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MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES

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Academic year: 2018

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MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES

Mestrado em Comunicação e Semiótica

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MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES

São Paulo

2012

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da

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pelo seu abraço hospitaleiro no decorrer da produção acadêmica.

À Profa Ana Claudia, pelo aprendizado e persistência.

Às companheiras Tati e Sílvia, pela cumplicidade.

Aos amigos, próximos ou distantes, em especial Roxy, Pedro e Simone, pela força e apoio.

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Esta pesquisa visa a depreensão de uma axiologia das vivências contemporâneas em práticas de consumo, especificamente no comércio dos pequenos presentes Sanrio, estampados com a personagem Hello Kitty. Busca-se, dessa forma, compreender, através do seu largo alcance mediático, como a marca funda, na aquisição e uso de seus produtos, arquétipos sociais. Propõe-se como respaldo teórico e metodológico a Propõe-semiótica enquanto teoria da ação social, oferecendo subsídios pertinentes ao estudo do consumo nas sociedades capitalistas. A pesquisa é norteada pelas postulações de Greimas, em sua semiótica narrativa, assim como nos avanços da teoria que norteiam o entendimento da significação enquanto experiência sensível das práticas de vida. Concomitantemente, abordaremos a manifestação da Sanrio no viés da semiótica plástica flochiana, na construção figurativa e plástica da marca como bricolage, enquanto enunciado do mundo culturalizado. Para a compreensão das performances do consumo, a sociossemiótica de Landowski propõe-se como fundamentação de análise das relações não apenas intersubjetivas, mas das interações em vista de sociabilidades e modelizações dos consumidores em forma de gostos e de estilos de vida do contemporâneo. Serão analisados, progressivamente: (1) a visibilidade identitária da marca e suas reverberações simbólicas; (2) a presença da Hello Kitty no papel de porta-voz da marca, e sua manifestação em linha de produtos; (3) as interações sensíveis promovidas entre as consumidoras, no compartilhamento de imagens de uso e de posse da marca, no palco contemporâneo das encenações sociais, o espaço digital. Na construção de arquétipos motivados pela compra e pelo colecionismo que identifica e homologa identidades vislumbra-se nas visibilidades da marca um “fazer ser” social. Alimentada pela sociedade capitalista, a Sanrio elabora novos componentes das pequenas mitologias contemporâneas.

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SMALL GIFT BIG SMILE: GIFT MYTHOLOGY ON TASTE AND CONSUMPTION PRACTICES

This research aims at the deduction of an axiology of contemporary living expericences in consumption practices, specifically in the commerce of Sanrio’s small gifts, imprinted with Hello Kitty character. This way, we seek to understand – through it wide mediatic reach – the means by which the brand funds social archetypes in the purchase and use of its products. As the theoretical and methodological background we propose discursive semiotics as a social action theory, offering subsidies related to the consumption study in capitalist societies. The research is guided by Greimas’ narrative semiotics postulations, in the same way as the advances that guide significance understanding as the sensitive experience of life practices. Simultaneously we approach Sanrio’s manifestation through Floch’s plastic and figurative semiotics as a bricolage – an enunciation of the culturalized world. In order to better understand the consumption performances, Landowski’s sociosemiotics is proposed as an analytical fundament of not only intersubjective relations, but sociabilities’ interactions and consumers modalizations as a form of taste and contemporary lifestyles. Progressively will be analyzed: (1) the brand’s identity visibility and its symbolic repercussions; (2) Hello Kitty’s presence as the brand’s spokesperson and its manifestation in the product lines; (3) sensitive interactions promoted among consumers in the sharing of images and the brand’s ownership, in the contemporary stage of social enactments, the digital space. In the construction of archetypes motivated by the purchase and hoarding that identifies and homologates identities we can catch a glimpse on the brand’s visibilities as a social way of existing. Nourished by capitalist society, Sanrio elaborates new components of small contemporary mythologies.

