• Nenhum resultado encontrado

Por uma tipologia dos corpos consumidos

No documento MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES (páginas 101-155)

D. Categoria parte pelo todo (de sentido):

2.5. Por uma tipologia dos corpos consumidos

A Hello Kitty enuncia-se assim pelo simulacro do corpo que interage com o corpo do consumidor, trilhando um percurso diacrônico e fechado que, de um modo ou de outro, reitera o sentido de pertencimento e de sociabilidade da marca. A gatinha posiciona-se na esfera do cotidiano e das práticas de vida, acompanhando o consumidor da infância à fase adulta, reiterando as convenções sociais, ilustrando as culturalidades que diferenciam e incluem os sujeitos conforme suas vivências, por fim, modelando, ela mesma, o próprio sujeito no discurso afetivo da marca. Desse modo, nas quatro categorias elencadas, o corpo da gatinha busca levar o consumidor a vivenciar suas quatro diferentes narrativas que reafirmam a mesma axiologia de afetos e de pertencimento que o “estar junto” com a Hello Kitty emerge. Devemos, porém, ressaltar que a Sanrio busca amarrar de tal modo a narrativa de sociabilidade da personagem que, muitas vezes, as próprias categorias, apresentadas de

forma independente, são mescladas, fundem-se umas às outras em jogos interdiscursivos que reafirmam e repetem novamente o universo fechado da marca. A Hello Kitty Vintage pode ser

tematizada em algum modismo em voga na atualidade, assim como este corpo contrastado

pode ser desmembrado em partes. Assim, de forma a melhor vislumbrar a relação entre os corpos da marca, esquematizamos o seguinte quadrado, com os devidos posicionamentos que circulam a axiologia de valores afetivos:

Fig. 37. Tipologia de corpos da personagem

Da categoria Vintage à “Parte pelo Todo”, o corpo da Hello Kitty estabelece uma dinâmica significante que permite enunciar-se de forma que abarque um público deveras heterogêneo que indica, nos seus contrastes, uma mesma motivação. A Hello Kitty Vintage traz em seu semblante a mulher nostálgica, do resgate das memórias da infância, remetendo às brincadeiras e ao primeiro

CATEGORIA STANDART

Visibilidade convencional HK + mulher convencionalizada

corpo HK corpo consumista

(HK estabelece a amizade em uma narrativa que convencionaliza a mulher em uma mesma prática de vida)

CATEGORIA VINTAGE

Visibilidade nostálgica HK infantil + mulher nostálgica

corpo HK Ω corpo consumista

(HK estabelece a amizade em uma narrativa que seduz a mulher em uma mesma prática de vida)

CATEGORIA “PARTE PELO TODO”

Visibilidade excepcional HK + mulher transformada

corpo HK = corpo consumista

(HK estabelece a amizade em uma narrativa que transforma a mulher para uma certa prática de vida)

CATEGORIA TEMÁTICA

Visibilidade contemporânea HK + mulher reativa

corpo HK corpo consumista

(HK estabelece a amizade em uma narrativa que ajusta a mulher em uma certa prática de vida)

presente que traça o laço de amizade com a gatinha. Aqui, a marca sugere desenvolver práticas de vida junto à personagem, em uma mesma dinâmica cotidiana, de amizade que se firma no consumo do objeto que nos acompanha na saga diária. É a etapa do aprendizado, da conformação do consumidor na rítmica social que é explorada nas narrativas lúdicas da Hello Kitty, nas efemeridades das brincadeiras da escola e do lar.

Entende-se que tal aprendizado sedimenta um modus operandi implicado no estatuto identitário da consumidora. Dos modos de ser e de se vestir, das obrigatoriedades perante o outro, da educação que categoriza a mulher em uma determinada posição na escala social. A Hello Kitty Standart acompanha essa rítmica, trazendo em si o frescor da amizade da infância, porém convencionalizada no papel a ser cumprido no rol das relações sociais, da mulher adulta. Como vimos, destacando-se em programas que sugerem narrativas estereotipadas da esfera do feminino, dos eletrodomésticos às práticas da culinária, do corpo enfeitado e feminilizado, o corpo convencionalizado da Hello Kitty acompanha e ratifica o posicionamento deste arquétipo feminino.

