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De mãe para filha : maternidade à "deriva"

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

DE MÃE PARA FILHA: MATERNIDADE À “DERIVA”

Brasília - DF

2014

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LUISA VILLELA SOARES

DE MÃE PARA FILHA: MATERNIDADE À “DERIVA”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso

Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Alessandra Rocha Arrais

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7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

S676d Soares, Luisa Villela.

De mãe para filha: maternidade à “deriva”. / Luisa Villela Soares –

2014.

117 f.; il.: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Profa. Dra. Maria Aparecida Penso

Coorientação: Profa. Dra. Alessandra Rocha Arrais

1. Psicologia. 2. Maternidade. 3. Gravidez. 4. Família. 5. Crack (Droga). 6. Identidade. I. Penso, Maria Aparecida, orient. II. Arrais, Alessandra Rocha, coorient. II. Título.

(4)

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Universidade

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Católica de Brasília

Dissertação de autoria de Luisa Villela Soares, intitulada "DE MÃE PARA FILHA: MATERNIDADE À 'DERIVA'" apresentada como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 05 de agosto de 2014, defendida e aprovada pela banca abaixo assinada:

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Aparecida Penso

Orientadora

Programa de Pós-graduação em Psicologia- UCB

Co-orientadora

Curso de Enfermagem - ESCS

Prof.3

Dr.3

Prof.a Dr.a Sílvia Renata Me

Prof.0 Dr.0 Vicente de Paula Faleiros

Suplente

Programa de Pós-graduação em

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a toda minha família e ancestrais pela vida dada a meus pais e pela vida que me concederam nesta existência.

Aos meus pais agradeço imensamente a vida que me deram e todo esforço despendido para que eu pudesse alcançar todos meus objetivos, e por terem me ensinado desde pequena o valor do “ser” e o valor de todos os seres humanos, o que nunca deve ser esquecido.

Ao Léo, meu parceiro! Agradeço a paciência pelo tempo em que não pude estar com você, pelos momentos de descontração e de fuga para nossa escalada e ao amor e carinho que me motivaram ir até o fim desta jornada.

A minha querida orientadora Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso por toda dedicação e carinho dado a mim, pelas palavras de apoio, pelo colo e ombro nos momentos de dificuldade, pela maternagem na realização deste trabalho. Não tenho palavras para descrever como foi embarcar nesta jornada com você! Muito obrigada por acreditar em mim. Não existem palavras para expressar toda gratidão e admiração que tenho por você!

A minha querida co-orientadora Prof.ª Dr.ª Alessandra Rocha Arrais sem a qual não teria embarcado neste tema tão rico da maternidade. Muito obrigada pela dedicação, orientação e carinho. Sem você não estaria onde estou!

A Prof.ª Dr.ª Silvia Lordello, por não apenas ter contribuído com a minha formação desde a graduação, mas por ter aceitado participar tanto da qualificação quanto da banca de defesa sempre de maneira tão generosa.

A Prof.ª Dr.ª Carmem Moré pela disponibilidade em participar deste momento único da banca de defesa.

Ao Prof. Dr. Vicente Faleiros pelas conversas e aulas tão ricas e generosas e pelas grandes contribuições a este trabalho.

Ao programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília e a todos os professores, pela oportunidade de aprendizado.

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A Claudia, Cristiane e Camila1 que me presentearam com sua confiança e suas histórias, sem vocês nada disto teria sido possível. Com vocês aprendi que sempre é possível recomeçar! Muito obrigada por tudo.

Ao hospital e equipe de saúde mental que me acolheu e permitiu a realização deste trabalho. Especialmente Marina e Valéria pelas conversas e por terem me acolhido de forma tão pronta. Nossas conversas com certeza frutificaram.

E um agradecimento especial aos meus amigos que tiveram grande paciência comigo nestes últimos dois anos, reconheço que foi grande a minha ausência!

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Parece cocaína Mas é só tristeza Talvez tua cidade Muitos temores nascem Do cansaço e da solidão Descompasso, desperdício Herdeiros são agora Da virtude que perdemos...

Há tempos tive um sonho Não me lembro, não me lembro

Tua tristeza é tão exata E hoje o dia é tão bonito Já estamos acostumados Ah não termos mais nem isso

Os sonhos vêm e os sonhos vão E o resto é imperfeito

Dissestes que se tua voz Tivesse força igual À imensa dor que sentes Teu grito acordaria Não só a tua casa Mas a vizinhança inteira

E há tempos Nem os santos têm ao certo A medida da maldade E há tempos são os jovens Que adoecem E há tempos O encanto está ausente E há ferrugem nos sorrisos Só o acaso estende os braços A quem procura Abrigo e proteção

Meu amor! Disciplina é liberdade Compaixão é fortaleza Ter bondade é ter coragem Lá em casa tem um poço Mas a água é muito limpa

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RESUMO

SOARES, Luisa Villela. De mãe para filha: Maternidade à “deriva”. 2014. 117f. Dissertação de Mestrado em Psicologia – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

Este trabalho trata de uma pesquisa-intervenção de natureza qualitativa baseada na Teoria Sistêmica e na Psicossociologia, que teve como objetivo compreender como a história de vida, a trajetória familiar e social e a transmissão geracional, influenciam no processo de construção do papel materno de gestantes usuárias de crack e outras drogas. Na fundamentação teórica são abordados aspectos para auxiliar no estudo a que nos propusemos nesta pesquisa. Inicia-se com uma introdução sobre o tema do papel materno a partir do olhar da abordagem sistêmica. Em seguida delineia um panorama sobre a dinâmica da família da mulher usuária de drogas, refletindo principalmente sobre a transmissão geracional; também apresenta a questão da mulher dependente química em contextos de exclusão e vulnerabilidade e finaliza com um histórico das políticas públicas voltadas para o álcool e outras drogas e sua execução. A articulação destes temas foi ancorada à abordagem sistêmica e a Psicossociologia. Esta pesquisa contou com três participantes grávidas que estiveram internadas para tratamento até o momento do parto. Foram utilizados como instrumentos: o diário de campo, entrevista em profundidade e construção do genograma. A análise das informações obtidas foi realizada de acordo com a Teoria Fundamentada nos dados, que trata de um processo de análise e codificação que permite agrupar os dados em categorias, conceitos e construtos que permitiu responder ao fenômeno central do estudo. Para auxiliar o tratamento dos dados foi utilizado o software Atlas/ti 7.1.8. Os casos foram analisados de maneira integrada buscando codificar aspectos semelhantes e divergentes relativos às três histórias, respeitando a singularidade vivencial de cada uma das participantes e convergindo para responder as questões elencadas nesta pesquisa. Desta forma foi possível a construção de

05 (cinco) categorias de análise: 1) “Família à deriva” - perdendo-se no caminho e esquecendo a sua história; 2) Amores e pares: Em busca de vinculação; 3) Drogas:

Procurando contextos de pertencimento; 4) Maternidade à “deriva” – Como ser mãe se não fui filha? e 5) O filho que devolve a visibilidade à mãe. Consideramos que os objetivos deste trabalho foram alcançados no sentido que: a história familiar transgeracional apresenta grandes rompimentos, falta de identificação materna e trajetória social pautada no consumo de drogas, que não inviabilizou a apropriação do papel materno, mas dificultou esse processo e exigiu a busca de referenciais positivos externos ao núcleo familiar, desta forma a construção do papel materno não ocorre a partir da vivência do papel de filha; Devido aos rompimentos transgeracionais, a família teve dificuldade em estabelecer uma função parental organizadora e estruturante da personalidade; Sem pertencimento na família, as mulheres desta pesquisa recorreram ao social em busca de vinculação e o uso de droga surge então, como uma busca pela própria identidade. Tais resultados apontam para a necessidade de que sejam criadas políticas públicas que contemplem características específicas dessa população, possibilitando um atendimento diferenciado e novas formas de inserção social a estas mulheres.

