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CATEGORIA 2 AMORES E PARES: EM BUSCA DE VINCULAÇÃO

6. DISCUSSÃO

6.2. CATEGORIA 2 AMORES E PARES: EM BUSCA DE VINCULAÇÃO

A categoria Amores e pares: Em busca de vinculação apresenta a trajetória das participantes na sua busca fora do núcleo familiar, por vínculos sejam eles amorosos ou de amizade, que lhes forneça alguma forma de sentimento e sentido de pertença e proteção, assim como referências não providas pelo núcleo familiar primário. Entretanto não conseguem pertencer a esse novo sistema, pois nunca se individuaram de fato do núcleo familiar. Permanecem em um constante movimento de busca de suportes identitários e de resolução dos processos de pertencimento-separação.

6.2.1. Subcategoria – Casamento e relacionamentos amorosos

SUBCATEGORIA ANALISADORES

Casamento e relacionamentos amorosos

 Relacionamentos amorosos como fuga do sistema familiar;

 Marido que assume função de pai;  Dificuldade na mudança para o papel de

esposa;

 Tudo fica bem quando o companheiro usa drogas também;

 Casamento como fuga do sistema familiar;  Presa ao relacionamento pelo vício;

 Mantendo abstinência durante o casamento;  Vivência de violência doméstica;

 Sentimento de perda com o término do casamento;

 Dedicando ao papel doméstico e de mãe mesmo sem reconhecimento.

A subcategoria Casamento e relacionamentos amorosos foi constituída pela história das trajetórias amorosas e dos relacionamentos das participantes da pesquisa. A partir dos

relatos foi possível compreender que seus companheiros também tinham um padrão de consumo de drogas. Vale ressaltar, que quando as participantes foram solicitadas a falar sobre suas histórias de vida, o grande enfoque foi dado para os relacionamentos amorosos. Trouxeram em suas histórias os dramas das relações amorosas vividas conforme destacamos a seguir. Claudia relata ter se vinculado a um homem mais velho como forma de sair de casa, mas que não conseguiu ficar casada, por sentir-se presa no relacionamento. Depois deste relacionamento teve vários companheiros, sendo estes relações permeadas por brigas e separações com retornos sempre para a casa dos pais. Cristiane desde a adolescência se separou de seu núcleo familiar, inserindo-se no contexto da rua e mesmo após várias tentativas de voltar a viver com sua família regressou para a rua, pois seus vínculos familiares já não eram capazes de estabelecer uma relação de pertencimento. Quando se casou ela fez uma tentativa de ter uma família. Entretanto para pertencer a esse novo sistema necessitou se anular para permanecer casada e no papel materno. Camila teve vários relacionamentos com homens mais velhos, que ocuparam um lugar quase paternal na relação, entretanto não chegou a se casar com nenhum. Tais situações nos levam a hipótese de que elas buscaram nestes relacionamentos contextos de pertencimento, que não obtiveram em seu núcleo familiar primário.

Com doze anos conheci uma pessoa mais velha que eu, que tinha quase quarenta anos e a gente ficou junto um tempo e ele era traficante. E a gente ficou junto até os meus dezessete anos. Nessa vidinha, eu saia de casa. Aos dezessete anos eu voltei pra casa, comecei a trabalhar com meu pai na Rodoferroviária e conheci o meu ex- marido. O meu pai, não queria muito, num tinha uma boa referência dele, mas a gente começou a namorar e eu engravidei. Aí a gente casou. Nesse, nesse período do meu casamento, foi tudo bem! Porque ele bebia, ele não usava drogas. Ele bebia e a gente saia muito. Mas ele não usava drogas e eu continuei a usar drogas. E ele foi tolerando até que, ele falou: “Poxa, você tá grávida! Você tem que pensar no teu filho, no nosso filho”. E aí eu fui tentando parar... Parei num certo período [...] meu marido começou a entrar em depressão. Ele era gente da Real Expresso na época. Ele começou a entrar em depressão. Ficar triste, querendo me ajudar de alguma forma, tentando resgatar, ele queria me resgatar daquilo. E eu não queria sair. Não tinha caído minha ficha ainda que eu tinha casado, que eu tinha uma família (Claudia)

E eu não consegui ficar naquela casa (casa dos pais) daquele jeito. Acho que casar, era mais por isso, sabe, eu não conseguia ficar, não aturava aquilo. (Claudia) A gente tava já para se separar, quando eu engravidei da G. e continuamos juntos. Entrei para uma igreja. Igreja batista. E fui, foi bacana. Foi uma época legal. Eu fiquei oito anos ali assim... E só que, sabe quando não era aquilo. Ele... Ele se entregou mesmo para aquilo. Ele estudou. Ele se formou em teologia. Hoje ele é pastor. Só que eu não conseguia viver aquilo. (Claudia)