É claro que tal simulacro não necessariamente amarra-se restritamente a essa imagem absoluta do sexo frágil, da mulher que nasceu para responder fielmente a um percurso determinado, vista até certo ponto como arcaica e ultrapassada (porém muitas vezes correspondida em sua totalidade). A marca Sanrio, como vimos, ajusta-se ao percurso da consumidora, plasmando, desse modo, novas visibilidades que trazem em si a expressão de modos de vida concernentes a gostos, hábitos, estilos de vida que instauram presença. No gosto da consumidora surge a figura fantasiada de Hello Kitty. A categoria Temática propõe, dessa forma, gerar contrastes e identificações com outros sujeitos que margeiam uma mesma rítmica cotidiana, respondendo logicamente à axiologia afetiva Sanrio.

Se por um lado a Hello Kitty responde aqui a uma diversidade estética que plasma o estatuto identitário contemporâneo, dos modos de ir e vir em uma rítmica figurativa alimentada pela moda e pela indústria do entretenimento, ela também permite a esse corpo que se altera nas práticas da vida, a possibilidade de se transformar pelo próprio consumo do corpo da gatinha. Nesse caso, na categoria “Parte pelo todo”, a Hello Kitty perde seu estatuto corporal e incorpora o papel do próprio amuleto, do presente que, vislumbrado no corpo da consumidora, permite transformá-la em sujeito competente na enunciação dos valores da marca. Assim, não cabe mais à consumidora aprender as dinâmicas de contato com a gatinha. Ela também não é mais a amiga, que se convencionaliza, se contrasta e se identifica no trilhar afetivo da personagem. Mais do que sentir-se parte do universo da Sanrio com outros sujeitos motivados, a consumidora torna- se, na última categoria, a própria gatinha, no acessório que enfeita não mais o corpo estilizado,

mas o seu próprio corpo, permitindo, desse modo, no último patamar de manipulação, promover performances de trocas afetivas com um sujeito outro.

Como já comentado, todas essas categorias articulam-se de forma a manter a circulação dos valores afetivos e perenizar o discurso de consumo da marca. Assim, a consumidora responde, no consumo do presente Sanrio, tanto à mulher convencionalizada, que transpira o heterogêneo universo cultural contemporâneo e que busca, em sua rotina de mulher adulta, retomar à inocência infantil, quanto à mulher transformada que, em sua programação consumista, personifica o próprio estatuto corporal da marca, na enunciação dos valores afetivos pelo consumo. No corpo da gatinha, cor-de-rosa ou vermelho, princesa ou roqueira, inteiriço ou repartido, presta-se, assim, à mediação do consumo do presente Sanrio, modelando em sua diversidade a performance de consumo do sujeito. Nesse forte jogo de manipulação que beira o encaminhamento doutrinário, a marca busca ainda, além de seu efetivo consumo, delegar, como vimos, à própria consumidora o papel de compartilhamento da sua visibilidade, no corpo que agora também é “gatinha” e pode, desse modo, promover largos sorrisos pelo pequeno presente.

modos de presença e visibilidade das consumidoras:

Quem me compra um jardim com flores? borboletas de muitas cores, lavadeiras e passarinhos, ovos verdes e azuis 

nos ninhos? Quem me compra este caracol? Quem me compra um raio de sol? Um lagarto entre o muro e a hera, uma estátua da Primavera? Quem me compra este formigueiro? E este sapo, que é jardineiro? E a cigarra e a sua canção? E o grilinho dentro do chão? (Este é meu leilão!)

3.1| DIÁLOGOS ENTRE A MARCA E O PALCO SOCIAL

A Sanrio busca tecer significações no gosto de consumo de pequenos presentes. A marca comercializa, por meio da figura felina que estampa a manufatura, estados patêmicos e de sociabilidade nas práticas do cotidiano. À materialidade do objeto justapõe-se, assim, a imagem da personagem: amuleto da mediação afetiva, do “fazer” que permite conjungir consumidores pelo discurso da marca. Ela constrói, na promessa do presente, um diálogo que sincretiza as esferas do consumo e da sociabilidade, firmando junto ao consumidor modos de presença, de identidade, de estilo de vida.

