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Subcategoria – Relacionamento com os pais

6. DISCUSSÃO

6.1. CATEGORIA 1 “FAMÍLIA À DERIVA”: PERDENDO-SE NO CAMINHO

6.1.3. Subcategoria – Relacionamento com os pais

SUBCATEGORIA ANALISADORES

Relacionamento com os pais

 Mães e filhas sem diálogo nem proximidade;  Pais como possível fonte de afeto apesar de

alcoolistas;

 Mãe cuida, se filha trabalha ou está casada;  Filha que não consegue ficar com a família e

volta para rua.

Na subcategoria Relacionamento com os pais é possível constatar que todas as participantes possuem em sua história um relacionamento distante com sua genitora, atribuído pelas participantes ao fato desta trabalhar fora e não haver uma comunicação clara entre elas. No que tange ao relacionamento paterno, Claudia faz uma identificação com seu pai, mas sempre em uma relação triangular de ambivalência com as figuras parentais: quando se aproxima do pai se afasta da mãe; quando se aproxima da mãe se afasta do pai. Além disso, esse vínculo paterno é empobrecido devido ao conflito conjugal e alcoolismo do genitor. No caso de Camila e Cristiane esse relacionamento é inexistente devido à morte precoce dos genitores. Como é possível ver a seguir:

Meu pai ia na reunião (referindo-se à escola) e falava com ela e ela ficava pra me dar bronca [...] meu pai é que falava um pouco comigo. Mas meu pai bebia muito também. [...] Eu tinha mais contato com meu pai. Minha mãe saia, eu tava dormindo. Minha mãe voltava, eu tava dormindo. E... Isso foi até meus doze anos [...] mas foi, foi engraçado porque assim, eu matava aula pra namorar. E a minha mãe, ela falava... Eu chegava em casa, ela fica sabendo que eu tinha matado aula e aí ela falava: “Você tá fumando maconha! Você é maconheira!”. E eu não sabia nem o que era isso. Enfim, eu fui me enchendo com aquilo. Num tinha diálogo com ela, num conversava né! (Claudia)

Minha mãe atendia o telefone, me esculhambava. Passava pra ele e ele sempre muito carinhoso comigo “Onde cê tá? Vem pra casa! Não faz isso” [...] ligava pra falar com meu pai. Num falava com minha mãe! Nunca tive um relacionamento bom com minha mãe! A gente só se ofendia. Só se maltratava. [...] Num sei se é bobagem o que eu to falando, mas eu acho que por ser filha única, o relacionamento que num tive com minha mãe, ela me dava de outras formas, ia me compensando de outras formas, me dando coisas sabe? Então eu fui ficando mimada mesmo. Isso tá passando pra minha filha também. (Claudia)

(Referindo-se ao pai) Ah! era ótimo. Eu lembro que eu aprendi a ler com ele. Assim, a gente saia e ele ficava mandando eu ler as placas, ficava me falando as letras assim. Porque ele trabalhava das duas da tarde às dez da noite. Então, no período da manhã ele ficava em casa. Eu estudava, mas quando eu chegava, ele tava em casa. A gente sempre almoçou junto sabe? A gente ia almoçar em restaurante,

antes de ter uma empregada em casa. Então ele sempre estava... Quem cuidava de mim era ele na verdade. (Claudia)

Claudia desenvolveu com seu pai um relacionamento de afeto, pois este constantemente buscou agradá-la com mimos e carinho. Mas, por outro lado, nunca se posicionando como uma figura de limite, necessária a estruturação da criança. E para além deste comportamento o pai em diversos momentos desautorizava a mãe, transpondo os problemas conjugais para a relação parental, criando um ambiente sem sintonia e continência afetiva. (Diário de campo, 17/09/2013)

E foi assim. Um relacionamento, sempre fazia tudo que eu queria sabe (o pai), quando a gente tava junto. Eu ligava quando tava fora. Os períodos que eu ficava fora de casa, eu só ligava pra ele. Na época que a gente não tinha celular, era só telefone fixo, eu ligava só pra ele. [...] Num sei se isso foi bom, se foi ruim sabe? Mas meu relacionamento com ele era assim. E eu achava muito bom. Bem diferente do da minha mãe. Até hoje a gente num se... Num... Quando sai um abraço é tão estranho, tão... Não é espontâneo sabe? Esquisito... (Claudia)

