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CATEGORIA 5 – O FILHO QUE DEVOLVE A VISIBILIDADE À MÃE

No documento De mãe para filha : maternidade à "deriva" (páginas 95-100)

6. DISCUSSÃO

6.5. CATEGORIA 5 – O FILHO QUE DEVOLVE A VISIBILIDADE À MÃE

A formação da categoria “O filho que devolve a visibilidade à mãe” se baseou no discurso das três participantes da pesquisa que durante suas entrevistas, ao contarem suas histórias de vida, foram identificando a sua gestação e a vinda do novo bebê como um catalisador do desejo de mudança e de obter ajuda para a abstinência do uso de drogas, sendo composta pelas subcategorias descritas a seguir:

6.5.1. Subcategoria – Função da gestação e do filho

SUBCATEGORIA ANALISADORES

Função da gestação e do filho

 Filho que vêm para mudar a vida da mãe;  Gestação que leva para tratamento;

 Desejo que este filho não passe pelo que os outros filhos passaram;

 Filho como responsabilidade que dá sentido à vida;

 Gravidez indutora de responsabilidade;  Desejo de mudar e assumir a maternidade. Na subcategoria Função da gestação e do filho apareceu no discurso o desejo de que o filho ocupe um espaço em suas vidas que, aparentemente, era vazio e acabava sendo preenchido pela droga. Assim, com o surgimento da gestação, essas mulheres acabam por buscar ajuda, e reconhecem seus bebês como os grandes responsáveis por isto. Esse filho então é tido como um “presente vindo do divino”, pois sobrevive ao uso de drogas durante a gestação e vive para mudar sua vida, concedendo sentido à mesma.

Quero logo que ele nasça sabe? Pra eu ter mais uma coisinha pra eu me ocupar, me desviar disso, porque eu penso muito nisso (a droga) [...] hoje assim, eu sei que ele veio pra mudar alguma coisa na minha vida. [...] Ele vai mudar! Já ta mudando. E assim, por conta dele que eu tô aqui hoje, porque se eu não tivesse grávida, eu tava lá ainda do mesmo jeito, eu acho [...] E assim eu to vendo como um recomeço

mesmo né? Pra mim, pra essa criança também, que eu não quero que cresça nesse meio que eu tava vivendo. (Claudia)

Quanto eu não tinha essa menina eu vivia solta no mundo, vivia pra cima e pra baixo. [...] Não tava nem ai pra coisas. Que não tinha aqueles problemas lá (referindo-se ao uso de drogas) Mas agora eu to mais acordada né? [...] Por isso que foi até bom ter essa menina agora que eu fiquei com responsabilidade, porque quando eu não tinha a neném, eu não tinha quem dependia de mim, não tinha nada... É... Foi até bom eu ter engravidado, porque agora eu vou quietar um pouco. (Camila)

Pra não dizer que eu não ganhei nada nesse ano passado, eu ganhei esse menino aqui (referindo-se ao seu bebê), que Deus de me deu, porque o resto [...] Porque assim, eu acho que Deus deu ele mesmo foi pra mudança, porque o que eu já vi... Eu já levei tanto susto com ele, grávida. Eu já vi gente sendo baleada, eu já vi gente ser esfaqueado, eu já vi gente morrer nos meus pés e nunca passei mal. Assim, eu num me abalava! Deus sempre protegendo, protegendo, porque ele tinha que nascer pra me acordar. (Cristiane).

Como apresentado por Silva et al. (2013), nos casos aqui estudados também identifica- se uma idealização do bebê como um presente que veio para salvá-las da dependência química, e ocupar sua mente para que elas não tenham recaídas e volte a usar drogas. Como afirmam os autores citados, a gravidez faz com que a mulher se reconheça como portadora de uma função de cuidado com o bebê, que por sua vez necessita dela, inserindo-a novamente ao papel materno agregando sentido a sua identidade como pessoa. Sentimentos e pensamentos contraditórios tendem a surgir: por um lado profundos sentimentos de desespero, angústia e ansiedade, por outro lado, a gravidez e a maternidade são simultaneamente momentos de esperança, em que as mães param para pensar, e começam a ver o seu filho como uma salvação (SILVA et al., 2013).