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SUMÁRIO 15

LISTA DE FIGURAS 17

CONSIDERAÇÕES INICIAIS 19

Da motivação da pesquisa 21

Do percurso da pesquisa 25

Da fundamentação teórico-metodológica 28

Da organização dissertativa 31

CAP. I | SANRIO: ENUNCIAÇÃO AFETIVA DA MARCA 33 1.1. Da enunciação das marcas 35

1.2. A empresa Sanrio: presença da marca do oriente ao ocidente 45

1.3. O enunciado afetivo no discurso da marca 51

1.4. Small gift, big smile: o Potlatch afetivo 64

CAP. 2 | HELLO KITTY: O DIÁLOGO AFETIVO DO CORPO-OBJETO 71

2.1. Do hábito ao estilo de vida: o consumo do presente nas práticas do cotidiano 73

2.2. O surgimento da gatinha Hello Kitty 80

2.3. O simulacro da amizade: a construção do corpo e da identidade da Hello Kitty 85

2.4. Um corpo adaptado: modos de presença da Hello Kitty 96

A. Categoria vintage: 97

B. Categoria standart: 103

C. Categoria temática: 106

D. Categoria parte pelo todo (de sentido): 109

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3.2. Da identidade ao pertencimento:

corpos articulados no convívio digital 120

3.3. Do pertencimento ao colecionismo:

corpos anulados no convívio digital 138

3.4. Do corpo adequado ao corpo deformado:

transgressão do discurso afetivo no convívio digital 143

3.5. Da manutenção da marca: regimes

de visibilidade do corpo mediático 148

CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

Interações estratégicas no discurso afetivo da marca 155

A pequena mitologia contemporânea:

modelos de vida regulados pelo consumo 161

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FIG. 1. Universo do licenciamento 22

FIG. 2. Coleção de produtos Sanrio 23

FIG. 3. Logos IBM e Apple 41

FIG. 4. Shintaro Tsuji e a Hello Kitty 46

FIG. 5. As personagens Sanrio 49

FIG. 6. A cultura Kawaii 50

FIG. 7. Logo institucional Sanrio 52

FIG. 8. Variações cromáticas do logo Sanrio 53

FIG. 9. A caligrafia Burikko 55

FIG. 10. Articulação discursiva do logo Sanrio 57

FIG. 11. A estrutura do programa narrativo 59

FIG. 12. O programa de base da marca 61

FIG. 13. Programas de uso da marca 63

FIG. 14. Programas de uso da marca 69

FIG. 15. A presença da marca no cotidiano 74

FIG. 16. O programa de base da marca 77

FIG. 17. Papel temático do objeto segundo a convenção cultural 77

FIG. 18. Papel temático do objeto segundo a marca Sanrio 77

FIG. 19. O traçado da personagem Hello Kitty 81

FIG. 20. Porta Moedas Hello Kitty 82

FIG. 21. Assinaturas Hello Kitty 85

FIG. 22. Dinâmicas topológicas do nome Hello Kitty 87

FIG. 23. O convite ao diálogo do corpo da Hello Kitty 88

FIG. 24. Estrutura corporal da Hello Kitty 90

FIG. 25. Estados patêmicos da Hello Kitty 92

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FIG. 30. Linha de presentes Vintage - atualidade 102

