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Categoria vintage:

No documento MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES (páginas 86-93)

homogeneização das formas. As duras cores primárias são aqui substituídas por matizes cromáticos quentes, com variantes do vermelho ao rosa. A personagem é geralmente apresentada independente de um cenário temático, posada de corpo inteiro ou apenas na figuração do desenho da face.

• Temática – desdobramento das categorias Vintage e Standart, porém apresentando

diferentes percursos figurativos, com variadas temáticas. Surge em torno da década de 1990 e ganha força nos anos 2000. Geralmente articulada com parcerias licenciadas, neste caso, o “visual” da Hello Kitty caminha em consonância com tendências, modismos,

do contexto cultural do consumo. A personagem sincretiza em si qualidades enunciativas que podem indicar a influência de um codestinador na sua organização interdiscursiva.

• “Parte pelo todo” – funda-se em uma estética que desconstrói em partes o corpo da

personagem. Esse enunciado é instaurado respeitando o imaginário da marca já conhecido do consumidor, que traz na “parte” o “todo” de sentido da marca. Essa categoria é intensamente explorada a partir do ano de 2009, na campanha do 35º aniversário da personagem – “Hello Kitty Collors”. A imagem do laço ganha destaque nessa categoria, mas também observamos figuratividades trabalhadas a partir dos contornos do corpo, do conjunto facial ou mesmo da forma das orelhas.

Mesmo categorizados em quatro diferentes eixos, é importante ressaltarmos que uma categoria não exclui a outra. De fato, observamos que as mesmas acabam muitas vezes por justaporem- se e sincretizarem-se em novas resultantes plásticas. As quatro categorias, por seus contrastes, presentificam micronarrativas subjuntas à narrativa de base da personagem. Articuladas entre si, sutilmente abraçam um sujeito consumidor marcado por heterogeneidades em vista da cultura, do posicionamento geográfico, da idade, entre outras variáveis. Analisamos, desse modo, como essas categorias se organizam e se articulam, circulando os valores, mantendo e regulando o universo da Sanrio. Exploramos, dessa maneira, tais categorias partindo de uma breve análise de suas visibilidades e nuances semânticas e, claro, das regularidades implicadas na enunciação basal da marca e no reconhecimento da personagem enquanto sujeito destinador na promoção de tais valores:

A. CATEGORIA VINTAGE:

Essa primeira categoria pode ser margeada a partir de 1975, no lançamento da pequena bolsa porta-moedas. A gatinha apresenta um perfil infantilizado, desenvolvendo suas ações cotidianas da ordem da brincadeira voltadas ao cenário da escola ou do espaço doméstico. Caracterizada pela figura do desenho infantil, suas formas são simplificadas, com variações de espessura e de proporção inerentes ao próprio traçado da criança, resultado dos esboços criativos desenvolvidos no primário escolar. Essa categoria que lança as primeiras imagens da personagem é hoje reconhecida, pela própria marca Sanrio, como “Vintage”. Na acepção do termo, o anglicanismo Vintage caracteriza-se, segundo o dicionário Oxford11, por algo que presentifica um

certo diferencial, refletido como algo clássico e de qualidade advindo de um determinado período ou época anterior à atual. O termo origina-se: do latim vindemia, referente ao tratamento dado ao vinho como produto refinado devido ao seu “envelhecimento” nas caves. Por um ponto, retoma-se a estética clássica do passado idealizado da marca, e por outro no próprio culto e reestilização de algo de alhures da experiência, vivida ou não. Ela é hoje articulada em linhas de produtos usualmente em vista de um público consumidor maduro, mas também destaca-se, consoante às suas primeiras presentificações em meados dos anos 1970, no segmento de produtos de papelaria e linha escolar. Tal estética trabalha, desse modo, o passado enquanto referencial figurativo da marca, do mote que lá foi fundado e mantém, diacronicamente, sua essência de valores.

Partimos assim de uma breve análise dos traços que plasmam essa primeira presentificação corporal da Hello Kitty, que mantém-se nos dias atuais:

Fig. 28. Contrastes entre corpos Vintage e Standart.

