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CATEGORIA 4 MATERNIDADE À “DERIVA”: SE MINHA MÃE NÃO

6. DISCUSSÃO

6.4. CATEGORIA 4 MATERNIDADE À “DERIVA”: SE MINHA MÃE NÃO

Na categoria Maternidade à “deriva”: Se minha mãe não foi filha como posso ser filha? Sem ser filha como ser mãe? É possível perceber um movimento das participantes em recuperar as referências positivas que possuem em sua história sobre o que é ser mãe e o que significa o cuidado e o afeto pelos filhos. Entretanto, essa busca por referenciais positivos de maternidade fica minada a partir da relação transgeracional de rompimentos de vínculos maternos. Ou seja, na construção dos genogramas das mulheres e suas famílias observa-se uma sequência de rompimentos com a linhagem materna e paterna anterior que impede a construção do papel materno a partir da vivência do papel de filha. Na geração das participantes desta pesquisa, a aproximação com a mãe ocorre quando elas engravidam. Neste momento, as suas mães as apóiam. Entretanto, este apoio parece ser motivado mais pela criança que vai nascer do que pela saúde da gestante.

Nas três histórias das participantes suas mães saem da família e de seus estados de origem para tentar a vida no Distrito Federal, e todas acabam tendo seus vínculos cortados com as famílias de origem devido às dificuldades tanto de distância como financeiras. Há um rompimento na transmissão do suposto saber feminino que interdita essas mulheres para o reconhecimento do feminino em si e em sua filha.

6.4.1. Subcategoria – Relacionamento materno e referências maternas

SUBCATEGORIA ANALISADORES

Relacionamento materno e referências maternas

 Relacionamento materno sem afeto;

 Mãe não teve afeto dos pais e casou-se nova como a filha;

 Sem pai é a mãe que ajuda;

 Recorrendo a mãe quando engravida;  Sem ajuda da mãe para ser mãe;

 Caindo na realidade que a maternidade não é fácil;

 Acreditando na crença materna que filho se cria;

 Reconhecendo a dificuldade da mãe para cuidar da filha;

 Outras mulheres com filhos na sua rua podem ser referência e ajudá-la;  Reconhecendo o apoio materno.

A subcategoria Relacionamento materno e referências maternas foi constituída a partir dos relados das participantes sobre como é atualmente e como era o relacionamento com suas mães, sendo este pautado em muitos conflitos quando as participantes eram mais jovens. Porém, a partir do momento em que elas se casam e têm filhos essa mãe retorna como uma fonte de auxílio, apesar de ainda ser uma relação com pouco afeto e comunicação. Há também uma busca por referências maternas fora da relação mãe-filha, sendo estas referências as amigas ou no caso de Claudia a sua tia materna.

Não tem muito pra falar da minha mãe. Sempre foi muito assim. [...] Ai quando eu casei, ela me ajudou muito também sabe [...] ela sempre me ajudou. Toda essa problemática, em todo esse relacionamento da gente, ela sempre me ajudou. Antes, assim antes não né? Antes ela ajudava, mas daquele jeito quando eu tava em casa. Agora quando eu ia pra rua, quando eu sumia, quando eu tinha esses surtos de sumir, ai ela só me agredia mesmo. Me agredia, me ofendia. Sempre foi muito conturbado, meu relacionamento com ela. [...] E até hoje, mas ela ta ai do meu lado. É quem ta me ajudando, porque eu não tenho mais um pai. E a minha mãe... Minha mãe sempre foi... Minha mãe era... Eu num sei, eu acho que ela tem algum problema. [...]

Então eu num sei... Minha mãe também, eu não vou culpar ela, porque ela teve uma vida difícil também. Ela sempre falava que ela não teve carinho de mãe, de pai, casou muito nova. É estranho. Mas eu não entendo minha mãe. (Claudia)

(Para Claudia o papel de mãe é) Ah tá do lado do filho né? Educar, ser uma referência pra ele. Ser amiga. [...] Minha tia (Referência de mãe). De incentivo de tudo. A pessoa que tava do meu lado e me incentivava a fazer as coisas. (Claudia) Quando ela era viva eu trabalhava de boa, estudava, tinha conta no banco, tinha cartão de crédito, tinha tudo... [...] Minha mãe trabalhava muito, muito mesmo! Minha mãe, ela sempre trabalhou, muito! Ai parece que ela saiu do emprego, ai pra me manter, ela trabalhava muito como diarista [...] Ela trabalhava muito! Às vezes ela deixava de ir pro trabalho pra cuidar de mim né? Eu pequeninha, ai as patroa não deixava ela me levar. [...] Ai nossa! Eu lembro que era uma batalha, ela me deixava na casa do candango pra trabalhar. (Camila)