FIG. 31. Categoria Standart 103

FIG. 32. Linha de presentes Standart 104

FIG. 33. Categoria Temática 106

FIG. 34. Linha de presentes Temática 107

FIG. 35. Categoria “Parte pelo todo” 109

FIG. 36. Linha de presentes “Parte pelo todo” 110

FIG. 37. Tipologias de corpos da personagem 112

FIG. 38. Evie Seo na Gift Store Sanrio 123

FIG. 39.Kawaiizando 126

FIG. 40. Hello Kitty Museum: corpo tatuado 129

FIG. 41. Hello Kitty Museum: o casamento 131

FIG. 42. Do diálogo entre consumidoras 133

FIG. 43. Os Haul vídeos 135

FIG. 44. Hello Kitty Junkies 139

FIG. 45. O corpo anulado pelo colecionismo 141

FIG. 46. Hello Kitty Hell: a fanática 145

FIG. 47. Hello Kitty Hell: Facebook 147

FIG. 48. Regimes corporais pela visibilidade da marca 149

FIG. 49. Percurso narrativo da marca Sanrio 156

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DA MOTIVAÇÃO DA PESQUISA

A temática de pesquisa abordada nesta dissertação abarca, em primeira instância, a análise de um certo modo de vida contemporâneo, margeado pelas práticas de consumo em um cenário sociocultural que contorna o globo. Focamos nossas análises nas articulações significantes que instauram o consumo enquanto estilo de vida, promovendo o cultivo de visibilidades de cunho simbólico, de uso e posse de objetos que permitem aos sujeitos consumidores enunciarem identidades de caráter individual ou coletivo. Essa proposição como condição de existência no mundo contemporâneo tem produzido enorme circulação de valores que qualificam o ser e estar desses sujeitos na esfera social. Essas figuratividades revestidas de valores se fazem presentes por meio de simulacros concretizados no corpo de produtos de consumo massivo. Por sua vez, esse consumo é qualificado por uma estetização que está em todas as partes da vida humana e que desenvolve explorações sensíveis captando de corpo e alma o sujeito consumidor. Ele é levado a saborear vivências, paixões de posse, como um passaporte para novos percursos, narrativas de vida e estados de ser em seu viver social. Tal prática de vida se estabelece no decorrer da nossa rítmica cotidiana, sustentada pela publicidade e pela indústria capitalista, por meio das articulações dos

media1: na interatividade da world wide web, no cenário televisivo, nos alinhamentos tipográficos das revistas, nas disposições do espaço do comércio e, abrangendo todo esse cenário, na visibilidade das marcas e dos produtos a elas vinculados.

Esses enunciados fazem circular diferentes universos significantes, sutilmente enraizados na efemeridade da rotina diária. Eles articulam-se conforme uma multiplicidade de figuras, formas, cores, rítmicas, sons, odores, tatilidades e gostos, uma panóplia sinestésica que constrói junto ao indivíduo necessidades e promessas de compensação material e imaterial por relações mediadas pelo capital. Estas relações não fundam-se apenas em um simulacro pragmático que a posse do produto traz. Elas sedimentam-se, principalmente, em valores de ordem subjetiva, estetizando, mesmo que de forma efêmera, as práticas cotidianas. Essas práticas são assim marcadas por sequências significantes de comportamentos “cujas realizações vão dos simples estereótipos sociais até as programações algorítmicas” (GREIMAS, COURTES, 2008, p. 380), permitindo entrever modelizações das atividades

1 Utiliza-se o termo latino “media” e seus derivados conforme sua definição abrangente, enquanto fenômeno que veicula

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humanas. Em síntese, vislumbramos performances que se encadeiam, ordenadas ou não, incidindo na experiência de um determinado contexto de sentido que instaura, pelo hábito, um modo de ser, de viver.

O tema, debatido na esfera da comunicação e principalmente da semiótica, torna-se aos olhos desta autora ponto de confluência entre os campos mercadológico e da pesquisa acadêmica, abarcando, de um lado e de outro, duas visões dos modos de “ser” contemporâneo. Busca-se assim um ponto nodal que comungue a visão profissional do desenho criativo de marcas e de seus respectivos produtos, do conhecimento que melhor desenha esses universos significantes, assim como o devido questionamento, à indagação dos seus efeitos no contexto cotidiano, promovido pelo campo da pesquisa. É fato que tal objetivo, um tanto quanto laborioso, aponta a procura de uma “escapatória” às programações de mercado, da rotina profissional: um olhar que anseia não apenas participar do cenário do design de marcas, mas volta-se à compreensão de como elas emergem significação na encenação social. Assim, nesta dialética, tomaremos como corpus de análise as articulações enunciativas no universo do consumo das marcas, conforme uma visibilidade de alcance global, recortando em específico sua mediatização pelo mercado de licenciamento2 de personagens, dos bens de consumo que marcam “presença” em encenações de teor lúdico. Pousamos nosso olhar sob a indústria do entretenimento, que busca veicular universos que trazem em seu bojo o sabor da infância, dos contos maravilhosos das fadas e das princesas, dos super-heróis e dos piratas, das fábulas, da idealização dos sonhos, dos mundos imaginados além da usual vida cotidiana.