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ABSTRACT

This study refers to a qualitative Intervention-research based on Systemic Theory and

Psychosociology, where the main purpose is to comprehend how a person‟s story of life,

family and social trajectory and generational transmission can influence the process of constructing the maternal role among pregnant women who use crack and other drugs. One will find that in the theoretical foundations, aspects that aid in the study that we set out to analyze in this study will be approached. It begins with an introduction about the theme of the

maternal role from a systemic approach‟s point-of-view. Subsequently, a panorama on the

dynamics of the female drug user‟s family, broaching the aspect of generational transmission

specifically will be outlined; it will also present the question of the woman drug user in concepts of exclusion and vulnerability, and ends with the case history of public policies aimed towards alcohol and other drugs and its execution. The articulation of these themes were anchored on the concepts of sistemic approach and Psychsociology. The three pregnant women who participated in this research were in drug rehabilitation until child-birth. The field journal, an in-depth interview about the subjects‟ life history and the construction of the genogram were used as instruments. The analysis of information gathered was developed according to Grounded Theory, proposed by Strauss and Corbin, which describes a process of analysis and codification that allows grouping data in categories, concepts and constructs which allowed to respond the central phenomenon of the study. For data analysis the Atlas/ti 7.1.8 software was used. The case studies were analyzed in an integrated manner, searching to codify similar and dissonant aspects from all three stories, respecting the unique elements of life journey from each of the participants and converging to answer the questions from this research. Based on the data obtained it was possible to construct five categories of analysis: 1) "Family Adrift" - losing your path and forgetting your history. 2) Loves and peers: searching

for linking. 3) Drugs: Looking for “belongingness”; 4) "Drifting" motherhood - How can I be a mother if I was not a daughter? and 5) the son who gives back the existence to his mother. We consider that the objectives of this paper were reached due to the following facts: that a big breach in a trangenerational family history was encountered, lack of maternal identification and social trajectory outlined by drug use, that did not make it impossible for the appropriation of the motherly role, but did complicate the process and demanded the search for positive references outside the family core, in such a manner that the constructin of the motherly role does not occur solely through the experience of the daughter role; Due to trangenerational ruptures, the family had dificulties to establish a parental task that would take care of the organizing and the structuring of personalities; Without the feeling of

“belongingness” inside the family unit, the women in this study reached out to their social

lives in search of a Bond, to which drug-use aapears, as a means to discover its true identity. These results point out the need for public policies that address specific characteristics of this population, providing differentiated services and new forms of social integration for these women.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Genograma gestante Claudia

Figura 02 – Legenda genograma gestante Claudia Figura 03 – Genograma gestante Cristiane

Figura 04 – Legenda genograma Cristiane Figura 05 – Genograma Camila

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO... 13

2. REFERENCIAL TEÓRICO... 21

2.1. REFLEXÕES SOBRE PAPEL MATERNO... 21

2.2. USO DE DROGAS E FAMÍLIA...,,,,... 28

2.3. A IDENTIDADE DA MULHER GESTANTE USUÁRIA DE CRACK E OUTRAS DROGAS EM CONTEXTO DE EXCLUSÃO E VULNERABILIDADE SOCIAL... 33

2.4. AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO AO CRACK E OUTRAS DROGAS NO BRASIL... 39

2.4.1. Histórico das políticas e legislações... 39

2.4.2. Problematizando a execução das políticas públicas sobre o crack e outras drogas no Brasil... 43

3. OBJETIVO GERAL... 46

3.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS... 46

4. MÉTODO... 47

4.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA... 47

4.2. O CONTEXTO DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA... 49

4.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA... 50

4.4. ASPECTOS ÉTICOS... 51

4.5. INSTRUMENTOS UTILIZADOS... 51

4.5.1. Diário de campo... 51

4.5.2. Entrevista... 52

4.5.3. Genograma... 53

4.6. PROCEDIMENTO DE COLETA DOS DADOS... 53

4.7.ANÁLISE DOS DADOS... 54

5. RESULTADOS... 57

5.1. O QUE AS TRÊS HISTÓRIAS NOS REVELAM/MOSTRAM... 57

5.1.1. A História de Claudia –“O Amor eo Tráfico”... 57

5.1.2. A História de Cristiane –“Pela Rua”... 61

5.1.3. A História de Camila –“Era uma vez”... 64

5.2. APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS E SUA CONSTITUIÇÃO... 67

6. DISCUSSÃO... 71

6.1. CATEGORIA 1 - “FAMÍLIA ÀDERIVA”: PERDENDO-SE NO CAMINHO E ESQUECENDO A SUA HISTÓRIA... 71

6.1.1. Subcategoria - Estrutura e dinâmica familiar... 72

6.1.2. Subcategoria – Relacionamento conjugal dos pais... 74

6.1.3. Subcategoria – Relacionamento com os pais... 76

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6.2.1. Subcategoria – Casamento e relacionamentos amorosos... 79

6.2.2. Subcategoria – Amizades e amigos... 82

6.3. CATEGORIA 3 - DROGAS: PROCURANDO CONTEXTOS DE PERTENCIMENTO... 84

6.3.1. Subcategoria – História do uso de drogas... 84

6.3.2. Subcategoria – Tratamento do uso de drogas e gravidez... 86

6.3.3. Subcategoria – Uso de drogas nas gerações... 88

6.4. CATEGORIA 4 - MATERNIDADE À “DERIVA”: SE MINHA MÃE NÃO FOI FILHA COMO POSSO SER FILHA? SEM SER FILHA COMO SER MÃE?... 89

6.4.1. Subcategoria – Relacionamento materno e referências maternas... 90

6.4.2. Subcategoria – História da(s) gestação(ões)... 92

6.5.CATEGORIA 5 – O FILHO QUE DEVOLVE A VISIBILIDADE À MÃE... 94

6.5.1. Subcategoria – Função da gestação e do filho... 94

6.5.2. Subcategoria – Obtendo ajuda e sendo ajudada... 96

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 99

8. BIBLIOGRAFIA... 105

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1. INTRODUÇÃO

Inicio este trabalho expondo como o tema mulheres gestantes usuárias de crack e

outras drogas e sua relação com a maternidade surgiu em minha história de formação profissional. O interesse pelo tema da gestação se iniciou a partir de um estágio curricular do curso de graduação em psicologia da Universidade Católica de Brasília, em parceria com o Hospital Materno-infantil de Brasília – HMIB, onde tive a oportunidade de mergulhar na realidade da maternidade que é tão rica, entretanto em alguns momentos, tão dura. Neste hospital acompanhei as gestantes dentro do Centro Obstétrico – C.O. O Hospital atende gestantes que vem para consulta de pré-natal, parturientes, mulheres em situação de abortamento natural ou induzido (IGPL – Interrupção da gestação prevista em lei), gestantes com diagnóstico de óbito fetal e gestantes de alto risco ou com algum tipo de intercorrência, que precisam ser monitoradas, assim como gestantes usuárias de drogas. As gestantes atendidas são provenientes de várias cidades, não só do DF, mas também de outros Estados, como Minas Gerais, Goiás e Bahia, e na sua maioria de nível sócio-econômico baixo. Foi nesse cenário que nasceu meu interesse em aprofundar os estudos sobre a perinatalidade, investigando os processos implícitos e subjetivos em apropriar-se, ou não, do papel materno, com um grupo ainda pouco explorado, mas que vem crescendo, que são as mulheres gestantes e usuárias de crack e outras drogas.

Desta forma situo a minha jornada até chegar a este tema de pesquisa, porém para relatar essa experiência é preciso retornar algum tempo antes, quando ainda estava em um intercambio institucional no México e no final da minha estadia tive que optar por internet e escolher onde realizaria minhas práticas de estágio quando regressasse ao Brasil e à universidade. Optei pela clínica de famílias e de casais, devido ao meu grande interesse pela teoria sistêmica. Entretanto por meio do destino, a minha escolha foi desconsiderada e acabei sendo encaminhada a um serviço que não havia escolhido, ou seja, o hospital.