Roldan e Galera (2005) em sua pesquisa tiveram como achado que o filho é visto como uma posse, um bem, acreditado como a única coisa que de fato pertence às mulheres usuárias de drogas. As mulheres usuárias de drogas pareciam se orgulhar de não ter pensado em aborto e não ter deixado ninguém levar seus filhos para longe delas, e por não ceder os cuidados dos seus filhos para outras pessoas. Para elas, o que importa é ficar com seus filhos, o que para as autoras é uma maneira de adotar o papel materno através de ações.

Conforme apresentando por Radcliffe (2011) e Silva et al. (2013) a gravidez em mulheres dependentes químicas é vista como uma possibilidade de mudança. Estas muitas vezes buscam ou são encaminhadas para os serviços de tratamento e acabam encontrando na gestação um motivo para cessar o uso de drogas, visualizando este novo bebê como uma nova possibilidade de vida. Ou seja, a maternidade então dá sentido de preenchimento para suas vidas. Entretanto, os autores sugerem que apenas essa motivação não é o bastante para manter

a abstinência, sendo necessário que haja políticas de suporte e acompanhamento dessas mulheres que compreendam suas especificidades, além de uma rede de apoio tanto pessoal quanto institucional preparada para o acolhimento dessa demanda e que de fato acredite que uma mudança é possível.

A maioria dos estudos foca sua atenção em como a maternidade pode ser uma fonte motivadora para o engajamento no tratamento de drogas. Entretanto, para que o tratamento tenha sucesso, é necessário que seja levado em consideração outros fatores para além da motivação pessoal. Ao abordar a questão da mulher gestante usuária de drogas faz-se necessário compreender que esta desenvolveu ao longo de sua vida uma identidade construída nas relações e rotinas pautadas no uso de drogas, e que para ter sucesso em um tratamento é necessário que essa mulher modifique suas relações e consequentemente sua identidade (MARTIN, 2011).

6.5.2. Subcategoria – Obtendo ajuda e sendo ajudada

SUBCATEGORIA ANALISADORES

Obtendo ajuda e sendo ajudada

 Obtendo ajuda da família;

 Obtendo ajuda junto à rede de saúde;  Tendo acompanhamento e orientação dos

técnicos de saúde;

 Mobilização familiar em função da nova gestação.

Na subcategoria Obtendo ajuda e sendo ajudada são relatadas algumas situações onde as gestantes buscaram ajuda e a obtiveram ou ocorreu a intervenção familiar junto a elas para que buscassem tratamento porque estavam grávidas. Há também o reconhecimento da mobilização das equipes de saúde para que elas obtivessem ajuda e tratamento, além da orientação oferecida pela própria equipe com propósito de ajudá-las nesta nova fase da vida materna.

Chegou dia de ficar num desespero de bater a cabeça na parede e pedir pra Deus me levar, porque eu ia morrer. Porque eu vou me matar, vou matar essa criança. Até que eu fui no posto de saúde para começar fazer meu pré-natal. Aí tinha uma enfermeira. Me abri com ela. Falei com ela. Ela me ajudou. Me encaminhou pro CAPS. Do CAPS eles já me encaminhara pra cá (hospital). E ai eu tô aqui até hoje. (Claudia) Tenho mais intimidade com essa minha tia, que é ela que tá me dando maior força também, que meu deu maior força pra vir pra aqui (ao hospital). (Claudia)

Quem ajuda mesmo é as enfermeiras né? Por que, o negócio da gente é ficar só indo no banheiro. Não tem muita coisa pra fazer depois que ganha menino não! A não ser a visita assim, que fica fazendo companhia né?... Não precisa de muita coisa não. E lá as médicas fazem tudo, fisioterapeuta. Agora eu já sei, eu troco a fralda, dou leite pra ela na sonda... Eu faço tudo. Não tem segredo cuidar de menino não! O negócio é ficar vigiando né! Ficar em cima.” (Camila)

Cristiane não fala enquanto sua mãe conta como foi o processo de intervenção que seus irmãos mais novos fizeram para que a mesma buscasse tratamento médico porque estava grávida. Entretanto, faz um aceno de cabeça concordando com a cena descrita. No entanto chama a atenção que é apenas quando está gestante de seu quarto filho que a família se mobiliza para lhe ajudar (Diário de campo, 26/11/2013).