Fig. 1. O universo de licenciamento traz para as práticas do cotidiano o consumo de personagens. Eles estampam objetos do uso cotidiano, das mochilas infantis até acessórios da moda.

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De forma a captar os modos de consumo dessa determinada configuração de marca, optamos por analisar os percursos de significação de uma das maiores empresas expoentes na comercialização de licenças, a multinacional japonesa Sanrio. A empresa é, desde os idos anos 1960, responsável pelo desenvolvimento de personagens animalizados que estampam linhas diversificadas de produtos, comercializados em lojas especializadas e no varejo, pelo mundo todo. Podemos considerar que, independente do largo alcance mediático da marca Sanrio, sua presença em terras tupiniquins obteve até a última década uma pequena parcela de reconhecimento, justificada de certo modo por sua definitiva inserção no mercado brasileiro em meados dos anos 2000. É fato, porém, que ao brevemente esboçarmos no traço do lápis ou mesmo em uma descrição oral a imagem sintética da branquíssima felina adornada com laço de fita, um colorido róseo nos vem de pronto à mente: Hello Kitty. A pequena gatinha nada mais é do que o cartão de visitas da marca Sanrio. Por meio da doce figura da personagem a empresa, desse modo, incentivará o consumo de seus produtos exclusivos na medida em que tem o propósito de desenvolver, pelo hábito da compra, um gosto de aquisição da marca.

Fig. 2. Coleção de produtos Sanrio estampados com a gatinha Hello Kitty.

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da marca Sanrio, tendo em destaque a programação dos modos de visibilidade da personagem Hello Kitty. Tal aprendizado fundou-se no desenvolvimento de produtos da linha papeleira ou da moda, na criação das delicadas poses da gatinha ou mesmo na coordenação de suas qualidades visuais, matéricas e mesmo olfativas incorporadas ao estatuto dos presentes Sanrio. Do processo de produção à disposição ordenada dos objetos Sanrio em prateleira, tal conhecimento era voltado à manutenção da axiologia da marca, de forma a melhor sustentar um certo imaginário de consumo em território nacional. No traçado da logística de desenvolvimento das manufaturas, apreendia-se assim, pelo lado da marca, um percurso significante instaurado de forma a conquistar o consumidor em moldes de ordem afetiva. Nesse período de prolífero aprendizado emergiam os primeiros presentes Sanrio nas prateleiras do comércio nacional: multiplicavam-se linhas de produtos, dos purpurinados greetings cards Grafons3, das bonequinhas Grow4, às glamorosas bolsas femininas Pacific5. Surpreendentemente, a marca que tinha apresentado uma tímida entrada no mercado brasileiro no início da década de 1980, tornou-se fenômeno de vendas no decorrer dos anos 2000, passando da comercialização de poucas licenças à articulação de uma extraordinária linha de produtos em diversificados segmentos, produzidos por um enorme contingente de fabricantes de renome nacional e internacional. Com esse boom de consumo, iniciava-se uma nova etapa na sedimentação da marca no Brasil, promovida sempre no intercâmbio com a matriz oriental.

