa e bens; tratando-o afim de restabelecer a sua saúde, e promovendo tudo quanto fôr necessario a bens do mesmo.

O Edital acerca da interdição foi publicado em 5 de agosto de 1908, tendo a seguinte redação:

O Dr. Gabriel José Cavalcante, Juiz Substituto dos Orphãos da cidade de Fortaleza e seu termo por nomeação legal etc, etc.

Faço saber aos que o presente edital virem, que por sentença deste juizo de tres do corrente mez foi declarado interdicto Luiz Lopes da Cunha, por ser julgado incapaz de reger-se e administrar sua pessôa e bens; pelo que serão nullos e de nenhum efeito todos os contractos e convenções com elle feitos, sem assistência de seu Curador que é o cidadão Octavio Vieira e autorisação deste Juizo. E para que chege á noticia de todos e allegar não possam ignorancia, mandei passar o presente que sera affixado no lugar de costume e publicado na imprensa.

Dado e passado nesta cidade de Fortaleza, aos 5 de agosto de 1908. Eu, José Francisco Maia, Escrivão ajudante, o escrevi. Eu Antônio Felino Barroso, Escrivão o subscrivi- Gabriel José Cavalcante.

Por fim, apresentou o curador a descrição dos bens do interdito (fl. 13) e, posteriormente, exibiu prestação de contas ao juízo (fl. 14-21). Quanto à descrição de bens, cumpre ressaltar ser o patrimônio considerável. Relatou-se que o interdito possuía bens móveis e de “raiz”. A descrição dos bens móveis é detalhada, listando literalmente móveis da residência do mesmo, como um guarda-roupa, uma cama, um toucador etc. Quanto aos bens imóveis, demonstrou-se que o interdito possuía “uma casa de tijolo e telha nesta capital à Rua Senador Pompeu, nº 71, com três portas da frente e fundos de meio quarteirão”. Além disso, era da propriedade do mesmo um armazém de tijolo e telha, outras duas casas de tijolo e telha (uma destas pertencente às herdeiras D. Julieta e D. Adelina Cunha), uma casa de taipa e telha à rua do Paiol, todos localizados em Fortaleza, além de outros imóveis.

Observa-se, portanto, ter sido o interdito alguém de posses e verifica-se, no processo, a preocupação com os bens, havendo exigências de que sejam listados e que as contas sejam prestadas em detalhe. Não parece, porém, ser atribuído o mesmo grau de proteção ao bem estar do doente, ainda que, no termo de curatela, como já citado, seja prevista a assistência para a pessoa do interdito, prevendo-se que este deve ser tratado “a fim de restabelecer a sua saúde”.

Além disso, quanto ao exame de sanidade, verifica-se que é dado um diagnóstico claro e que são demonstradas algumas das perguntas feitas ao examinado. Porém, também é notório que não são mostradas as respostas do doente, ou o seu comportamento, e nem os motivos pelos quais os médicos chegaram à conclusão de que o examinado sofreria de insanidade mental.