No hospital tive a oportunidade de acompanhar vários casos, porém dois me chamaram a atenção. O primeiro foi o de uma adolescente de 15 anos usuária de crack,

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assumir o controle de sua vida, desempenhando o papel de mãe. Na ocasião, minha impressão foi que o bebê deu sentido a sua história, que antes era permeada pela violência e pelo abandono, ressignificando assim a sua trajetória de vida.

O segundo caso foi de uma mulher gestante de 34 anos e usuária de crack, que havia

dado a luz a seu terceiro filho, porém devido a sua condição de vida estava disposta a entregar o bebê para adoção. No momento do primeiro contato essa mulher, ela estava com seu bebê recém nascido no colo e olhava de forma apaixonada para seu filho. Porém a avó (mãe da puérpera) que estava ao seu lado foi logo sentenciando: “nem olha muito, você não cuida nem dos que você já tem! Eu não tenho condições de criar mais um!” E dito isso a avó solicitou que fosse acionado o serviço social do hospital. Estas cenas marcaram meu percurso dentro do hospital e minha formação, levando-me a questionar a força que poderia ter uma rede de apoio bem sucedida, e o quanto a maternidade pode se tornar um ponto de mutação, dando sentido à história de vidas dessas mulheres.

Assim, diante destes casos nasceu o interesse em realizar uma pesquisa que contemplasse essa clientela – gestantes usuárias de crack e outras drogas, ainda pouco

estudada no Brasil e carente de uma assistência especializada.

A percepção mais consciente da disseminação do crack no Brasil ocorre a partir do

ano de 1990. Os autores Cruz, Vargens e Ramôa (2011) associam a detecção da entrada desta droga aos trabalhadores de redução de danos, que atuavam junto aos usuários de drogas injetáveis no início dos anos 90. Foi primeiramente identificada em São Paulo no ano de 1989, porém logo se alastrou por todo o país, devido ao seu baixo custo de produção. Em 1991, houve a primeira apreensão da droga e foram registradas 204 ocorrências nesse ano. Transcorridos três anos, em 1994, esse número disparou para 1.906 registros. Essa popularização ocorreu em razão de um movimento dos traficantes, que acabaram com as outras opções de drogas e disponibilizaram apenas o crack, obrigando os usuários a aderir ao

seu uso (NAPPO et al., 2004; BRASIL, 2012).

Kessler e Pechansky (2008) relatam que no Brasil, o início dos registros do consumo de crack, surgiu quase dez anos após os primeiros relatos desta droga no Hemisfério Norte.

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Hoje no Brasil é travada uma batalha no enfrentamento ao consumo de crack e outras

drogas. Através do Decreto nº 7.179, sancionado em 20 de maio de 2010 foi instituído o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. Dentre as ações previstas por este

plano está a prevenção, a preparação da rede de saúde para atendimento desta demanda, o preparo dos agentes envolvidos no processo e a promoção e participação comunitária no combate e prevenção ao consumo de crack (BRASIL, 2010).

Segundo pesquisa do INPAD - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (2012) o Brasil representa 20% do consumo de

crack/cocaína do mundo, o que significa que aproximadamente 2 milhões de brasileiros já

utilizaram crack/merla ou oxi (que são formas da cocaína fumada) pelo menos uma vez na

vida. A pesquisa revela ainda que o Brasil é o principal mercado de crack do mundo. Foi

realizado um mapeamento do consumo da cocaína de via fumada (crack/merla ou oxi) por estados brasileiros e o centro-oeste ocupa a terceira posição no mapa com 300 mil usuários desse tipo de droga, sendo que o consumo é três vezes maior nos centros urbanos comparado às áreas rurais, e geralmente a utilização é concomitante com outras drogas, especialmente o álcool (INPAD, 2012).

O crack é uma substância produzida a partir dos resíduos do processo de refinamento

da cocaína, e possui este nome, pois ao ser consumido, principalmente em cachimbos improvisados de alumínio ou latas, a pedra faz esse barulho característico de pequenos estalos. É uma droga de alto potencial aditivo. Enquanto a cocaína leva cerca 15 minutos para fazer efeito, o crack tem sua ação quase imediata, de 8 a 15 segundos, tendo sua duração de

apenas entre 5 e 10 minutos (NAPPO et al., 2004; KESSLER; PECHANSKY, 2008; BRASIL, 2012).

Segundo a World Helth Organization – WHO (2008) um terço da população diagnosticada como dependente química, são mulheres em idade reprodutiva. Entretanto ainda hoje no Brasil não há uma estimativa acurada sobre quantas dessas mulheres são dependentes do crack.

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2004). Porém este plano, não contempla as mulheres, usuárias de drogas e gestantes, população esta que cada vez cresce mais na atualidade. A WHO (2008) sugere que a implementação de estratégias adequadas e prestação de tratamento resolutivo para estas pacientes são dificultadas muitas vezes por exigir medidas específicas e diferenciadas de abordagens em relação aos serviços e ao atendimento, nos centros de tratamento dos serviços de saúde governamentais.

Não é apenas no Brasil que existem barreiras de acesso ao sistema de assistência à saúde para estas mulheres. Roberts e Pies (2011), em seu artigo, buscaram compreender porque gestantes que fazem uso de drogas não tem ou tem pouca assistência pré-natal no norte da Califórnia. O que as autoras encontraram foi que a maioria dessas mulheres evitava a consulta de pré-natal por razões que nem sempre estavam associadas somente ao uso de entorpecentes. Muitas não tinham entrada nesse serviço por dificuldades em acesso ao transporte, falta de plano/seguro de saúde, medo de serem denunciadas ao serviço de proteção à criança, medo dos efeitos nocivos do uso de drogas em seus bebês, falta de suporte social e o estilo de vida associado ao uso de drogas.

Segundo a American Pregnancy Organization (2012), 221.000 mulheres nos Estados Unidos já usaram algum tipo de droga ilícita durante a gestação. No Brasil ainda não há uma estimativa, o que indica mais uma vez a falta de um olhar diferenciado para essa problemática que aflige a população feminina brasileira.

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas em relatório de 2005, intitulado Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (LENAD I) destaca que no Centro-Oeste o consumo de crack é exclusivamente masculino e se

concentra na faixa etária de 25 a 34 anos (CEBRID, 2005). Estes resultados induzem a elaboração de algumas perguntas, pois é de conhecimento público o consumo de crack pela

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Segundo Yamaguchi et al. (2008) a questão da gestante usuária de drogas é uma temática que ainda necessita de maiores investimentos. O autor realizou um levantamento, das referências nacionais e internacionais sobre o tema e concluiu que ainda há uma carência de pesquisas sobre a questão. Desta forma, este trabalho propõe-se gerar subsídios para agregar mais uma perspectiva dentro deste complexo tema que é a mulher gestante e usuária de substância ilícita, focando principalmente aquelas que fazem o uso do crack e sua vivência da maternidade.

Ao pensarmos na gestação percebemos que de maneira popular, esta é considerada um momento único na vida de uma mulher, porém também é um momento de muita insegurança e ambiguidade. Em seu estudo, Piccinini et al. (2008) concluem que a gestação não é um acontecimento apenas biológico e somático, mas é também um grande evento no que tange ao lado psicológico e social, influenciando diretamente a dinâmica psíquica e relacional da mulher.

Radcliffe (2011), em seu estudo com gestantes usuárias de drogas ilícitas, no sul da Inglaterra, observa que a maternidade é uma carreira, uma profissão que dá sentido, nem sempre positivo, à vida dessas mulheres. Mas, ainda segundo a autora, para que um sentido positivo ocorra é necessária uma rede de apoio tanto pessoal quanto institucional preparada para o acolhimento dessa demanda e que de fato acredite que uma mudança é possível.

Considerando a maternidade também como uma vivência psicológica e social, as relações vividas na sua família e no contexto social influenciam a forma como a gestante constituirá seu papel materno. Para compreender melhor essa idéia faz-se necessário um recorte epistemológico no campo da teoria Sistêmica e da Psicossociologia como referenciais escolhidos para realização desta pesquisa.