No contato com a nação Nihon, foi curioso atestar como a enunciação da Sanrio, do oriente ao ocidente, sustenta um mesmo imaginário, da proximidade, do laço entre amigas, do presente que afirma um estado afetivo. Sedimentam-se assim as práticas do consumo da marca enquanto prática de vida. Sua força comunicacional intriga não apenas em vista dos altos budgets alcançados, mas também ao promover em sua mediatização a fidúcia ao consumo, na mercantilização de afetos junto às consumidoras: das meninas às jovens mulheres, das mães às filhas, das orientais às ocidentais. As possibilidades de interação entre Sanrio e consumidora adquirem assim um status

quase doutrinário pelo colecionismo dos pequenos produtos, no “estar junto” entre sujeitos.

Impressionada com a força mediática da marca, principalmente destacada no corpo felino de Hello Kitty, foi indagado, à época, à Sra. Yuko Yamaguchi, criadora da personagem: qual sentido é buscado na criação da gatinha? O que ela manifesta para gerar tanta procura? Yamaguchi definiu

3 Empresa nacional especializada na criação de linha de papelaria com personagens licenciados. Disponível em: <http://

www.grafons.com.br/>. Acesso em: 24 de julho de 2012.

4 Empresa nacional do mercado de brinquedos. Disponível em: <http://www.grow.com.br/>. Acesso em: 24 de julho de

2012.

5 Empresa nacional especializada na importação e desenvolvimento de bolsas. Disponível em: <http://www.pacific.com.

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Hello Kitty da seguinte forma: “ela é meiga. Ela pode significar o que você quiser de bom. A Sanrio quer fazer as pessoas felizes.” A partir das pistas deixadas por Yamaguchi e por toda a experiência vivida na relação com a marca Sanrio, busca-se aqui, no corpo da dissertação, promover o entendimento das formas de significação dessa forte ação mundial de marca. Levantamos assim o questionamento que norteia esta pesquisa, com base na teoria semiótica: como a enunciação da Sanrio e de sua personagem Hello Kitty fundam, nas práticas de consumo, um gosto e modo de vida cristalizado na sociedade contemporânea?

DO PERCURSO DA PESQUISA

Da experiência empírica junto à Sanrio, no testemunho das articulações que promovem volições de contato com a personagem Hello Kitty, indagamos a respeito da sua estruturação enunciativa, organizada de forma a possibilitar um sentido de fidúcia pelo consumo da marca. Nesta sequência, partindo do pressuposto de que a Sanrio e a personagem enunciam-se calcadas em valores de mediação afetiva e do culto ao gosto pelo consumo, propomos validar nesta estrutura de análise as seguintes argumentações hipotéticas:

• A marca Sanrio realiza-se na constante reiteração discursiva da mediação de valores afetivos.

• O consumo da marca sustenta-se, em específico, na adequação entre o estatuto identitário do consumidor reativo ao corpo das personagens e das linhas de produtos Sanrio, um jogo transitivo instaurado, corpo a corpo, nas práticas convencionalizadas do cotidiano.

• A exploração figurativa da marca e das suas personagens, em específico Hello Kitty, configura assim o produto Sanrio como um objeto mágico que promove relações intersubjetivas, de ordem afetiva e social.

• Esse objeto mágico é buscado tanto para consumo pessoal como para vínculo social com outros indivíduos, constituindo, por meio da visibilidade dos valores da marca, modos de gosto e de sociabilização.

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• O universo de valor é construído de forma a dar visibilidade ao corpo que possui Hello Kitty, ou seja, nos espaços de interações entre sujeitos, tendo destaque na esfera digital, a web.

• A visibilidade das práticas de vida das consumidoras da Sanrio e de Hello Kitty é testemunho da produção significante da marca que garante estabilidade, segurança, ao mesmo tempo em que aprisiona o consumidor contemporâneo em formas de vida programadas no capitalismo.