Pousamos, dessa forma, nosso olhar sob o ponto de vista desse consumidor. Busca-se compreender como esse sujeito modalizado por um “querer” articula seu “fazer” consoante à visibilidade da marca, enunciando uma imagem de si em conjunção com os pequenos presentes: um “poder ser” que é experienciado e também compartilhado com e por outros sujeitos. Desse modo, entende-se que o sujeito-consumidor, adepto dos produtos Sanrio, explicita um gosto de consumo da marca. Ele busca mostrar na visibilidade das suas escolhas uma certa imagem identitária, um “self” que o define como presença no mundo. Nas palavras de Landowski, essa identidade pode ser compreendida como “um conjunto de traços ou de qualidades específicas, inerentes ao sujeito, que o definem ‘paradigmaticamente’, isto é, por diferença em relação ao outro” (LANDOWSKI, 2002, p. 42). Nesses termos, ser “alguém” envolve a definição de uma gama de escolhas que geram contraste junto ao entorno: do partidarismo político e religioso, das convicções ensinadas no berço familiar ou mesmo das escolhas ditas efêmeras, como os modos de apresentar-se no cenário cotidiano, da visibilidade de uso de determinada marca em detrimento a outras possibilidades em voga no mercado. Em adição a esse primeiro conceito de identidade, o autor ainda complementa que ser “alguém” não depende apenas de escolhas engessadas, cristalizadas como o retrato do documento pessoal. Afinal, “é tão somente ao longo da vida que este sujeito se torna pouco a pouco, ‘sintagmaticamente’, o que ele é”(ibidem, 2002, p. 42). Em outras palavras, se o consumidor busca apresentar um modelo de subjetividade, este apenas pode ser definido por suas escolhas em uma escala contínua e durativa, em suma, por sua prática de vida. Dessa forma, é factível que o destinatário Sanrio revela-se, é claro, consoante ao contexto

sociocultural em que está inserido. Ele cria identificações e contrastes por hábitos e modos de ser que são, em parte (ou integralmente, em alguns casos), alimentados pelos presentes.

Da aquisição da nova linha Hello Kitty Home Decor ao gosto do colecionismo, o consumidor hedoniza sua individualidade. Desse modo, essa performance consumista não estaria centrada em demasia no reflexo da imagem de si? Nos belos moldes de Narciso, esse “self”, não nos indica, apenas uma imagem autorreflexiva, que restringe sua completude na visibilidade de si mesmo. Essa identidade narcísica firma-se também pelo reconhecimento e compartilhamento de preferências iguais ou similares, uma individualidade estabilizada em caráter coletivo, como indica Lipovetsky:

O narcisismo não se caracteriza apenas pela auto-absorção hedonista, mas também pela necessidade de se reagrupar com seres “idênticos”, não só para se tornar útil e exigir novos direitos como também para se libertar, para organizar os problemas íntimos por meio do “contato”, do “vivido”, do discurso na primeira pessoa: a vida associativa, instrumento psicológico. (LIPOVETSKY, 2009, p. XXIII)

Partindo desse princípio, atestamos que o nosso consumidor, além de se presentificar por suas particularidades, também é identificado por suas semelhanças, ou seja, por um sentido de “pertencimento” instaurado na relação com o outro. Pressupõe-se, assim, uma sistemática identitária firmada na similaridade entre sujeitos que também homologa, em cada um, seu perfil diferencial. Desse modo, o sujeito não apenas firma-se por sua individualidade, mas também pela sua incorporação a um grupo que apresenta características concernentes a um modo de ser.

A marca Sanrio habilmente organiza seu discurso em conformidade a essa dinâmica identitária, promovendo intersubjetividade pelo gosto de consumo objetal. Sua enunciação vai ao encontro da própria enunciação do consumidor, tecendo interações que, ao nosso ver, abarcam um sentido que vai muito além dos jogos de sedução publicitária. Pressupomos que esses dois sujeitos – destinador Sanrio e destinatário consumidor – interagem de forma a enunciar um sentido de presença no mundo, seguramente, por motivações diferentes. Do ponto de vista da marca, sua identidade é sustentada por meio de uma discursividade que alimenta o hábito de compra do consumidor. Já do ponto de vista do consumidor, o discurso afetivo da marca permite “pertencer” junto à marca e a outros consumidores, por efeitos de sentido compartilhados em um mesmo gosto de consumo. Estabelece- se, assim, um contrato que alimenta ambos os sujeitos em suas respectivas presentificações identitárias. É evidente que esta “parceria” identifica diferentes graus de comprometimento. Ela pode partir de um consumismo exacerbado ou apenas delinear um gosto de compra considerado “saudável”. Por fim, nos interessa compreender como a relação euforizada entre marca e consumidor

permite promover um “entre-si” da vivência social, “um presente assumido que se destaca contra um fundo de cotidianidade que passa”. (LANDOWSKI, 2002, p. 109).