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interconectam criando um vasto campo teórico (VASCONCELOS, 2002; NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).

Vasconcelos (2002), em sintonia com Maturana (1997), destaca que a dimensão epistemológica do ato de conhecer implica numa construção instersubjetiva da realidade e o reconhecimento de que é multideterminada, imprevisível e complexa. Em complemento a essas informações e com intuito de melhor contextualizar estes delineamentos epistemológicos, destaca-se o pressuposto da complexidade proposto por Morin (2005), quando afirma que:

[...] a um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: que está tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Em segundo lugar, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações interações, retroações, determinações, aleatoriedades, que constituem nosso mundo fenomênico (MORIN, 2005, p.13)

Esse autor, por maio do pressuposto da complexidade, aponta para a necessidade do reconhecimento da multidimensionalidade da experiência humana, num processo ininterrupto e dinâmico, colocando em tela as idéias de totalidade, da completude. Sendo assim, o desafio de uma pesquisa que trabalha sob a ótica da complexidade consiste em lidar com os princípios da dialogia e da recursão organizacional, ou seja, manter uma atitude integradora, bem como compreender o ciclo autoconstituitivo e auto-organizador dos fenômenos da realidade.

O Sistema então pode ser compreendido como “um todo integrado cujas propriedades

não podem ser reduzidas às propriedades das partes” (VASCONCELOS, 2002, p.200).

Segundo a autora, quando reduzido o fenômeno apenas à análise das partes se perde o fator sistêmico, que pressupõe a interdependência dos elementos que constituem o sistema. É a partir desse conceito que pensamos o indivíduo e os sistemas nos quais este se insere, principalmente o núcleo familiar. Também, compreende-se que é a partir dessa interdependência que irão constantemente se constituir as identidades, e se determinar os papéis, funções e a estrutura do sistema (VASCONCELOS, 2002).

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uma trama complexa, onde ao mesmo tempo ele é produto de uma história social e familiar e também busca ser o protagonista.

A família é então o primeiro grupo social ao qual o sujeito vai pertencer, influenciar e ser influenciado no processo de construção subjetiva e intersubjetiva da identidade individual e coletiva (BARUS-MICHEL, 2004). Apesar da teoria sistêmica e da Psicossociologia surgirem de campos teóricos distintos, ambas dialogam na busca de compreender como essas redes relacionais produzem sentidos, e onde e como se engendram os sujeitos e o social.

Como método, a Psicossociologia utiliza o método da sociologia clínica de história de vida. Este método busca a relação entre história e historicidade percebendo e analisando os diversos fatores que contribuem para a constituição do indivíduo e como esse se relaciona

com esses fatores “determinantes” dentro de seu próprio processo de existência (GAULEJAC,

1999).

A opção em utilizar o referencial da Psicossociologia junto ao referencial de teoria Sistêmica, especialmente o método de história de vida, vai ao encontro ao que Penso et al. (2012) entendem como abordagens complementares para tentar compreender a grande complexidade dos temas sociais e familiares. Entretanto, como também abordado pelas autoras o modelo proposto pela Psicossociologia em seu formato tradicional fica inviabilizado

devido ao fato de trabalharmos com sujeitos ditos “sem demanda” explicita, ou seja, não há

um pedido por parte dos participantes da pesquisa, Mas isso não quer dizer que não há uma demanda.

Segundo Takeuti (2009) o Brasil dentro de sua história tem uma categoria de

subcidadania que coloca os sujeitos em uma “cultura de silêncio”, onde a subjetividade e a

voz ficam relegadas à exclusão. É objetivo da Psicossociologia abordar temas sociais que dizem respeito a um contexto social que emerge a partir de uma fala individual, e carrega toda a subjetividade da história e do lugar ao qual o sujeito pertence. Ao pesquisar sobre mulheres usuárias de drogas e grávidas, falamos de um sujeito completamente à margem que dificilmente terá condições de formular uma demanda, mas isto não quer dizer que esta mulher não tenha o desejo de falar e pensar sobre sua história.

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trajetória social de mulheres gestantes usuárias de crack e outras drogas influenciam no

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

Serão abordados neste item aspectos que nos auxiliarão no estudo aque nos propomos nesta pesquisa. Iniciamos com uma introdução sobre o tema do papel materno a partir do olhar da abordagem sistêmica. Em seguida delinearemos um panorama sobre a dinâmica da família da mulher usuária de drogas, refletindo principalmente sobre a transmissão geracional; também problematizaremos a questão da mulher dependente química em contextos de exclusão e vulnerabilidade e finalizaremos com um histórico das políticas públicas voltadas para o álcool e outras drogas e sua execução. A articulação destes temas será ancorada à abordagem sistêmica e aPsicossociologia.

2.1. REFLEXÕES SOBRE O PAPEL MATERNO

Neste item serão apresentados em um primeiro momento os conceitos de papel, regras, subsistemas e o papel parental com intuito de fornecer subsídios para a compreensão da natureza relacional que constitui a construção do papel materno.

Schenker e Minayo (2004) afirmam que a família brasileira vem sofrendo, ao longo da história, grandes modificações no que tange os papéis dentro do sistema familiar. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, esta assume cada vez mais o papel de provedor financeiro, além de manter seu papel materno de transmissão de valores e crenças associadas principalmente ao cuidado e a afetividade, que serão base estruturante para a forma como os filhos lidarão consigo próprios e com o mundo.

O papel é um dos principais conceitos dentro da teoria sistêmica. Miermont et al.

(1994) compreendem que “o papel é constituído pelo conjunto de comportamentos de uma

pessoa e dos comportamentos esperados pelas outras pessoas que pertencem a mesma unidade

social” (p.423). Há ainda uma distinção entre papel familiar e papel social. O primeiro é

investido e transmitido ao logo da evolução do ciclo de vida familiar, já os papéis sociais pressupõem que o sujeito aprenda, as normas sociais, as condutas desejáveis socialmente e exerça uma função que dialogue com a lógica social vigente, por exemplo, ter uma profissão (MINUCHIN; FISHMAN, 1990; MIERMONT et al., 1994; PENSO, 2003).

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diferenciam em papéis sociais dentro do sistema familiar e que esses papéis têm a finalidade de estruturar a família. Nesta perspectiva cada papel é diretamente dependente do outro, e os comportamentos de cada pessoa que exerce seu determinado papel vai dar o tônus da interação regulando o intercambio entre os membros.

O papel é compreendido então como um processo de construção relacional que é parte constituinte da identidade do sujeito. Nesta construção o sujeito é atravessado por questões tanto da vivência concreta como de um processo subjetivo e intersubjetivo (MINUCHIN; FISHMAN, 1990; MIERMONT et al., 1994; PENSO, 2003).

Porém, antes de discutir o tema do papel parental, que está ligado à questão do papel materno, é necessária a compreensão de que em um sistema existem regras, ou seja, um conjunto de normas que definem o funcionamento familiar, e assim como definem a dinâmica relacional também são definidas pelos papéis (PENSO, 2003). Para melhor compreender este

conceito Miermont et al. (1994) trazem a idéia de Jackson de que as regras “dirigem a vida familiar” (p. 468) sendo um elemento compartilhado que é passível de ser posto em palavras, mesmo que em muitas situações essas regras sejam vivenciadas de forma inconsciente, regulando o tonus e a forma da interação entre os diversos membros de uma família dentro

dos papéis que cada um desempenha.