Aí eu peguei meus dois filhos... A gente brigava muito. Eu peguei os meninos e fui pra casa da minha mãe. Larguei ele. A gente brigou. [...] Ele tentou voltar muito. Muitas vezes ele tentou resgatar nosso casamento. Só que eu não quis. E eu me senti livre. E esse período foi... Foi indo, foi indo. Até que já iam fazer cinco anos agora

que eu tava separada dele né? [...] Teve uma guerra também, que ele pegou... Queria meus filhos, ficar com os meninos, mas os meninos não queriam ficar com ele. Ele chegou a ir buscar a G. [...] eu morei um período em Alto Paraíso. Ela foi morar comigo. Ele... Ela veio de férias (para Brasília) e ele prendeu ela aqui. Ela estava estudando lá e tudo. Ele foi pra lá, pegou o histórico dela. Trouxe a menina à força. (Claudia)

Conheci o R. (companheiro atual) nesse período que eu fiquei aqui (em Brasília), de um mês. A gente se envolveu. Ficamos juntos. Estamos junto até hoje né? meio aos trancos e barrancos, mas a gente tá junto. E quando eu voltei... Eu fiquei com ele, que aconteceu toda essa problemática em Alto Paraíso, ele: “Poxa vamo morar junto. Vamo morar junto”. Eu falei tá bom. E foi ai onde eu conheci o crack. (Claudia)

Eu não tenho coragem de abandonar o outro (C.) não! O outro já me ajudou muito! E a pai da neném não... Eu não tenho coragem de abandonar ele de jeito nenhum, tadinho [...] Eu pensava... Meu sonho era ter um filho, uma filha do C. né?. Só que ele falou: “Eu não vou te enganar não. Eu sou vasequitomizado e num rola não”. [...] Sério! Eu num sei o que aconteceu que eu engravidei do J. (Falando de C.) E também ele me ajuda muito. É muito meu amigo! Sério... Eu não tenho coragem de abandonar ele não. Quando eu engravidei e tudo, ele vinha aqui direto. (Camila) Aí conheci o pai do meu filho, casei com ele e fiquei treze anos com ele. E ele também era da rua. Aí assim, depois que eu ajuntei com o pai dos meninos, eu fiquei treze anos de boa. Eu não fumava, eu não bebia, eu era dona-de-casa. [...] Eu num fazia nada de errado. Aí... Foi. Aí ele que me tirou lá da rua e tudo, mas só que foi um casamento fracassado! [...] Só problema! É, violência doméstica, ele me agredia, ele não me respeitava, ele saia de casa, dormia uma semana fora de casa, traição, essas coisas. [...] Aí a minha cabeça não suportou muito não! Aí pronto! Depois que, que eu separei a cabeça ficou fraca, ajuntou as mal companhias, eu num aguentava mais trabalhar, perdi emprego, perdi a guarde deles... Perdi o marido, perdi tudo! [...] Aí pronto! Fiquei com, muita assim, depressão, muito desânimo da vida, pra mim eu não tava importando mais com nada. (Cristiane)

O pai desse aqui (o bebê) pra completar também, aí eu engravido, aí vai preso, eu com cinco meses. Aí a cabeça pira de novo. Aí, mas pelo menos ele ta aí né. [...] Eu registrei sozinha. Quando ele sair, que eu vou ter que correr atrás pra por nome dele. (Cristiane)

A constante busca dessas mulheres por um contexto de pertencimento as leva para relacionamentos amorosos com o mesmo padrão relacional das famílias de origem, onde são desqualificadas. Por outro lado, para permanecerem casadas devem se anular, e com isso passam a se sentir presas e sem identidade. Seus parceiros também fazem uso de drogas ou traficam, mesmo quando estas tentam abstinência, criando todo um contexto de violência e tráfico, propício a manutenção do vício.

Para Ângelo (1995) a escolha do parceiro está fundamentada em um jogo de “cheios e vazios” emocionais, que forçam o sujeito a ver e ignorar aspectos sobre o outro a partir de seus desejos inconscientes, que estão diretamente relacionados à sua constituição como sujeito, fundamentada nas suas vivências no núcleo primário por meio de seus valores e das funções transmitidas pelo mito familiar. O grau de influencia do mito e dos valores familiares

sobre a escolha de um parceiro é proporcional ao grau de diferenciação da família de origem e da capacidade de elaboração da história e mito familiar. Isto quer dizer que a autonomia e a identificação com a estrutura relacional primária, influenciam a forma como será conduzida a escolha do parceiro. Para o autor, estar em um relacionamento abre espaços para elaboração de vivências relacionais anteriores, vividas no seio familiar. “Nas fases iniciais da construção do vínculo, cada parceiro torna-se o principal meio de transmissão e elaboração do mito familiar” (p. 49). No caso das famílias da pesquisa existe uma série de rompimentos transgeracionais, que interferem diretamente no processo de pertencimento-separação necessário a individuação do sujeito.