Marca e consumidor articulam seus respectivos percursos de forma a manifestar identidades que se apresentam na esfera social e do consumo. Esses simulacros identitários são articulados por modos de visibilidade e de presença, circulando valores para aqueles que estão em posição de apreendê-los. Ambos destinadores, de um modo ou de outro, buscam ser “sancionados” conforme o cenário no qual se inserem. Para tanto, considera-se necessário um mínimo de sensibilidade, permitindo o reconhecimento dos valores que dão tônus a esse entorno significante, assim como aos próprios sujeitos-destinatários inseridos nesse meio. Partindo da marca Sanrio, o reconhecimento do contexto na qual está inserida permite melhor articular as estratégias de fidelização ao consumo. Da mesma forma, no viés do consumidor, é possível afirmar sua subjetividade consoante ao palco dessas vivências, prestando-se a enunciar, no âmbito das relações sociais, uma imagem idealizada de si no seu entorno de convivência.

Obviamente, na trilha da marca junto ao consumidor pressupõe-se também uma certa ordenação, um modo objetivado que rege as diretrizes em jogo. Nos moldes da programação, a marca e suas personagens são definidas por padrões figurativos e temáticos, do mesmo modo que o estatuto dos presentes Sanrio responde, como já vimos, a um certo status quo de utilização convencionalizado nas práticas cotidianas. O nosso consumidor também responde a modelos de vivência no palco social e também nas práticas ditas efêmeras do cotidiano. Tais convenções demonstram que além dos jogos de significação que emergem identidades, cabe ainda nas práticas articuladas pelos sujeitos um espaço de segurança, de regularidade que molda, reforça hábitos, organiza o ir e devir. Esse modus operandi é regido, em primeira instância, por um destinador “convenção social”, que delega um “fazer” movido na rítmica do cotidiano, nas práticas aprendidas, copiadas e repetidas. Em suma, pelos atos que não necessariamente precisam ser sancionados para sua execução, os hábitos de higiene pessoal, as rotinas diárias, ou mesmo na operacionalização de tarefas corriqueiras. Tanto marca como consumidor respondem a esse destinador maior, mas também articulam entre si outros róis temáticos, inseridos em seus próprios percursos ou em consonância com o tipo de “parceria” estabelecida entre ambos, em performances de consumo e de visibilidade da marca, assim como entre os próprios consumidores. Dessa maneira, se tomarmos como exemplo absoluto um sujeito consumista que tem como hábito um gosto desenfreado pelos pequenos presentes, ele necessariamente apresenta em sua regularidade de consumo, um rol temático de aquisição e também de mediatização da marca. O próprio colecionismo não seria, assim, um estado de fidúcia garantido, que beira na motivação consensual uma regularidade simbólica, o ato já programado?