Os papéis estão diretamente ligados ao que Minuchin e Fishman (1990) vão chamar de

holon, mais comumente conhecido como subsistema. Para os autores, os subsistemas dizem

respeito aos diversos níveis existentes dentro de uma família, sendo eles divididos pelos papéis a serem desempenhados dentro no nível hierárquico ao qual pertencem. O sistema conjugal é o principio da formação de uma família. Ocorre quando dois adultos resolvem se unir e entram em um acordo sobre a formação da mesma. Ambas as partes trazem valores e padrões pessoais conscientes e inconscientes que devem ser acomodados para que possam sair da individualidade e pertencerem ao novo sistema que se forma (MINUCHIN; FISHMAN, 1990; FÉRES-CARNEIRO; MAGALHÃES, 2005; MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008). Hoje a idéia de que a família apenas se forma após a constituição do sistema conjugal, precisa ser repensada, pois muitos indivíduos tornam-se pais sem a constituição formal ou informal do subsistema conjugal. Entretanto para Féres-Carneiro e Magalhães (2005):

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momento da concepção, o sujeito está marcado pelo olhar dos pais, pelos seus ideais e pelos mitos familiares que se inscrevem e estruturam o psiquismo (FÉRES-CARNEIRO; MAGALHÃES, 2005, p. 113).

Desta maneira faz-se importante a compreensão da dinâmica de um casal para que se abarquem os enlaces psíquicos que estão envolvidos na constituição familiar que ditarão como esta irá se organizar e relacionar. Então o subsistema parental se forma quando surge o primeiro filho (subsistema filial) e é a partir deste sistema que a criança vai aprender seu padrão relacional, ou seja, o que esperar dos outros, questões referentes à autoridade, apoio e a comunicação de suas necessidades, assim como a lidar com conflitos. Vale ressaltar que a função parental não está diretamente ligada aos pais biológicos e pode ser desempenhada, por exemplo, por outro membro da família. O papel parental pode ser compreendido, portanto como base para constituição do subsistema parental, cujas funções estão inscritas no desenvolvimento dos filhos. Ou seja, é um papel que depende do papel filial e tem seu padrão transacional associado a fatores de cuidado, proteção e educação, assim como o desenvolvimento identitário dos filhos (MINUNCHIN; FISHMAN, 1990; MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008).

A partir do segundo filho em diante temos a constituição do que se chama sistema fraterno. Este sistema é o primeiro grupo social da criança, onde é possível aprender padrões de interações que se pautam no âmbito do pertencimento e cooperação. Este sistema é o primeiro treino de interação social de uma criança e auxilia no momento da entrada da criança no universo social fora do núcleo familiar (MINUCHIN; FISHMAN, 1990; MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008).

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O papel materno é historicamente associado ao sexo feminino e pressupõe determinadas características e atitudes como, por exemplo, o famoso “amor materno”

considerado um mito por Badinter (1985). Para a autora, a maternidade é socialmente considerada como algo que é inerente à mulher, ou seja, seria uma característica inata, esta

estaria biologicamente destinada a esse papel, e o “amor materno” estaria atrelado à afetividade relacionada a essa função. Entretanto, a autora justifica que isto é um mito, pois a criança só veio ocupar destaque no mundo contemporâneo, onde o foco voltou-se para os cuidados dos infantes principalmente na primeira infância, sendo que outrora esses mesmos cuidados eram realizados por cuidadoras que lhe garantiam a sobrevivência física e afetiva, demonstrando que este amor não é inato, mas sim construído na relação.

Ariès (1981), em amplo estudo historiográfico, também contesta a questão do amor materno como algo inato à natureza da mulher. O autor compreende que essa vinculação afetiva está diretamente ligada a questões culturais e sociais referentes a cada período histórico. A criança antes do século XVII era vista como um mini adulto com poucas possibilidades de sobrevivência, sendo desde o nascimento, separada de sua genitora e entregue aos cuidados de amas-de-leite contratadas para realizar essa função de nutrição e cuidado. O Infanticídio era por muitas culturas visto como uma forma de controle de natalidade.

Essa imagem da criança da idade média começa a mudar com o início dos tempos modernos e uma busca pela moralização dos costumes travada por eclesiásticos e juristas, instituindo assim o ideal da importância da educação, que não mais era destinada a adultos, mas sim a crianças e jovens, reconhecendo que as crianças não estavam maduras e

necessitaram de uma formação. Isto imputou aos pais a responsabilidade de “guardiões

espirituais, que eram responsáveis perante Deus pela alma, e até mesmo, no final (da vida),

pelo corpo de seus filhos” (ARIÈS, 1981, p. 277).

A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a uma necessidade de intimidade, e também de identidade: os membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de vida (ARIÈS, 1981, p. 278).

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como mãe e esposa. Assim o desenrolar de sua vida ao longo do ciclo de vida estava ligado quase que exclusivamente ao seu papel na atividade de criação dos filhos, o que não ocorria com o homem. Para Bradt (1995) ser um progenitor é algo não apenas psicológico, mas também social e tem significados completamente diferentes para homens e mulheres. Para o autor, por mais que nos dias atuais haja um forte movimento para valorização do mundo doméstico, este ainda não dá status e poder as mulheres, muito menos a homens que optam

por este lugar.

Bradt (1995) e Arrais (2005) compreendem que a chegada de uma criança dentro do sistema conjugal é algo muito estressante para o casal, devido às novas funções que devem ser desempenhadas pelo casal. A chegada de um bebê culmina em diversos problemas de ajuste profissional por parte das mulheres que trabalham fora. E quando essa mulher escolhe a ter uma dedicação exclusiva para a criança, enquanto o homem continua sua jornada como provedor, podem surgir sentimentos de menos valia de sua função social, assim como sentimentos de isolamento e até depressão.

Essa posição sobrecarregada e desequilibrada da maternidade pode explicar por que a atual ausência de filhos parece ser mais determinada pelas esposas do que pelos maridos. Agora, mais do que nunca em toda a história, a mulher está consciente de seu papel como sobrecarregado pela maternidade, um papel difícil e amplamente não reconhecido (socialmente não recompensado), com a vulnerabilidade adicional de um risco de divórcio cada vez maior (BRADT, 1995, p. 211).

Para Badinter (2010) a maternidade antes de 1970 era uma consequência natural do casamento, sendo algo inerente à mulher e ela o fazia sem questionar, pois junto a essa naturalização havia um discurso religioso da procriação para continuidade da espécie. Entre 1980 e 2010 houve o que ela chama de revolução silenciosa, na qual com a conquista pela mulher da liberdade e igualdade de gênero, a mesma torna-se responsável direta pela escolha em se tornar mãe ou não. Hoje essa escolha é diretamente influenciada pela entrada dessa mulher no mercado de trabalho, onde ela passou a viver um conflito entre se dedicar exclusivamente à maternidade; conciliar carreira profissional, vida conjugal e a maternidade; e por último, não optar pela maternidade que, segundo a autora, é ainda motivo de grande controvérsia na sociedade. Aquelas que optam por exercer unicamente o papel materno,

podem se defrontar no futuro com o “ninho vazio”, pois sua identidade se construiu a partir

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Arrais (2005) compreende que a maternidade é um fenômeno para além do biológico, que está inscrito na cultura e que, para abarcar a dimensão deste conceito na constituição subjetiva da mulher, é necessário o entendimento de todo o contexto sócio-histórico-cultural em que essa mulher se insere. De forma semelhante, Rocha-Coutinho (2011) afirma que para a mulher contemporânea a maternidade tem diversos significados, mas seu impacto ocorre principalmente nos papéis sociais que essa desempenha, por exemplo, ajustamento do seu papel profissional para que seja possível priorizar o cuidado com os filhos, a mudança na configuração da sua vivência conjugal, entre muitos outros aspectos.

Para Badinter (1985) a maternidade pode ter diferentes significados para diferentes mulheres. Enquanto para uma mulher a maternidade e os filhos a preenchem de sentido e alegria, para outras (apesar de não dito) é uma experiência completamente devastadora e permeada pela angústia.