11 Disponível em: <http://oxforddictionaries.com/definition/vintage?region=us&q=vintage>. Acesso em: 16 de junho de

A personagem destaca-se principalmente por apresentar traços que buscam simular as imperfeições da grafia da caneta, com pequenas variações de espessura vislumbradas principalmente no conjunto de bigodes, como o desenho à mão. Observamos que esses traços que demarcam a face constroem formas que se contrastam além das harmônicas circularidades em voga na imagem atual da gatinha. Esse traçado gera pontos de contrastes que levam o olhar a segmentar a sua forma, como nas extremidades pontiagudas das orelhas, na forma retangularizada da face, do laço repuxado fora da cabeça, no maior distanciamento entre os olhos. A razão entre a cabeça e o corpo da gatinha é também diferente. Se na proporção atual trabalhamos a relação de 3 por 2 maçãs entre cabeça e tronco, na arte Vintage é, apesar do peso visual da face, trabalhada a relação 3 por 3 maçãs. Vemos que a relação da própria cabeça com os demais elementos da face são organizados em menor escala no espaço do rosto, perdendo o caráter dinâmico próprio do perfil contemporâneo da personagem. Se na categoria Standart o ponto médio da arte foca-se logo abaixo do nariz e nos aproxima na triangulação entre circularidades do olhar da personagem, na categoria Vintage é fato que o ponto focal é a área da ausência bucal, não conectada, nesse caso, na mesma triangularidade entre os elementos que plasmam a face. Nas formas desarmônicas, a Hello Kitty aqui denota um perfil extremamente infantilizado, porém sem toda a graciosidade e feminilidade inerente à arte Standart.

Outro ponto que caracteriza essa categoria da personagem é a coloração das artes primordialmente trabalhadas nas cores primárias amarelo, vermelho e azul, em contraste com os formantes topológicos e eidéticos marcados no contraste entre o branco e preto. Nas primeiras aparições da Hello Kitty Vintage, a estruturação da personagem e mesmo dos próprios produtos sempre foi indicada nessa relação cromática pura, acompanhada por outros elementos figurativos, simplificados, preenchidos na restrita escala de cor primária, como estrelas, corações e maçãs. Esses pequenos objetos sempre tomam parte no enunciado junto ao corpo posado da personagem, vislumbrando um modus operandi – de ordem lúdica, mas que promove a função do objeto – regendo, pelo uso do elemento, o “fazer” da gatinha. Nesse caso, constroem-se cenas em que Hello Kitty desenha, liga para os amigos, brinca, ou mesmo come uma gostosa torta de maçã.

Essas narrativas inerentes à infância, porém posadas como um catálogo de moda, ainda denotam o “fazer” subjetivo da Hello Kitty por frases e pequenos diálogos que convidam a compartilhar sua narrativa cotidiana: a personagem não apenas posa, mas descreve verbalmente suas ações, no mesmo traçado que emerge seu estatuto corporal. Mais do que apresentar-se em seus feitos cotidianos, a Hello Kitty enfaticamente nos posiciona em interação com seu universo de brincadeiras. Reafirmamos aqui, no corpo da personagem, na voz verbalizada no traço do lápis, um enunciado que publiciza relações interpessoais e intersubjetivas. A personagem, na narrativa de uso do objeto, convida abertamente ao diálogo e instaura a “linguagem do coração”.

Conforme destacado, repete-se no enunciado dos presentes Sanrio as seguintes regularidades: • A presença destacada da figura corpórea da gata (branca, pequena, infantil, que promove

o contato direto pelo olhar);

• a estruturação do corpo da gatinha no cenário cotidiano, figurando os hábitos simples, da infância: desenhar, falar com os amigos, ir às compras, ir à escola, brincar;

• a reiteração do padrão do laço, assim como o importante papel da relação de uso dos produtos, firmado na linguagem verbal e na organização visual;

• o convite ao diálogo: comunicar-se sem barreiras com o outro, seja na figura dos atores que ilustram o fazer discursivo, construindo o imaginário da marca (os amigos, a família, os próprios objetos em cena) assim como o próprio sujeito consumidor que é convidado a participar na verbalidade e na postura corporal da gatinha;

• a estética Vintage como modo de preservação e evolução de uma axiologia de valores fechada, de ordem nostálgica, que vislumbra o passado mas que se mantém, pela sua veiculação, atemporal.

Tendo em vista esse primeiro modo de enunciação da gatinha, tomamos assim, como exemplo, alguns dos iniciais objetos Vintage:

Fig. 29. Linha dos primeiros objetos lançados nos anos 1970: Caderno de anotações (1975); caneca “Cute cup” (1975); estojo (1978); Kit de lenços (1979).12

O arranjo discursivo da categoria Vintage presta-se a abarcar, como vimos, a efemeridade da rotina infantil, das narrativas que todo sujeito consumidor vivencia nos primórdios da sua vida, aqui figurado na amizade com a Hello Kitty. Acompanhando essa organização discursiva, os presentes Sanrio, principalmente os desenvolvidos no início da divulgação da marca, são exclusivamente itens de papelaria, linhas de bolsas e acessórios para escola, objetos de uso doméstico e pessoal, por fim objetos que poderiam tomar parte na prática de vida de um consumidor infantil. A Sanrio propôs-se, desse modo, a conquistar seu público consumidor tanto configurando a prática de vida infantil como observaremos posteriormente, no resgate dessa prática de vida como memória da infância já passada.

