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CAPÍTULO IV – Analisando o discurso do Trabalhador

4.2. A Triangulação de métodos

4.2.3. Categoria: Papel da Atenção Básica

Os eixos desta categoria foram: Relação com território e usuário; Desejo de solucionar todas as demandas e prevenção.

O primeiro eixo (11) corresponde à relação com o território e usuário. Neste eixo os profissionais reconhecem a missão e as especificidades da AB que são: vínculo, longitudinalidade do cuidado, proximidade e reconhecimento do território, referência, trabalho em equipe e acolhimento. Apontam ainda, a importância do ACS que realmente conhece o território e destaca- se como a ponte entre a UBS e a comunidade. Compreendem que a especificidade da AB não está no procedimento ou na tecnologia empregada, mas sim na relação e no vínculo que permeiam o atendimento.

Em sua experiência profissional, a pesquisadora percebia que a população mantinha reclamações sobre a demora para atendimentos na unidade, para consultas com especialistas e, em alguns momentos, sobre a conduta de determinados profissionais. O vínculo do usuário dava-se, geralmente, com algum profissional de saúde e não, especificamente, com o serviço.

Pinto & Coelho (2008) denotam que o trabalho em saúde tem uma especificidade que se resume no encontro singular entre usuário e trabalhador, onde a responsabilidade do trabalhador da saúde é frequentemente maior do que em outros campos, pois sua autonomia está vinculada à gestão e ao interesse dos usuários. Para Campos (2000) toda instituição tem uma tripla finalidade que está direcionada aos gestores, usuários e trabalhadores, ou seja, produzir saúde, atender aos interesses e necessidades da população e possibilitar a produção de subjetividade dos trabalhadores.

O MS tem produzido documentos que procuram nortear as políticas de saúde e com relação à AB, dos documentos que orientam sobre o processo de trabalho e as ações a serem desenvolvidas, destacam-se: o Manual para Organização da Atenção Básica Brasil, (1998) e a Política Nacional de Atenção Básica-PNAB (Brasil, 2006, 2011). O primeiro redefiniu a AB,

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ampliando, portanto, suas responsabilidades e criou o PAB variável, na perspectiva de possibilitar financiamento aos municípios que desenvolvem estratégias na AB.

A PNAB (2006, 2011) trouxe definições mais específicas sobre as ações necessárias e o papel da equipe de saúde. Esses três documentos conceituam e definem o papel da AB, pautando sua responsabilidade em garantir acesso e provocar reflexo em toda a rede, melhorar a saúde da população e garantir distribuição equânime de recursos, estabelecer-se totalmente inscrita na comunidade, oferecer ações de promoção, prevenção, diagnóstico, reabilitação, tratamento e manutenção da saúde, além de estimular a participação social e atuar de forma intersetorial. A PNAB (2011), ainda, infere a necessidade de acompanhamento e avaliação dos resultados alcançados e a utilização dos sistemas de informação para auxílio no monitoramento e tomada de decisões. Com relação ao papel da equipe, este documento aponta para o estímulo à participação social, a coordenação da rede (entre serviços de saúde e intersetorialmente) e à equipe vinculada ao território, sendo reconhecida como referência do cuidado em saúde para aquela região.

Na análise das narrativas dos profissionais participantes desta pesquisa pode-se perceber que os trabalhadores têm pouco conhecimento sobre as políticas lançadas pelos governos, o que denuncia, não só um problema na formação profissional, mas também na divulgação de informações e na capacitação de pessoal. Porém, reconhecem seu papel e o papel do serviço, principalmente no que diz respeito à relação e proximidade com o território, ao vínculo, responsabilização e cuidado longitudinal. No entanto, este conhecimento dado pela prática cotidiana de trabalho, está longe de conversar com a produção teórica do MS.

O eixo 12 salienta o Desejo de solucionar todas as demandas, apontado pelos trabalhadores enquanto uma característica do trabalho na AB, visto que a proximidade com o usuário e com o território produz uma vinculação e uma responsabilidade pelo cuidado da população adscrita. Isso traz uma dificuldade em reconhecer o limite do serviço (e do próprio profissional) e em anunciá-lo à comunidade. Dessa forma, assumem o que é da AB, mas também, procedimentos de outros níveis de atenção e reconhecem que, nesse sentido, o atendimento prestado é de maior qualidade, por conta do vínculo e do cuidado longitudinal. Porém, a AB tem um limite de suas possibilidades, inclusive pela tecnologia disponível. A população, muitas vezes, procura esse serviço, por ser o serviço de referência do cuidado em saúde no território e por não conseguir atendimento resolutivo e eficaz na rede, não compreendendo a hierarquização do sistema. Isso acarreta uma alta demanda, num serviço que já está inchado pelo número de população sob sua responsabilidade (número

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elevado em relação aos parâmetros do MS) e que apresenta um escopo de atividades bastante complexo e abrangente.

A PNAB (2011) recomenda que a UBS deva acolher e ouvir todas as pessoas que procuram seus serviços, na tentativa de resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população e/ou melhorar danos e sofrimentos, ou ainda, responsabilizar-se pela resposta mesmo que sejam ofertadas em outros pontos de atenção da rede. Levando em consideração os limites supracitados, já seria difícil garantir a escuta de todos os indivíduos, procurando solucionar a maioria dos problemas ou melhorar danos frente ao contexto vivenciado na AB. Na experiência da pesquisadora o fato de coordenar o cuidado de um usuário encaminhado a outro serviço da rede, fica uma tarefa quase que impossível.

O eixo 13 foi denominado nesta pesquisa por Eixo Prevenção. Na discussão sobre o Papel da Atenção Básica, o grupo 2 pontuou que o foco principal do trabalho deveria ser a prevenção, ou seja, cuidar para que o quadro não se agrave. Entretanto, a equipe pouco consegue fazer isso, dada a alta demanda de atendimento.

Para Massuda (2008), no Brasil há uma tradição em restringir as ações de promoção e prevenção em detrimento da clínica individual, de modo que, na prática, configurou-se um modelo de saúde coletiva limitado ao perfil epidemiológico, sanitário e ambiental do território. Esse fator configura a dificuldade em produzir a intersetorialidade e a participação social, a baixa incorporação do contexto de produção do processo saúde-doença.