A partir destes conceitos podemos compreender que a maternidade é um processo complexo, que pode estar alicerçado em uma vivência individual da mulher em relação a sua história de vida, na sua experiência familiar no papel de filha, e no contexto sócio-histórico, econômico e cultural em que esta se insere. No caso específico da maternidade de mulheres usuárias de drogas segundo Castilla e Lorenzo (2012) existem algumas especificidades no papel materno. Para as autoras, no período de intenso uso de drogas essas mulheres ficam completamente entorpecidas, esquecendo-se não apenas de suas necessidades básicas como alimentação e higiene, mas também comprometendo sua capacidade de expressar sentimentos, principalmente em relação aos filhos. Mas há um relato que muitas, mesmo neste embotamento afetivo, alucinam com aparições de seus filhos, escutam suas vozes, o que é considerado pelas autoras como uma forma de expressão maternal, mesmo que não nos moldes tradicionais. As autoras nomearam esse fenômeno de emoções maternas suspendidas.

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tornarem-se mães. Para as autoras, há um aspecto sobre a capacidade de parentalidade destas mulheres que fica negligenciado pelas pesquisas.

As suposições feitas sobre as mulheres usuárias de drogas tendem a ignorar a evidência de que eles podem ser capazes de fornecer carinho e ambiente agradável para os filhos, mesmo fazendo uso de drogas injetáveis e vivendo situações de insegurança econômica. Algumas das mulheres entrevistadas haviam perdido a guarda de seus filhos para os serviços de assistência social e expressavam dúvidas sobre sua capacidade de ser mãe. Entretanto, a maioria das mulheres desejava serem mães bem-sucedidas e aquelas que possuíam a guarda de suas crianças buscavam ativamente por estratégias para evitar danos aos seus filhos. O estudo sugere que as mulheres dependentes químicas podem modificar e/ou diminuir ou até mesmo cessar o uso de drogas em resposta a fatores contextuais, incluindo a possibilidade de ter a guarda de seus filhos e recursos como pessoas e instituições de apoio (OLSEN; BANWELL; MADDEN, 2014).

Gravidez em mulheres dependentes químicas frequentemente coincide com o início de algum tipo de tratamento, algumas vezes por iniciativa própria, mas em outros casos sugerido por médicos que as acompanham. A gravidez é vista como um momento de mudança, o que representa uma razão para parar de consumir drogas e começar os tratamentos de recuperação. No entanto, apesar deste desejo de mudança, as suas tentativas de recuperação às vezes falham, resultando em recidivas e abuso de substâncias durante a gravidez e até mesmo após o nascimento da criança (SILVA et al., 2013)

Para Silva et al. (2013) a gravidez e a maternidade de mulheres usuárias de drogas em Portugal é marcada por uma forte ambivalência entre o vício e a parentalidade. Sentimentos e pensamentos contraditórios tendem a surgir: por um lado profundos sentimentos de desespero, angústia e ansiedade, por outro lado, a gravidez e a maternidade são simultaneamente momentos de esperança, em que as mães param para pensar, e começam a ver o seu filho como uma salvação.

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cuidados de ordem básica (higiene, alimentação, sono, etc.), o que para elas é o bastante para ser considerada uma boa mãe.

Os discursos partilhados socialmente vinculam a imagem da mulher ao da mãe, em seu papel de cuidadora que é transmitido em sua forma, de mãe para filha, através das gerações e ao longo da história do mundo. Entretanto o papel materno é atravessado por questões contemporâneas como o uso de drogas pela mulher, que acaba por colocar em discussão e em xeque a possibilidade de que esta mulher seja capaz de cumprir sua função de mãe-cuidadora conforme previsto no discurso social. E com esta perspectiva em evidência faz-se necessário compreender a questão da droga dentro do sistema familiar.

2.2. USO DE DROGAS E FAMÍLIA

Para Kalina (1988) a partir da década de 60 o mundo passa por transformações em seus sistemas, sócio-político-histórico-cultural, onde a vida é posta como algo insólito. A família é a micro-sociedade que traduz todo esse contexto para os indivíduos que a compõe,

além de ensinar como se relacionar e nutrir. Os usuários de drogas são “bodes expiatórios” (p.

20) de todo esse processo de mudança social/familiar, sendo a droga uma forma de controle e anulação do desejo que vai contra a organização social e as mudanças vigentes. Ao fazer essa afirmação, o autor não faz distinção entre usuários de sexo masculino ou feminino. Entretanto, faz-se necessário pensar entre as diferenças dos usuários de diferentes sexos e o lugar que estes ocupam dentro de seu núcleo familiar e na sociedade.

Cardinal (1991) afirma que para sermos capazes de estabelecer uma relação entre a dependência química e a mulher, é necessário que se insira nesta equação um universo extremamente complexo que é o feminino, diretamente influenciado pela construção do lugar social da mulher na cultura e na história e o e papel que essa mulher ocupa no mundo.

Tal posição leva-nos a problematizar a questão da mulher usuária de drogas dentro de um processo histórico onde só foi possível reconhecer a existência “dessa mulher” como um

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diferença entre os sexos diminuiu, inclusive havendo um aumento do abuso de outras substâncias entorpecentes pela população feminina. Para Cardinal (1991) houve uma mudança no perfil da mulher moderna, que se apresenta de maneira mais competitiva, que é convidada

a fazer uso de drogas consideradas “leves” como o álcool e o tabaco, o que faz com que esse

consumo em um primeiro momento seja posicionado como algo do espectro social, afastando a imagem de delinquência mais comumente associada à figura masculina.

Desta forma a maioria dos trabalhos sobre consumo de drogas e família ainda aborda o tema do abuso de substâncias químicas relacionando a um usuário de sexo masculino. Assim a compreensão sobre a questão da dinâmica familiar e do uso de drogas numa perspectiva sistêmica, será apresentada aqui em um primeiro momento sem a distinção de gênero.

A título de compreendermos a dinâmica de uma família que possui envolvimento com álcool e outras drogas é necessário compreender o que é entendido por família. Para Neuburger (1999) a família é uma unidade funcional, que funciona como um lugar onde o sujeito encontra suas matrizes relacionais e constrói sua identidade.

Bowen (1976) afirma que a família é uma unidade emocional, e que para entender o funcionamento de qualquer pessoa pertencente a uma família, é necessário que essa seja visualizada dentro do contexto e do funcionamento das outras pessoas que fazem parte deste grupo, pois os membros de uma família trabalham relacional e/ou emocionalmente de forma recíproca e complementar. Assim a família funciona como um sistema, que quando uma parte muda provoca mudanças compensatórias em outras partes. Essa noção é ampliada por Kalina (1988) quando associada à questão do uso de drogas:

A família, ou seus equivalentes, é co-geradora do fenômeno adictivo. Onde existem adictos, encontramos famílias nas quais, qualquer que seja a configuração que tenham, estão presentes a droga ou os modelos adictivos de conduta, como técnica de sobrevivência por um ou mais membros deste grupo humano (KALINA, 1988, p. 27)

Para Féres-Carneiro (1983) a família é uma unidade presente em qualquer sociedade, e é diretamente atravessada pela cultura. Ela determina a definição e a posição das semelhanças e diferenças humanas, definine os papéis distintos que cada membro ocupa e sua relação dentro do sistema.

Segundo Nichols e Schwartz (2007), independente de qual o padrão escolhido pelas

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possibilidades de padrões. Isto é, as famílias e sujeitos só buscarão por novos referenciais e mudanças quando houver uma situação limite estressora do sistema, questionando os padrões relacionais. Porém, ao estudar padrão relacional há uma necessidade de compreender como se constroem esses padrões na perspectiva das diferentes gerações.

Os indivíduos não podem ser entendidos fora do contexto do sistema familiar a que pertencem, assim como a família nuclear, para ser compreendida em sua totalidade, deve ser contextualizada na sua história e na sua relação com as gerações que a precederam. A história transgeracional modula o funcionamento da família nuclear (casal), e para visualizar de forma acurada esses padrões relacionais é necessário que se inclua pelo menos três gerações de uma família, determinando o caráter multigeracional do sistema familiar (BOWEN, 1976; GERSON; MCGOLDRICK, 1987).

