• Nenhum resultado encontrado

6 CATEGORIA AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL EM SISTEMAS DE EDUCAÇÃO

CORPORATIVA

Neste capítulo são apresentados aspectos epistemológicos e teóricos da avaliação institucional na perspectiva da educação superior e das organizações, com a descrição e análise de alguns modelos de autoavaliação institucional, sendo ao final proposto modelo de autoavaliação para sistemas de educação corporativa em bancos de desenvolvimento brasileiros.

6.1 Perspectivas epistemológicas da avaliação institucional em educação

A educação é um fenômeno complexo, seja na dimensão técnica, seja na científica, mas, sobretudo, na dimensão humana. São inúmeros os interesses e valores em debate na sociedade. A educação vai além do ensino, e a avaliação é muito mais do que controle ou verificação. Avaliação pode ser entendida como uma atitude filosófica que institui metodologias para atender a determinados fins e objetivos de forma integrada (DIAS SOBRINHO, 2003).

O ato de avaliar reflete a concepção do conhecimento de quem avalia. Ao estabelecer a pergunta ou sugerir o problema, o avaliador já optou, ao mesmo tempo, por uma maneira de resolvê-lo, o que provoca um modo de perceber e interpretar o conhecimento. Todavia, ocorre que essas etapas costumam acontecer de uma forma tão automática, que muitos avaliadores não levam em conta as bases epistemológicas em que se fundamenta a avaliação (MÉNDEZ, 2002).

A noção de obstáculo epistemológico pode ser observada no desenvolvimento histórico do conhecimento científico e na prática da educação. Em ambos os casos, essa observação se vê dificultada pela necessidade de se exercer um juízo epistemologicamente normativo: julgar a eficácia do pensamento (BACHELARD, 1996).

A avaliação não pode ser entendida como um ato neutro e universal. Não se avalia tecnicamente uma instituição educacional sem que sobrevenha um pressuposto político e filosófico sobre concepções de mundo e de sociedade (LEITE, 2005).

Assim, ao tratar de “valores, de custos, de validade, de apreciação e análise, de quantificação e qualificação de objetos [...], a avaliação [...] se transforma em um tema político. Um tema que realiza a equação educação como um ato político e o político como um ato educativo” (LEITE, 2005, p. 17).

O que é peculiar à educação [...] é o desenvolvimento de sistemas complexos e sistematizados de avaliação, e o uso regular de seus resultados para diversos fins. A forma que estes sistemas assumem, e o papel que eles desempenham, dependem de muitos fatores, que variam de uma época a outra, e de uma a outra sociedade: suas tradições culturais e intelectuais, seu regime político-institucional, e os diferentes papéis que a sociedade atribui e espera da educação, em seus diversos níveis (SCHWARTZMAN, 2005, p. 15).

[...] as avaliações emergem em determinadas condições e cumprem seus papéis num quadro razoavelmente estruturado de valores que, de um lado, oferecem sustentação e consistência relativas. Por outro lado, essas avaliações desempenham também funções de reforço e reafirmação de determinadas concepções e de denegação de outras (DIAS SOBRINHO, 2000, p. 149).

Os sistemas de educação corporativa precisam saber, de forma sistemática e integrada, quais são os valores dominantes nas suas práticas educacionais e administrativas, exercendo continuamente os seus julgamentos de valor acerca da finalidade de seu trabalho sistemático e das relações que tecem o conjunto dos atores envolvidos no processo avaliativo.

Avaliar é necessário; mas, que avaliação? Da mesma forma que as categorias educação e desenvolvimento, a categoria avaliação institucional em educação também se assenta sobre um arcabouço político-filosófico que orbita entre polos opostos e complementares: controle e transformação e aperfeiçoamento (FERNANDES, M. E. A., 2001); controle (função econômica) e educativa (função social) (DIAS SOBRINHO, 2002); regulação e emancipação (SANTOS, B. S.; 2005b); liberal (LEITE, 2005) e fenomenológico conscientizado (emancipatório e participativo) (LEITE, 2005).

Segundo Fernandes, M. E. A. (2001), dentre as abordagens de pensamento sobre avaliação institucional em educação, a mais difundida e utilizada é a avaliação para controle ou meritocrática. Apresenta as seguintes características: relacionada à mensuração de desempenhos e resultados; e usada para hierarquizar, classificar ou ranquear instituições, estimulando a competição entre elas. Já a corrente de pensamento transformação e aperfeiçoamento objetiva a formulação de ações para transformação e aperfeiçoamento da instituição e do sistema educacional, sendo considerada um instrumento para a melhoria, apresentando uma natureza reflexiva e construtiva.

Dias Sobrinho (2002) distingue a universidade entre controle e educativa, sendo a primeira direcionada para atender aos interesses de mercado, e a segunda voltada para o interesse social. O Quadro 13 apresenta as principais características desse enfoque.