Minha mãe falava: “filho a gente cria”. É assim mesmo! [...] Olha, ela ta com os quatro bebezinho dela, tranquilo né! (Referindo-se à colega de quarto no hospital) Num vou dar conta de cuidar de um? [...] A maioria das conhecidas lá da minha rua é tudo mãe, tudo já tem cinco, seis menina e elas vivia tudo lá em casa, porque elas, esse pessoal era amigos da minha mãe e me conhece desde pequenininha. (Camila) Ah, minha infância foi meia difícil.. Assim também né? Porque minha mãe morava de aluguel, viúva [...] muita dificuldade pra criar, mas (a mãe) sempre trabalhando, né? [...] Ela sempre, pra mim foi um exemplo de mãe né! Seu eu errei foi por que eu acompanhei as más companhias. [...] E só tem eu mesmo por ele (bebê) e minha mãe por mim e eu por ele. Quer dizer, se não fosse minha mãe, minha família nesse momento, você acha que amigo ia me apoiar dentro de casa com ele? Ninguém ia. (Cristiane)

Apesar das participantes da pesquisa relatarem uma série de dificuldades com suas mães, e de ter um relacionamento sem grande vinculação e diálogo, é a essas mães que elas recorrem quando estão em dificuldades, tendo elas como referência de mulheres trabalhadoras e esforçadas para manter a família. Entretanto, essas mães não são referência de afeto e cuidado como esperado no discurso social. Tal discurso é criticado por Badinter (1985), quando a autora afirma que a maternidade é socialmente considerada como algo que é inerente à mulher. Ou seja, seria uma característica inata à mulher que estaria biologicamente destinada a esse papel, e o “amor materno” estaria atrelada à afetividade relacionada a esse cargo. Este pensamento pode gerar um grande sentimento de culpa, em mulheres-mães que tem que priorizar a sobrevivência financeira ao invés da dedicação aos filhos, gerando uma lacuna ainda maior na relação mãe-filha.

Todo esse processo ainda se torna mais complicado pela impossibilidade de se identificar com essa mãe, como trazido por Eliacheff e Heinich (2004) para as autoras o processo de separação-individuação do núcleo familiar quando se trata da relação mãe-filha, fica extremamente conturbado, no período da adolescência. Entretanto, para individuar-se a mulher necessita se identificar com a figura materna e esse processo tanto de identificação

como de individuação permite com que a mulher possa criar referenciais maternos que a habilitem a assumir uma maternidade de forma tranquila e se possível consciente.

Dias e Lopes (2003) afirmam que a maternidade é um momento de redefinição de papéis. A filha ao tornar-se mãe, valida seu modelo materno de referência, muitas vezes rechaçado na adolescência. Contudo, nas histórias das participantes da pesquisa, o modelo materno é enaltecido pelo fato de serem mães trabalhadoras, que travaram uma batalha para sustentarem suas famílias. Mas apesar das mães representarem um modelo aparentemente positivo, ele é empobrecido de afetividade, o que segundo as autoras é um fator de extrema importância para a transmissão e construção desse papel materno.

Segundo Zornig (2010) a construção do papel materno está ligada a diversos fatores associados à constituição e vivência familiar. As “representações da mãe sobre sua própria mãe são um importante fator de predição do padrão de apego que a mãe estabelecerá com seu próprio filho” (p.458). Por isso, para a autora a forma como uma filha se recorda de sua história como filha e da história de sua mãe é um forte aspecto preditivo em como vivenciará, ou não, sua maternidade.

6.4.2. Subcategoria – História da(s) gestação(ões)

SUBCATEGORIA ANALISADORES

História da(s) Gestação(ões)

 Gestações não planejadas;  Gestação e uso de drogas;

 Medo que filho tenha problemas por causa do uso de drogas na gestação;

 Imaginando uma gestação diferente da real. Na subcategoria História da(s) gestação(ções) foi relatado por todas as três participantes da pesquisa, que todas as gestações não foram planejadas e em alguns casos como o da Claudia a gestação foi pouco desejada. Há também a questão do uso de drogas durante a gestação de pelo menos um dos filhos e o constante medo que o filho apresente algum tipo de problema por esta razão. Os filhos também são concebidos em meio a uma trajetória de conflitos dentro dos relacionamentos com os parceiros.