Partindo dessas hipóteses, sugerimos que a organização discursiva da marca articula um

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A marca apresenta largo alcance mediático e infinitas reverberações no contexto da performance do consumo conjunto à consumidora: da experiência do consumo no espaço da loja Sanrio, dos eventos e campanhas articulados em nível global, da sua visibilidade em parceria com outras marcas e com expoentes de reconhecimento internacional. De forma a depreender o modus operandi da Sanrio enquanto promulgadora de um modus vivendi no cenário global, recortamos como corpus de análise, especificamente, seu enunciado institucional, composto pela figura do logo-assinatura Sanrio e seu convidativo slogan “Small gift, big smile”. Tal análise faz-se necessária devido a sua onipresença em todas as reverberações discursivas da identidade Sanrio.

Também abordamos a estruturação das narrativas figurativas da Hello Kitty, estampada em uma diversificada gama de objetos, configurando, dessa maneira, uma tipologia de corpos da personagem, organizada conforme convencionalizações de uso e posse de produtos nas práticas do cotidiano. Partimos da sua organização figurativa, plástica e simbólica, em diferentes visibilidades corpóreas destacadas conforme a evolução das estratégias de consumo da marca. Analisamos como a gatinha traz em si um discurso afetivo, partindo da configuração desses objetos no discurso Sanrio consoante aos percursos compreendidos como próprios da consumidora: das tarefas de ordem doméstica, do preparo das refeições à decoração da casa; do seu uso como acessório de adorno nas relações sociais, por fim, da medida em que possa configurar uma prática da rotina do sujeito em questão.

Além do ponto de vista da Sanrio, do discurso institucional que permeia a gatinha Hello Kitty e seus produtos, analisamos também as articulações enunciativas da própria consumidora, conforme a veiculação de imagens de si no uso e posse dos objetos. Em específico, de forma a compreender como ela interage e sanciona o universo da marca conforme a narrativa de troca afetiva pelo “presentear”, optamos por recortar seus modos de visibilidade na esfera digital, articulações que buscam destacar a visibilidade de consumo da marca e estabelecer relações de sociabilidade com outros consumidores. Nesse caso, reforça-se a imagem institucional da Sanrio, porém partindo das volições dos sujeitos já patemizados pelo seu discurso. Analisaremos ainda como se configuram esses diferentes modos de presença e de visibilidade na apresentação das próprias consumidoras e dos produtos, em interações promovidas, em específico no espaço digital, porém que articulam imagens de espacialidades do contexto privado e público, da intimidade do lar à programação visual das lojas. Tal escolha afirma-se na vasta competência do espaço web

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DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Esta dissertação tem como foco de análise a depreensão das estratégias da Sanrio, que promovem o convencimento a uma determinada experiência de consumo partindo de uma axiologia mediada no simulacro de trocas afetivas da gatinha Hello Kitty. Para tal finalidade tomaremos como escopo teórico e metodológico a semiótica discursiva, nos fundamentos teóricos postulados por Algirdas Julien Greimas, assim como seus desdobramentos nas análises fundadas por Jean-Marie Floch e Ana Claudia de Oliveira no campo da semiótica plástica e por Eric Landowski na compreensão do sentido nas relações promovidas no cenário social. Ainda, em específico, fundamentaremos nossas análises seguindo os estudos do universo da marca trabalhados por Andrea Semprini assim como, nos rituais fundamentados pelo consumo, podem se articular relações intersubjetivas de cunho simbólico pela mediação do objeto, conforme esboça Marcel Mauss em seu Ensaio sobre a Dádiva (2008). Assim, faz-se necessária uma breve referencialização da teoria e de sua sistematização. A semiótica discursiva, ou também chamada semiótica francesa ou greimasiana, surge enquanto teoria da significação partindo de conceitos desenvolvidos na estrutura da linguística, da antropologia, da fenomenologia. Algirdas Julien Greimas, a partir das elaborações teóricas dos linguistas Ferdinand Saussure, Louis Hjelmslev e Roman Jakobson, elaborou formas de depreensão das significações além da estrutura linguística, considerando que o sentido está implicado em todo e qualquer enunciado, ou seja, na organização discursiva de uma obra literária, no anúncio da nova marca automotiva ou mesmo na forma como nós, indivíduos, nos apresentamos uns aos outros, enquanto “imagem construída”.