Manipulando ou simplesmente seguindo as convenções que emergem e modelam as identidades, ainda fica em aberto uma outra instância, que permite atualizar e manter a relação entre marca e consumidor. No entrecruzamento das narrativas desses sujeitos, partindo de um ponto de vista diacrônico, percebe-se uma relação de dependência intersubjetiva, motivada pelos valores em jogo. Tal interação se dá em um “fazer sentido” que transita entre sujeitos, possibilitando melhor articular ambas as estratégias de “parecer” identitário. Pelo “sentir junto”, tanto marca quanto consumidor moldam-se concomitantemente, de forma a manter suas respectivas presenças identitárias. Essa relação surge no reconhecimento da marca do universo de valores do consumidor e, por parte do consumidor, na percepção desses valores ressemantizados no contexto do consumo. Assim, se a Sanrio busca presentificar seu enunciado afetivo de forma a exercer sua influência nas práticas de consumo, pressupõe-se a necessidade de uma sensibilidade de ordem reativa às transformações do sujeito-consumidor e do seu entorno, das dinâmicas narrativas que acompanham o deslizar informacional em voga na atualidade. Já o consumidor, sujeito que busca por sua narrativa de escolhas definir sua identidade, fornece à marca as pistas enunciativas que a atualizam nos gostos e hábitos cotidianos, mas também recebe dela uma releitura desses valores, novamente apreendidos pelas práticas de consumo. É nessa simbiose, em que tanto marca quanto consumidor evoluem em um ciclo de reafirmações identitárias, alimentadas pelo consumo que, afinal, surge mais uma regularidade das práticas sociais. Na medida em que esse “fazer junto” instaura um hábito regular, ele transforma-se em prática estereotipada, codificada, pré-programada. Definimos, dessa maneira, um “fazer ser” contínuo, pelo hábito do constante ajustamento desses sujeitos, modelados pelos anseios do consumo, pela promessa dos discursos “que fazem por si só o valor do produto, e a essência da mudança” (LANDOWSKI, 2002, p. 112). Ambos os sujeitos alimentam, desse modo, o estatuto significante das relações contemporâneas, firmando em caráter diacrônico, na emergência das visibilidades nas relações de consumo e do convívio social, sua presença no mundo.

3.2| DA IDENTIDADE AO PERTENCIMENTO:

CORPOS ARTICULADOS NO CONVÍVIO DIGITAL

Entre manipulações, regularidades e ajustamentos, tanto marca como consumidor apenas tornam-se presença por jogos de interação, corpo a corpo. A confluência de suas narrativas, porém, depende sobremaneira da ancoragem de ambos os sujeitos em um determinado palco de situações, recortado do abrangente contexto social. Enunciar-se nesse palco fundado nas práticas

do consumo faz circular, em sintonia, a imagem da marca e do consumidor, com diferentes níveis de interação: ora identidades coordenadas, ora subordinadas uma a outra. Tal mutualismo é afirmado nos modos de enunciação desses sujeitos, por jogos de visibilidade que instauram, sincreticamente, ambos os modelos identitários. Essa relação de visibilidade é o “próprio objeto da comunicação”, implicando “a presença de dois protagonistas unidos por uma relação de pressuposição recíproca - um que vê, o outro que é visto” (LANDOWSKI, 1992, p. 88-89). Desse modo, tanto marca como consumidor buscam estabelecer as condições ideais que corporificam uma imagem de “si” perante o olhar de um outro. Esse tipo de interação nos assalta diariamente no mise-en-scene cotidiano: no indivíduo que apresenta seu “visual” de forma a pertencer a um determinado grupo; nos arranjos cosméticos do feminino, desfilando corpos desejados (tanto para o sexo oposto como pela própria mulher); por fim, no trânsito entre os modos de “ver” e se “fazer ser visto” que possibilitam reconhecimento e, como esperado na maioria das vezes, sua aceitação. Propostos em diferentes graus por ambos os sujeitos, esses jogos de visibilidade reiteram, no corpo a corpo, enunciados ancorados no tempo e no espaço. No caso das identidades mediadas pelo consumo da marca, essas relações podem se estabelecer in loco, no momento da compra do presente e mesmo no ir e devir da consumidora, em suas práticas diárias sutilmente acompanhadas pela gatinha Hello Kitty. Nesse contexto, consumidoras apinham-se nas mimosas Gift Gates Sanrio espalhadas ao redor do globo terrestre, assim como, em alguns casos, promovem o contato com a marca em outros espaços programados no afeto: parques temáticos, restaurantes, spas e até berçários. É fato que, em conjunção com a visibilidade da marca, a consumidora possibilita manifestar sua própria imagem ostentada por esse consumo. Esse tipo de abordagem, porém, mesmo enriquecido pela experiência empírica dos sujeitos na relação com o ponto de venda e com o seu transitar entre o espaço público e privado, não nos permite aprofundar nas filigranas da relação do próprio consumidor ao apresentar-se ele mesmo modalizado no discurso da marca. Conforme o nosso interesse, buscamos analisar como esses simulacros identitários - tanto da marca como da consumidora - firmam-se por meio da reverberação de imagens fotográficas compartilhadas além do espaço geográfico, no qual ousamos chamar o local de mediatização da experiência de vida contemporânea: o espaço

No documento MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES (páginas 101-155)