Tive o M a G. Perdi o J. P. e agora eu to grávida do J. L. (Referindo-se à primeira gestação) Fiquei morrendo de medo do meu pai. Eu lembro que eu fiquei com muito medo do meu pai e, contei pra minha mãe e ela que foi comigo no laboratório fazer

o exame. A G. foi um susto! Foi numa época que a gente tava brigando mesmo, pra se separar. Eu contei pra ele que eu tava grávida, a gente tava num restaurante do Parque da Cidade e a gente tinha ido pra esse restaurante pra conversar a respeito da nossa separação. E aí quando eu falei que eu tava grávida, ele começou a chorar e falou: “Não, isso é isso sinal de Deus que não é pra gente se separar. É um filho, mais um filho”. Blá, blá, blá. Tá... Entrei... Foi quando a gente entrou pra igreja, eu tava grávida da G. Assim, minha gravidez foi muito tranquila em relação... Dela, foi tranquila. Do M. foi muito bom! Sabe, eu queria muito. Dela foi um susto! Pô tranquila... Mas num foi uma coisa que eu queria muito, entendeu. Porque, depois que ela nasceu sim. Que aí foi bem diferente foi um anjinho na minha vida mesmo, que veio pra acrescentar, mas a gravidez em si, foi muito atribulada. A gente brigava muito. Aí engravidei do J. P. Também foi um susto! Mas sabe aquele conformismo que você tava... Eu tava já assim, ah minha vida vai ser assim mesmo. (Claudia) (Referindo-se à terceira gestação) foi tranquilo... Mas não foi uma coisa assim querida, esperada. [...] eu perdi ele [...] Parou de mexer e tal. Fiquei até assim me sentindo culpada, porque era uma coisa que eu não queria sabe naquele momento ter engravidado. E aí eu me peguei muitas vezes falando comigo mesmo: poxa essa gravidez vai ser só um estorvo na minha vida. Vai só me atrapalhar. Aí que fiquei com um peso na minha consciência sabe com aquilo. Poxa, será que foi porque eu não queria né? E ele sentiu isso. Num sei! Eu fiquei confusa. Fiquei triste. Perdi. E... Esse agora... Foi o maior susto da minha vida Esse! (risos). Porque o cara tinha ficado dez anos casado com uma pessoa, até tratamento ele fez e num teve filho. E de repente a gente resolveu ficar junto e eu falei: poxa legal. Esse é o cara que não vai ter filho, a gente não vai ter filho. A gente vai viver. Vamos viver só nós dois. [...] E ai com dois meses de relacionamento, eu engravido. Então... E no meio disso tudo ainda. De droga, muito crack, muita bebida, tudo demais! Tudo demais! [...] E assim, até pesa hoje, porque sei lá, meu filho pode ter assim, algum problema. Que era tudo demais e não foi planejado, e eu senti muita raiva de tá grávida. (Claudia) Sério... Ah sei lá, as coisas aconteceram assim muito inesperadamente. Quando eu pensava... Ah, eu pensava que eu ia engravidar de um rapaz que ei me ajudar e tudo, eu ia ter, eu minha filha tranquila, uma gestação tranquila. (Camila)

As gestações refletem os momentos que essas mulheres estão vivenciando. Engravidaram sem planejar, pois não utilizaram métodos contraceptivos, e são aprisionadas pelo destino que as puxa mais uma vez para esse papel tão forte na construção da identidade feminina, que é o papel materno.

Zornig (2010) compreende que o desejo de ter um filho é algo para além da simples vontade de ser mãe ou de perpetuar sua linhagem familiar. Há uma ligação inconsciente com a elaboração da feminilidade e o que para essa mulher significa ser mãe. A gravidez é um momento que liga a vivência atual com o passado vivido em seu lugar de filha e como mulher, sendo o bebê no ventre será imaginado a partir dessa experiência. Com o nascimento do filho é colocado em jogo as relações mãe-filha e mãe-bebê para a constituição deste novo papel.

A gestação na mulher usuária de drogas pode ser visto como um momento de mudança, onde acabam sendo resgatadas em função da criança que está por vir. Em diversos estudos atuais (DADOORIAN, 2003; BRANDÃO; HEILBORN, 2006; DIAS; TEIXEIRA,

2010; DEI SCHIRO; KOLLER, 2013) a gravidez na adolescência pode ser vista como uma forma de ganhar um status social. No caso das participantes da pesquisa esse status já não é mais concedido, o que elas recebem é novamente sua visibilidade social perante família, companheiro e sociedade. Contudo, essa visibilidade é carregada de um olhar de vigia e controle para que elas não voltem a causar dano ao bebê.