A família é descrita por Bowen (1976) como uma rede multigeracional de relacionamentos que influencia diretamente na construção do sujeito. Segundo este autor a transmissão geracional é o movimento de transmissão da projeção familiar nuclear que é repetido através das gerações, ou seja, a transmissão do grau de indiferenciação de uma geração a outra. Para que um sujeito se desenvolva ele deve se diferenciar, e para ser capaz de se diferenciar ou se individuar, o sujeito deve reconciliar com seu núcleo familiar. Para Ausloos (1996) no caso de famílias com histórico de toxicomanias, o sujeito muitas vezes rompe com o núcleo familiar, sem de fato se individuar o que o mantêm, no mesmo padrão relacional da família de origem.

Penso, Costa e Ribeiro (2008) ao estudarem o genograma partem do pressuposto de que uma família é atravessada por questões que suplantam o relacionamento nuclear. Isto quer dizer, que os diversos movimentos durante o ciclo de vida de uma família: casamentos, nascimento de filhos, filhos crescendo, filhos saindo de casa e formando novas famílias, são influenciados por uma rede de emoções que estão ligados aos relacionamentos anteriores (gerações passadas). E é esse movimento psíquico, relacional, emocional que conecta uma geração a outra, nos mais diversos níveis, que se constitui a transmissão geracional (BOWEN, 1976; GERSON; MCGOLDRICK, 1987; PENSO; COSTA; RIBEIRO, 2008). Para Schenker

(2008) “os valores vivenciados na dinâmica interna das famílias influenciam o

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As transmissões geracionais ocorrem durante toda a vida de um indivíduo. Porém, existem eventos que são cruciais e que ganham um peso maior, no que diz respeito à transmissão e inscrição desses eventos na história de uma pessoa (CARRETEIRO; FREIRE, 2006). Ou seja, momentos como a morte ou o nascimento mudam a ordem da filiação e vão influenciar diretamente na reconstrução da memória familiar. Ainda segundo as autoras, as transmissões familiares irão interferir na vida de um sujeito dentro de seu meio familiar, como membro e dentro de seu papel, por exemplo, filial ou parental. Para Oliveira, Bittencourt e Carmo (2008) é muitas vezes papel da mãe transmitir informações e valores familiares que serão fundamentais para estruturação dos filhos e principalmente de sua atitude futura.

Ribeiro e Bareicha (2008) pontuam que a transmissão transgeracional não se limita apenas a aspectos positivos da interação familiar. Situações de violência e sentimentos de menos valia tendem a se repetir nas gerações o que, segundo as autoras, cria um ciclo de violência que se instaura como cultura e herança transgeracional. Entretanto, ressalvam que, ao tratar de repetição de padrão interacional não há um determinismo onde a geração antecessora é responsável pela repetição futura. O sistema atual tem autonomia para escolher quais padrões terá em seu repertório. No caso de famílias com histórico de dependências

químicas há um padrão de desqualificação “intrageracionais e transgeracionais” gerando

relações externas empobrecidas (AUSLOOS, 1996, p. 142).

Concordando com esta idéia de Ausloos (1996), Schenker (2008) relata que nas famílias de dependentes químicos costumam haver confusões nos papéis, fronteiras e hierarquias, sendo comum uma desvalorização da primeira geração (avós) para com a segunda (pais) o que inviabiliza que esses pais saiam da posição de filhos e assumam a parentalidade de seus filhos, que acabam sem uma estrutura familiar continente e com limites bem definidos e pais com maior predisposição ao alcoolismo e a depressão.

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aprender a lidar com as dificuldades e frustrações sem o uso de “muletas”. Para o autor a

permissão da entrada de pares desviantes na vida dos filhos que coadunam e estimulam o consumo de drogas também é fator de risco e explicita a falta de uma atitude ativa de proteção para com os filhos que é uma função do papel parental.

Para Bowen (1976), Guerin (1976) Gerson e McGoldrick (1987), somos produto da (in)diferenciação de nossos pais, assim como eles foram das gerações antecessoras, formando uma escada que pode ser utilizada tanto para subir quanto para descer, dependendo apenas do quão dispostos nos estamos a entrar em contato com nossas questões pessoais e familiares para aprender a nos diferenciar. No caso da mulher, assim como o homem usuário de drogas ou em estado de abstinência, há uma tendência a adotar modelos de referência ligados a essa família de origem, diante de situações estressoras, sendo que a mulher que busca a intoxicação voluntária como forma de responder a tais condições tem um atravessamento ainda maior dadas às condições sociais e históricas que essa vivencia (CARDINAL, 1991).

Pensando a família como um sistema, o sintoma da drogadição de um ou mais membros, pode ser interpretado como relacional, ou seja, um evento que comunica algo sobre o padrão relacional daquele sistema (MIERMONT et al., 1994; PENSO; COSTA; SUDBRACK, 2008). Nichols e Schwartz (2007) ao conceituar o significado dos sintomas apontam a partir de autores como Jackson (1957); Vogel e Bell (1960) que o sujeito identificado como o portador do problema (sintoma), é visto como tendo uma função dentro dos sistemas nos quais se insere. Essa função pode variar, por exemplo, em uma tentativa de manter a estabilidade familiar ou a incapacidade de intimidade de um casal, devido à forte ligação relacional com seus papéis na família de origem (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).

Para Miermont et al. (1994) o sintoma é um sinal de um processo patogênico, que não tem sua causa contida em si. É, segundo o autor, um progresso em relação ao processo de adoecimento, pois busca deflagrar problemas inscritos no sistema. O usuário de drogas dentro dessa perspectiva deixa de ser vítima e passa a ser visto como um sujeito em processo adaptativo à dinâmica familiar (PENSO; COSTA; SUDBRACK, 2008).

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O uso de drogas pelo filho, que se mantêm envolvido em vínculo simbiótico com a mãe e/ou outros membros da família, pode também estar funcionando como única forma de experimentar alguma individualidade ou independência do grupo familiar. Na realidade, tal percepção e comportamento abusivo funcionam como reforçadores do envolvimento familiar. O indivíduo deixa de depender da droga, e encontra-se novamente com os vínculos de dependência familiares; assim, forma-se um círculo vicioso de dependências alternadas (STEMPLIUK; BURSZTEIN, 1999, p. 161).

Para Stempliuk e Bursztein (1999) a tradição familiar do uso de álcool e cigarro também está associada ao comportamento aditivo dos filhos. O sintoma da dependência química está diretamente ligado a um processo de transmissão geracional estando relacionado a fatores como o uso de drogas pelos pais e parentes, sendo este padrão relacional disfuncional transmitido à próxima geração, influenciando diretamente como o jovem irá se relacionar com a droga licita ou ilícita.

Em resumo, a questão da mulher usuária de drogas e sua família estão associadas a diversos fatores relacionados à dinâmica familiar e a história transgeracional, o que a torna mais susceptível a buscar esse tipo de resposta em momentos de grandes conflitos, sendo, portanto, de grande importância a discussão em torno dos elementos constitutivos dessa identidade engendrada a partir da vulnerabilidade e da exclusão social.

2.3. A IDENTIDADE DA MULHER GESTANTE USUÁRIA DE CRACK E OUTRAS DROGAS EM CONTEXTO DE EXCLUSÃO E VULNERABILIDADE SOCIAL

Cabe ressaltar que, é importante não culpabilizar ou responsabilizar unicamente as famílias pela dependência química de seus membros. Deve-se considerar que a dependência de drogas é um reflexo da sociedade contemporânea, que transparece na vivência dos indivíduos carentes de recursos pessoais internos para lidar com os fatores estressores da vida cotidiana (STEMPLIUK; BURSZTEIN, 1999). Carreteiro e Cardoso (2003) criticam a responsabilização exclusiva da família. Para as autoras o fenômeno da drogadição no Brasil e no mundo é uma questão complexa e que tem suas origens não apenas no núcleo familiar, mas também no social, que exclui e penaliza uma grande parte da nossa população.

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como em muitos outros países, temos os excluídos da condição humana. “Estar vivendo em

um estado de necessidade, é estar excluído da condição humana, tal como ela é proclamada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos” (KEHL, 2004, p.34). A mulher gestante

usuária de drogas se enquadra dentro deste perfil da exclusão da condição humana, como veremos a seguir.