Greimas postula que toda e qualquer manifestação discursiva é produzida por traduções em linguagens articuladas de elementos resgatados do mundo natural e cultural no qual estamos inseridos. Dessa forma, para a depreensão do sentido, a análise volta-se para esses modos de figurativização que, de acordo com os temas, são enunciados discursivamente. Tomando como objeto de análise as narrativas literárias, em vista dos percursos já desenvolvidos por Vladimir Propp6, no conto maravilhoso, o autor lituano desenvolverá uma sistemática de depreensão do sentido com rigor científico conhecida como “percurso gerativo do sentido”. Esse percurso se organiza em três diferentes níveis que se pressupõem: o nível fundamental, ou dos valores profundos, basilares na construção do sentido; o nível narrativo, da organização e circulação das unidades semânticas em percursos permeados por performances de aquisição e repasse de valores;

6 José Luiz Fiorin traz em Sendas e veredas da semiótica narrativa e discursiva um breve, porém, didático histórico da

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e o nível discursivo, em que a estrutura narrativa será revestida de temas e figuras apreendidas enquanto manifestação de sentido. Greimas nos traz na análise dos três níveis a complexidade das categorias que se articulam de forma a apresentar como se dá a construção do sentido.

O semioticista lituano indica, assim, que a “economia geral da teoria semiótica” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 232) se organiza em uma sistemática de componentes responsáveis pela produção de todo e qualquer sentido. Partindo da virtualidade das unidades de valor, à concretude da superfície discursiva, esses componentes organizam-se em uma estrutura narrativa embasada nos tipos de relação entre actantes. Eles são “os seres ou as coisas que, a um título qualquer e de um modo qualquer, ainda a título de meros figurantes e da maneira mais passiva possível, participam do processo” (apud L. TESNIÉRE: GREIMAS, 2008, p. 21), ou seja, são os componentes sintáticos da narrativa, despidos de investimentos semânticos ou figurativos, colocados em relações de interação, seja ao realizar ou ao sofrer uma ação. Essa circulação de valores ganham narratividade por diferentes programas de interação entre sujeitos movidos por competências cognitivas e pragmáticas, ou melhor, modalizações motivadas por ações do tipo “fazer fazer” e “fazer ser” na busca da conjunção com os valores em jogo. Partindo de seu extenso trabalho teórico em torno do nível narrativo, o autor propõe que toda relação significante parte do princípio da busca de competências para a aquisição de valores. Essa busca é permeada nas relações entre sujeitos, “princípios ativos suscetíveis não apenas de possuir qualidades, mas igualmente de efetuar atos” (GREIMAS, 2008, p. 487), ou seja, unidades sintáticas movidas por estados de “ser” e por ações. Essas intersubjetividades, implicadas no discurso, abarcam estratégias de convencimento e de manipulação, em vista da circulação de valores que permeiam essas relações.

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Salientamos, porém, que não apenas nos interessa as especificidades das narrativas de manipulação e dos modos de convencimento ao consumo. É necessário, em continuidade à sistemática greimasiana, aprofundarmos as análises partindo também de um enfoque que articula a construção simbólica e semissimbólica da marca conforme a circulação de valores que plasmam o cenário sociocultural contemporâneo. Assim, homologam-se, em um sentido de bricolage, as diferentes categorias dos planos da expressão e do conteúdo, rearranjadas conforme a circulação de valores e de estéticas que permeiam a cultura oriental e ocidental, dos modos de ser feminino, de um sentido que abarca, em nível global, o consumo massivo. Tais categorias são articuladas de forma a gerar reconhecimento e significação por meio do arranjo de diferentes linguagens: verbal, visual, matérica, assim como outras, de modo a englobar uma discursividade que capte de corpo e alma esse sujeito consumidor global. Jean-Marie Floch e Ana Claudia de Oliveira vêm, desse modo, adicionar à semiótica discursiva à análise das visualidades na complexidade da sua organização plástica e figurativa.