12 How do you do!? I am a white kitty cat. Look at my red ribbon! It’s a present from my mother. And look, I am as heavy as

three apples! I like drawing pictures and reading fairy tales. Say hello to me when you see me! (caderno de anotações, 1975) Hello! How are you? (caneca “Cute cup”, 1975) Beep, beep, beep! Here we come! (estojo, 1978) – (Tradução nossa).

Como você está? Eu sou uma gatinha branca. Veja meu laço vermelho! É um presente da minha mãe. E olhe, eu sou tão pesada quanto três maçãs!Eu gosto de desenhar e ler contos de fadas.

Diga “oi” quando me vir! (caderno de anotações, 1975). Olá! Como vai você? (caneca “Cute cup”, 1975)

Ironicamente, no decorrer das vendas dos objetos Vintage, os arranjos figurativos da rotina infantil da Hello Kitty, primordialmente criados com enfoque no público infantil, começam a migrar para linhas de produtos que poderiam ser consumidos tanto pela criança como pela própria mãe ou irmã mais velha. A Sanrio começa a atender uma faixa maior de consumidores partindo do mesmo enunciado lúdico no qual a gatinha se destaca. Desse modo, dos anos 1980 até os dias atuais a categoria Vintage evolui em resposta ao sujeito consumidor que cresce e busca manter a prática de consumo da marca. A consumidora, já modalizada em uma infância de brincadeiras com a Hello Kitty, busca agora, mais velha, perenizar as vivências da infância (assim como repassá-las às novas gerações) pela manutenção do gosto de consumo dos presentes Sanrio. Também observamos que essa memória não necessariamente precisa ter sido vivida pela própria consumidora adulta. Ela também serve, de certo modo, como referencial de uma infância idealizada e não experienciada. A categoria Vintage responde, dessa maneira, a um arranjo enunciativo que plasma uma “idade de ouro”, da vivência não correspondida e retomada pelo consumo da marca. Neste ponto retomamos o objeto, mas vislumbrado nos dias contemporâneos, enquanto um mesmo discurso é trabalhado com pequenas reorganizações plásticas e figurativas que atualizam a personagem:

Fig. 30. Linha de objetos lançados no ano de 2012: relógio de parede “Ribbon”; Bolsa “Outline face”; carteira “Sweet heart”; Kit de papelaria “Black heart” e tênis Vans “Hello Kitty Classic”.13

13 You have a way of brightening my day! (Bolsa, 2012) Together with my friends I can do anything. (kit de papelaria,

2012) – (Tradução nossa).

Você tem um jeito que abrilhanta meu dia! (Bolsa, 2012). Junto com meus amigos eu posso tudo. (kit de papelaria, 2012)

Acompanhando esse percurso, a categoria Vintage é reorganizada para reforçar esse ideal nostálgico perante o consumidor saudoso. Observamos que a narrativa da personagem lentamente abandona a verbalidade e as cenas do cotidiano para sintetizar em seu discurso apenas a figura do corpo ou de partes dele que se destacam no produto. Além disso, dos cromatismos puros dos primeiros objetos

Vintage surge também uma estética em tons pastéis, rosados, amarelados, enfim, da cor desgastada

pelo tempo. Compreendemos que essa evolução do enunciado posiciona o consumidor, agora adulto, temporalmente na relação de compra do objeto em seus primórdios, retomada no consumo nos dias atuais. Se inicialmente consideramos o papel actancial da Hello Kitty, programada em um determinado

modus operandi que resgata o próprio hábito do consumidor nos moldes infantis, ele é aqui reafirmado

nos objetos que visam um público consumidor de gosto estético (na medida do possível) amadurecido. Mantém-se, desse modo, o imaginário da marca como experiência marcada diacronicamente no tempo, que ensina de geração a geração os valores que fundam o simulacro da experiência afetiva com a personagem. Esse percurso, presente nas narrativas infantilizadas da personagem, modaliza o consumidor pelo “fazer-crer”, comprovando a relação de fidúcia tanto para o sujeito que presenciou o lançamento da marca, quanto para um outro, que busca este universo afetivo. Ambos são educados pela narrativa da personagem no consumo do objeto nas práticas do cotidiano. A Hello Kitty Vintage faz assim, “fazer” sentir-se parte dessa “história” de amizade.

No documento MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES (páginas 86-93)