O pediatra Corradine (1998), em seu artigo, lista uma série de características das gestantes usuárias de drogas. Entre os achados, estão que essas mulheres são de nível sócio-econômico mais baixo, que fazem uso de mais de um tipo de drogas, possuem histórico de infrações como, por exemplo, roubo e prostituição e, geralmente, são provenientes de famílias que também possuem um histórico de abuso de substâncias químicas. Muitas apresentam quadros de transtornos mentais mais graves. O autor afirma ainda que as gestantes usuárias de drogas dificilmente se submetem ao acompanhamento pré-natal, apresentam baixo peso e seus bebês se não abortados, nascem prematuros e com baixo peso.

Em termos mais atuais, essa discussão da mulher usuária de droga não se altera muito da visão de Corradine (1998). Para Moreira, Mitshuhiro e Ribeiro (2012) o uso de cocaína e seus sub-produtos por mulheres durante a gestação está associado a uma série de comportamentos de risco como a falta do uso de preservativos, múltiplos parceiros sexuais e a troca do sexo por dinheiro para a compra da droga ou pela própria pedra do crack.

Para Silva et al. (2013) a gravidez, no caso de mulheres usuárias de drogas, geralmente é descoberta tardiamente. Isto aumenta os sentimentos de insegurança da gestante dependente química, e faz com que a mesma tenha dificuldade em se adaptar física e psicologicamente a essa nova situação, influenciando diretamente na falta de acompanhamento pré-natal. Então como pensar na maternidade em um contexto de exclusão e vulnerabilidade como aquela das usuárias de drogas?

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não são totalmente fidedignos à realidade vigente no Brasil. Como já foi mencionado na introdução deste trabalho um terço da população diagnosticada como dependente química, são mulheres em idade reprodutiva (OMS, 2008). Assim, para buscar compreender esta mulher

usuária de drogas e sua “invisibilidade” estatística e política, faz-se necessário discutir a situação de exclusão e a questão do gênero na sua construção identitária.

Sawaia (2001) conceitua exclusão como um processo complexo, sócio-histórico, que é vivido por meio dos sentimentos e ações, porém, não é construído de maneira unilateral, ou seja, é um fenômeno dialético, onde a sociedade exclui para incluir, e o sujeito vivencia a subjetividade relativa a essa experiência.

A exclusão é um processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é um processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. (SAWAIA, 2001, p.9)

Corroborando com as idéias de Sawaia (2001), Faleiros (2006) compreende o processo de exclusão como também não estando dissociado do processo de inclusão. Para o autor a inclusão e a exclusão se estabelecem dentro de uma relação de forças, onde aquele que se encontra excluído acaba por perder seu direito a cidadania, principalmente no que tange a efetividade de direitos, sejam eles políticos, civis e sociais, incluindo a equidade de gênero.

A exclusão é um processo dialético e histórico, decorrente da exploração e da dominação, com vantagens para uns e desvantagens para outros, estruturante da vida das pessoas e coletividades, diversificada, relacional, multidimensional, e com impactos de disparidade, desigualdade, distanciamento, inferiorização, perda de laços sociais, políticos e familiares, com desqualificação, sofrimento, inacessibilidade a serviços, insustentabilidade e insegurança quanto ao futuro, carência e carenciamentos quanto às necessidades, com invisibilidade social, configurando um distanciamento da vida digna, da identidade desejada e da justiça (FALEIROS, 2006, p.4).

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dependentes químicas, muitas são pobres e mães que abandonam seus filhos em função da droga.

Erikson (1976) compreende a identidade como um processo que ocorre em todos os níveis do funcionamento mental, sendo que por meio da observação reflexiva, o sujeito julga a si próprio a partir do olhar do outro, olhar esse que também é interpretado como munido de um julgamento. Esse olhar é devolvido ao outro e também é constituído de julgamentos criando assim um movimento dialético. Esse processo é contínuo, sempre muda e evolui e no melhor dos cenários permite a diferenciação. Ampliando esta questão,Pedro (2005) diz que identidade é um processo contínuo no qual o sujeito toma consciência de si mesmo e de sua percepção de lugar histórico-social. O autor concorda com as idéias de Ciampa (1987) de que a identidade é uma construção contínua de constantes mudanças (metamorfoses), que constituem a sociedade e por ela são constituídas torando-se uma questão social e política.

Ampliando a discussão de identidade, Gaulejac (1999) afirma que a identidade se constrói a partir dos eixos do inconsciente, meio social, cultural e político, além do campo individual/familiar. Ou seja, é dentro das relações familiares e sociais inseridas em determinado contexto cultural, econômico e histórico que o sujeito por meio de sua história produz a noção da sua identidade e lugar social.

Ao pensarmos na definição de Kalina (1988) sobre o dependente químico, que é alguém que por meio do uso de drogas busca a alteração da percepção interna de sua realidade social, por meio da alteração pontual ou prolongada da neuroquímica do cérebro, “os adictos procuram os “paraísos artificiais”. Para não morrer, procura a morte, triste paradoxo” (p.15)

esse sujeito na realidade está negando também parte de sua identidade pautada neste contexto aversivo.

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a inferiorização, sendo uma delas a negação da realidade comumente feita por meio do uso de drogas.

A dependência química vem então como uma resposta ao olhar social que posiciona o sujeito à margem. É uma via de fuga da realidade quando o individuo não consegue lidar com a situação ou a percepção desse lugar de exclusão, e opta pelo esquecimento do sofrimento, recaindo no uso de substâncias químicas como forma de fuga, tal comportamento faz, muitas vezes, com que o sujeito entre cada vez mais fundo na condição de isolamento e exclusão social (GAULEJAC; TABOADA-LEONETTI, 1994).

O movimento dialético de construção identitária individual e social é nomeado por Barus-Michel (2004) como Intersubjetividade, que se apresenta como um nível da realidade que transcende o intra-subjetivo do sujeito individual e cria uma subjetividade compartilhada que constituem os olhares sociais. Este conceito dialoga com aquele colocado por Kehl (2004) quando a autora diz que:

A degradação do outro degrada a minha dimensão humana. Então, a idéia do espírito fraterno que deve nortear a relação entre os homens é uma idéia que não necessariamente de uma consideração do outro como estranho – também isso é importante – mas do outro como uma dimensão da qual depende minha própria humanidade. (KEHL, 2004, p. 31).

Desta forma a mulher gestante e usuária de drogas vivência tanto situação de exclusão social como tem a sua construção identitária pautada neste lugar. Entretanto, a situação social da mulher não é igual à do homem e por este motivo faz-se importante evocar o conceito de gênero que é diretamente atravessado pelo conceito de intersubjetividade proposto por Barus-Michel (2004). Este conceito é amplamente discutido devido a sua formulação se pautar em contextos históricos o que produzem diferentes olhares para a relação e o lugar que homens e mulheres ocupam no mundo. Para Scott (1989) gênero é um termo utilizado na história política feminista, e tem como objetivo ser um referencial para além da mera divisão de sexos masculino e feminino definindo todo um espectro conceitual que fala de um universo relacional.

Ao tratar do tema gênero, Macedo (2002) traz à luz a questão do universo conceitual relacional, ou seja, essa mulher não deve ser apenas um sinônimo de um gênero, mas sim compreendida dentro das diversas relações que ela estabelece. “Refletir sobre relações de

gênero implica realizar uma releitura de todo o nosso entorno” (MACEDO, 2002, p. 58). Isto

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Figura 01  –  Genograma Claudia
Figura 02  –  Legenda genograma Claudia  Simbolos do Genograma Distante/Pobres Afeto e proximidade Hostil Hostil e distante Próximo e hostil Conflito HarmoniaFaz uso de bebida alcoólica Envolvimento com o tráfico de drogasAlcoolismo
Figura 03  –  Genograma Cristiane
Figura 04  –  Legenda genograma Cristiane
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Referências

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