Camila tem uma história de vida marcada pela perda dos dois genitores em fases importantes da vida, quando era criança perde o pai, o que faz com que se aproxime muito de sua mãe. Entretanto, sua mãe apesar de amorosa, tem sua trajetória marcada pelo rompimento com a família de origem, o que fez com que a transmissão da história familiar e a comunicação ficassem truncadas, pois sua mãe não falava sobre sua história. (Diário de campo, 07/11/2013)

Durante toda entrevista tive a sensação que Cristiane não tem voz em sua família, foi constantemente interrompida por sua mãe que também desejava muito falar sobre sua história e sofrimento. Esse movimento provavelmente foi constante na vida da família o que corroborou com o sentimento de inadequação, por não haver espaço nem para a fala. Provavelmente, isso nunca foi elaborado por Cristiane, que acabou fazendo um movimento durante toda vida de fuga e de adoecimento psíquico. (Diário de campo, 26/11/2013)

(Referindo-se ao Pai) Eu tinha oito meses quando ele morreu. Minha mãe não casou mais não. A Mãe de Cristiane complementa: Morar com ninguém, nunca, nunca não! Só aconteceu, teve... Sumiu e tudo, e eu criei sozinha sem nenhum problema. (Cristiane)

Neste ponto da entrevista fiquei me questionando o quanto era difícil para aquela mãe entrar em contato com a realidade. Verbalizou que criou os filhos sem problema, sendo que a gestante da pesquisa ficou em situação de rua e institucionalização por toda sua adolescência, além de ter usado drogas por longos períodos. Teve outros dois filhos, após a morte de seu marido, com um homem que nunca morou junto e assumiu a criação destes filhos. Cristiane

ficou entre a morte do pai e o novo relacionamento da mãe e nascimento dos irmãos. Como ela diz: "Sou a do meio". (Diário de campo, 26/11/2013)

Para Minuchin (1982), Minuchin e Fishman (1990), Neuburger (1999), Penso (2003), Minuchin, Lee e Simon (2008) Sanchez (2012) a família é uma unidade funcional, um lugar onde o sujeito encontra suas matrizes relacionais e constrói sua identidade. A partir dessas falas fica evidente que há uma espécie de ruptura relacional, que não permite com que essas mulheres em seu papel de filha, se identifiquem com suas mães, muito menos se sintam pertencentes ao núcleo familiar. Segundo Ausloos (1996) nas famílias com histórico de uso de drogas, mesmo com o rompimento com o núcleo familiar, o indivíduo acaba por manter o mesmo padrão relacional da família de origem, pois não se individua deste núcleo primário, o que não permite reeditar sua história familiar.

A mãe de Cristiane não cuidava e não tinha uma boa relação com a filha, deixando-a na rua. A mãe de Claudia agredia a filha, não fez uma aliança com a filha, quando esta começou a namorar, empurrando-a para fora de casa. A mãe de Camila era a provedora, mas tinha um vínculo empobrecido com a mesma, com um diálogo empobrecido, falando apenas o necessário. Roldan e Galera (2005) afirmam que a falta de relações afetivas fortes na vida familiar durante a infância torna difícil para as mulheres desenvolver uma identidade materna no futuro. Isto limita as possibilidades de experiências positivas em contato físico, o cuidado infantil e a socialização. A contribuição de uma relação afetiva adequada na vida familiar é a de fornecer uma estrutura psicológica para que as mulheres possam assumir as responsabilidades maternas. A falta de tal relacionamento contribui para conflitos e vergonha (culpa), o que leva a mulher a sentir uma sensação de fracasso no seu papel de mãe e algumas dificuldades em aceitar suas responsabilidades maternas.

Para Kumpfer e Fowler (2007) a boa comunicação entre pais e filhos principalmente no que tange às regras familiares sobre uso de drogas é um fator importante na sua prevenção. Entretanto, para as autoras, as filhas tendem a ser influenciáveis pelas suas relações familiares, sendo a falta de apego seguro entre pais e filhos, a falta de investimento afetivo e supervisão assim como a falta de comunicação dos valores familiares, fortes indutores para o uso de substâncias.

Penso e Sudbrack (2004) estudando o processo identitário do filho portador de um sintoma como a dependência de drogas, constataram que este ocupa o lugar de filho

“parentalizado” que cumpre papel do pai dentro do sistema familiar, tornando-se “prisioneiro” da relação com a mãe. No caso das mulheres usuárias de drogas aqui estudadas esse processo de parentalização não ocorre, talvez pela falta da figura do pai dentro da família. Em decorrência da falta de identificação com a linhagem materna essas mulheres acabam rompendo com núcleo familiar em busca de outros contextos de pertencimento.