Com a ocorrência da gestação, há um movimento de reconhecimento desta mulher por parte de sua família e pelo serviço de saúde que passa a se preocupar não apenas com a saúde do bebê, consequentemente com o tratamento da mãe, para que seja garantido o cuidado com a criança. Esta mulher antes excluída e invisível ao olhar social passa a ser vista e cuidada no momento em que carrega uma criança no ventre. Essa visibilidade também ocorre junto à política de saúde da mulher com Plano de Atenção Integral a Saúde da Mulher (PAISM) que cria portas de entrada para atendimento à mulher principalmente quando esta está gestante. Porém, ao se tratar de mulheres dependentes químicas o olhar muitas vezes muda, pois essas mulheres são muitas vezes “monstrificadas” como abordado por Arrais (2005) por serem vistas como incapazes de exercer uma função materna tida como adequada pelos discursos ideológicos vindos do social.

Para Kumpfer e Fowler (2007) as mulheres que abusam de drogas têm muitas necessidades específicas de saúde e psicossociais que devem ser abordadas no pré-natal e em programas de intervenção. Como o uso de álcool ou drogas pode influenciar no estado nutricional da mãe, essas mulheres precisam de aconselhamento especial para garantir que recebam adequada nutrição para uma gravidez saudável, além de orientações e acompanhamento sobre os riscos associados ao uso de drogas na gestação que ocasionam danos tanto para saúde da mãe quanto para o bebê. Para as autoras os profissionais de saúde devem ter como prioridade evitar complicações pré-natais e do parto para mães de alto risco, sendo importante iniciar um acompanhamento social e de pré-natal o mais cedo possível na gravidez, pois mães que recebem cuidados pré-natais consistentes terão melhores resultados, incluindo aumento de peso do bebê e menos dias no hospital após o nascimento. Entretanto, o foco do cuidado ainda recai mais especificamente sobre a saúde do bebê. A mãe/mulher dependente química acaba apenas sendo encaminhada para algum programa de dependência

de álcool de drogas, sem que de fato seja vista pelas suas necessidades específicas físicas e emocionais.

Martin (2011) acredita que mulheres em tratamento para uso de drogas normalmente estão motivadas para cessar práticas de vida e de identidade ligadas a esse padrão, e engajam- se em novas configurações relacionais sem utilização de drogas e em atividades, tais como o trabalho de cuidar de seus filhos. Porém, em seu estudo descobriu que ser mãe e evitar antigas redes que usam drogas não era o suficiente para estas mulheres reinventarem si mesmas. As mulheres de seu estudo se sentiram profundamente desacreditadas por seu passado como "viciadas" e acreditavam ter "feito algo de errado." Para estas mulheres, a capacidade de adotar uma identidade não-viciada, e enxergar-se como capaz de ser mãe exigia apoio e reconhecimento externo, o que quase sempre não ocorre. Com esta idéia em evidencia é possível compreender sobre o processo de negociação da identidade proposto por Gaulejac e Taboada-Leonetti, (1994). Para os autores, esse processo é uma construção que tem um forte alicerce no olhar social. Assim, para que seja possível negociar uma nova forma de reconhecer sua identidade é necessária que esta seja validada pelo grupo social a qual a mulher gestante usuária de droga participa. Isto significa dizer que este grupo deve ser capaz de acreditar, afirmar e confirmar essa nova forma de viver.

No documento De mãe para filha : maternidade à "deriva" (páginas 95-100)