As mulheres desta pesquisa buscam constantemente dentro de seus relacionamentos amorosos formas de pertencer e reeditar sua história, mas sem sucesso. Cristiane e Claudia parecem abrir mão da sua própria identidade como uma tentativa desesperada para manter o casamento, até o momento que essa situação se torna insustentável. O término do casamento possibilita a Claudia experimentar um sentimento de liberdade. No entanto para Cristiane o término de um casamento extremamente violento faz com que perca o seu suporte identitário o que é desestruturante para ela. Camila, por sua vez, não consegue fixar-se em um relacionamento estável, buscando parceiros emocionalmente indisponíveis para ela.

6.2.2. Subcategoria – Amizades e amigos

SUBCATEGORIA ANALISADORES

Amizades e amigos

 Isolamento do grupo de amigos quando casadas;

 Amigos usuários de drogas e o medo da recaída;

 Amigas que estudam e trabalham como referência de mudança desejada;

Na subcategoria Amigos e amizades ficou evidente a posição ambivalente que os amigos ocuparam nas histórias das gestantes, polarizando entre culpados que incitaram o uso de drogas, mas que foram referências de vida e de objetivos. Os amigos então são constantemente lembrados ao mesmo tempo em que são evitados. No geral, os amigos ocupam um espaço importante na vida dessas mulheres, principalmente quando estas estavam

afastadas do núcleo familiar, onde na falta de garantia de pertencimento no contexto familiar, elas também não conseguem uma garantia de pertencimento no contexto social.

Você vai sair você vai encontrar um e outro e ai? Eu vou virar a cara prá eles? Num vou! Porque tem muita gente nesse meio que não são meus amigos mesmo, assim e se forem, se eles forem mesmo meus amigos eles vão entender e respeitar (a decisão de abstinência). Mas tem muitos que não vão entender, num vão respeitar, vão me oferecer, vão me instigar. (Claudia)

Eu quero ficar igual umas conhecidas minha. Elas trabalha, estuda, tem uma vida bacana né... Aí final de semana elas vai pro cinema. (Camila)

É... Vivia na casa das minhas amigas e minha amigas. Elas morava tudo longe e quando eu ia pra casa delas, eu já levava uma bolsinha de roupa, já ficava uma semana na casa de uma, uma semana na casa da outra... (Camila)

Assim, eu não tenho contato. Muitas me ligam né? Tanto que eu não quero nem receber visita delas né? Porque eu vou querer mudar a minha vida [...] Aí por isso que muitas eu nem quero receber muita visita, porque se vier eu vou querer voltar àquela rotina de antes. E também não vou nem ter tempo pra ficar saindo com elas, porque agora eu vou ter que ficar em casa até a menina parar de mamar no peito né? [...] E a maioria das minhas amigas tudo deixa nas costa das mães mesmo. (Camila) Acabou que essa menina falou que o dinheiro acabou só com passagem. Se ela veio cinco vezes, foi muito. E trouxe um creme de cabelo, trouxe uma pasta, uma escova de dente. E até hoje ela ainda não me deu conta desse dinheiro. Eu fico com vergonha de perguntar: M., o que você fez do dinheiro? Um dia desses eu fui perguntar, ela disse que o dinheiro acabou! É né? Mas sei lá... Isso me decepciona né, com as pessoas (referindo-se a uma amiga que foi paga pelo seu companheiro atual para acompanhá-la no hospital). (Camila)

Procurar me destacar dessas pessoas. Assim, eu tinha umas certas amizades que enquanto eu tinha dinheiro, enquanto eu tinha alguma coisa pra oferecer pra eles, eu era tratada bem. (Cristiane)

Quando Claudia, Cristiane e Camila saíram do contexto familiar ou de um relacionamento amoroso recorreram às amizades para ter um contexto de pertencimento entre os pares. A este respeito Carreteiro (2000) que afirma que a formação identitária é ao mesmo tempo coletiva e individual. Para esta autora, os grupos desempenham um papel importante dentro da constituição da identidade, pois desde o seu nascimento o homem vive em grupos. E são estes grupos os lugares privilegiados de formação dos “envelopes de identidade” e de constituição de espaço intermediário de passagem entre a realidade psíquica e o mundo exterior. Neste sentido, a autora coloca a importância de compreendermos as relações do sujeito com diferentes grupos ao longo de sua vida: “todo sujeito fez parte de muitos grupos de pertinência, que fornecerão, sem o seu conhecimento a inscrição de valores e de normas”. (p.35).

O pertencimento a grupos que possuem suas relações pautadas no uso de drogas fornecem, então, subsídios para a formação de uma identidade individual e grupal que tem

seus comportamentos e hábitos inscritos nessa realidade (MARTIN, 2011). Desta forma, a pertinência dos sujeitos aos grupos que participa se organiza em torno de interesses comuns, sendo que há um constante movimento, de continuidade ou descontinuidade (CARRETEIRO, 2000).

6.3. CATEGORIA 3 - DROGAS: PROCURANDO CONTEXTOS DE PERTENCIMENTO