Quadro 13 – Distinção entre universidade para o mercado e universidade para a sociedade

Universidade para o Mercado Universidade para a Sociedade Função econômica

Avaliação como controle Avaliação educativaFunção social

Eficiência, lucro, produtividade, competitividade, operacionalidade, racionalidade instrumental, ética subjetivista, sucesso individual

Relevância social, equidade, pertinência,

democracia, cidadania, solidariedade, ética social, desenvolvimento da sociedade

Ênfase em resultados e produtos específicos, segundo a lógica competitiva

Ênfase em processos globais, segundo a lógica dos interesses da sociedade

Controlar a qualidade como quantidade de produtos e aumentar a competitividade, segundo a lógica do mercado e do sucesso individual. Informar o mercado (clientes) e a administração central (para fins de regulação e fiscalização)

Melhorar/construir a educação cooperativamente, segundo a lógica da qualidade social e do sentido público.

Informação pública com finalidade de formar melhor, consolidar a instituição, melhorar a função social

Fonte: Adaptado de Dias Sobrinho (2002).

A lógica da avaliação como controle (mercado) procura atender aos interesses dos setores dominantes, privilegiando o lucro, a produtividade, a excelência, a eficiência. A lógica da avaliação educativa (sociedade) é orientada por princípios éticos: a democracia, a felicidade, o bem-estar mais amplo, a cooperação (DIAS SOBRINHO, 2002).

Santos, B. S. (2005b) diferencia a avaliação em dois tipos: regulação e emancipação. A avaliação, enquanto regulação, direcionada ao controle, distancia-se da avaliação que tende à emancipação, considerando as visões ontológicas, axiológicas e epistemológicas que estão em permanente tensão modernidade.

A avaliação na perspectiva da regulação se insere na matriz positivista, representada pelo controle, enquanto a avaliação emancipatória se insere na matriz crítico-dialética e pressupõe transformação da realidade. “O controle como ciência do homogêneo aparece como antinomia da avaliação, baseado no reconhecimento das diferenças, do heterogêneo” (BONNIOL; VIAL, 2001, p. 325).

As avaliações podem ser emancipatórias à medida que atenderem à autonomização de sujeitos e de instituições (SAUL, 1988).

Leite (2005) classifica a avaliação institucional em dois enfoques: liberal e fenomenológico conscientizado (emancipatório e participativo). O enfoque liberal apresenta uma epistemologia objetiva, com conhecimento explicitado e uma ética subjetiva que não é claramente percebida. As avaliações se orientam pelos princípios do liberalismo, uma filosofia política que justifica a sociedade de mercado e as opções ou escolhas individuais. O princípio da utilidade direciona a ação desse enfoque, compartilhando uma visão competitiva e individualista.

O enfoque fenomenológico conscientizado (emancipatório e participativo) apresenta uma epistemologia subjetivista, com conhecimento tácito e uma ética objetiva, claramente percebida. As avaliações se orientam por uma abordagem fenomenológica e praxeológica, ou seja, “busca aprender o fenômeno em seus movimentos e em sua relação com a realidade objetivando a sua transformação e não apenas a sua descrição; pretende iluminar o caminho da transformação” (SAUL, 1988, p. 64).

Caracteriza-se por uma comunidade capaz de resolver suas questões e conflitos por meio de uma política de participação, de autocrítica e de autolegislação. Uma comunidade capaz de transformar indivíduos privados em cidadãos livres e interesses privados em bens públicos ou comuns, por meio da participação (LEITE, 2005).

As abordagens epistemológicas, que proporcionam fundamento às práticas educacionais, apresentaram um longo percurso para seu estabelecimento, deixando seus sinais na educação (GAMBOA, 1989, p. 103-104):

Nas abordagens empírico-analíticas [...] a educação diz respeito ao treinamento por meio de estímulos, reforços e processos que visam ao desenvolvimento de suas aptidões, habilidades ou potencialidades, a aprendizagem de papéis de normas sociais e padrões de comportamento, etc. [...] Nas abordagens fenomenológico- hermenêuticas [...] educar é desenvolver e possibilitar o projeto humano, criando as condições para que o homem consiga ser mais; é relação dialógica entre o educador e o educando; é passar das percepções ingênuas e aparentes da realidade às percepções críticas e desveladoras do mundo, é conscientizar [...] Na abordagem dialética [...] a educação é vista como uma prática nas formações sociais e resulta de suas determinações econômicas, sociais e políticas; faz parte da superestrutura e, junto com outras instâncias culturais, atua na reprodução da ideologia dominante. Numa outra versão, a educação também é espaço de reprodução das contradições que dinamizam as mudanças e possibilitam a gestação de novas formações sociais. O Quadro 14 apresenta um esforço de integração multirreferencial e síntese das principais características das categorias educação, desenvolvimento e avaliação institucional, que orbitam entre os enfoques de regulação e emancipação.

Quadro 14 – Principais características das categorias educação, desenvolvimento e avaliação institucional para os enfoques de regulação e emancipação ENFOQUE