Os autores nos auxiliam não apenas na leitura das imagens construídas em torno da publicidade, do design, e das estratégias de criação do desejo. Eles iluminam as análises indicando como esse discurso irá validar o próprio social contemporâneo, ao resgatar elementos incrustados em nossa cultura e revalidá-los em novas visibilidades e significações, modelando e remodelando as significações propostas na superficialidade das práticas de consumo. Para tanto, trabalhamos nessa esfera de análise dois autores alinhados em específico ao universo da marca e da mediação intersubjetiva pelo consumo. Andrea Semprini traz na Marca Pós-moderna (2006) sua visão, com respaldo semiótico, das especificidades significantes do fenômeno de marca enquanto veículo mediático. Ele aborda seus modos de presença e narratividade no estabelecimento de uma dinâmica de circulação de valores ritmada pela experiência do próprio consumidor. Ainda, no entendimento das relações mediadas pelo consumo, tomamos como referência que alinhava todo o escopo do trabalho os ensaios do antropólogo Marcel Mauss, em seu Ensaio sobre a Dádiva (2008), que articula, modeliza as relações ditas “tribais” pelo ritual que permeia o simbólico do amuleto, o Potlach

responsável por garantir (e cobrar a responsabilidade) dos valores compartilhados pelos sujeitos.

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de simulacros da marca e dos próprios consumidores no contexto de interação intersubjetiva pelo consumo dos objetos. Conforme o respaldo téorico landowskiano, vislumbramos ainda na marca uma narratividade que abarca, além das estratégias de manipulação, outros tipos de regimes de interação, em específico o regime da programação e o regime do ajustamento. Nos moldes da programação, de ordem interobjetiva e dessemantizada, analisam-se performances modeladas consoante a determinados rols temáticos, manejados no próprio padrão enunciativo da marca como nas práticas convencionalizadas do consumidor no modus vivendi cotidiano. Do mesmo modo, esta narrativa ainda organiza-se na adequação, de ordem reativa, que atualiza os estatutos identitários da marca e do consumidor, de modo a sustentar, pela experiência entre sujeitos, a manutenção da axiologia da marca em jogo.

Tais articulações narrativas nos servem de modo a melhor vislumbrar o percurso de convencimento e manutenção significante do universo da marca. Ressalta-se ainda, partindo desses regimes de interação que promovem diferentes regimes de sentido, os desdobramentos da teoria no viés da análise da produção de sentido pela relação entre corpos e mesmo na “apreensão” do objeto, aprofundando nosso olhar, por fim, nas possibilidades significantes vislumbradas na relação entre consumidores pelo contato com o objeto e com a gatinha Hello Kitty. Desse modo, partindo desse eixo de análise, buscamos depreender como um todo a narratividade própria da marca, organizada em uma axiologia que é sustentada em caráter diacrônico, instaurando práticas de vida motivadas pelo consumo de afetos que “faz pertencer”.

DA ORGANIZAÇÃO DISSERTATIVA

(24)

Sanrio o papel de instaurar valores a seus produtos, assim como na elaboração de estratégias de interação com o consumidor, programando performances de compra para a manutenção das práticas de consumo instituídas. As análises fundam-se particularmente na produção do sentido que abarca a denominação verbo-visual “Sanrio”, assim como na visualidade do logo-assinatura e no arranjo enunciativo do slogan “Small gift, big smile”.

Na sequência, pareceu-nos conveniente reunir no terceiro capítulo as formas de manifestação da personagem Hello Kitty, sendo ela o próprio objeto do consumo na mediação do discurso da marca instaurado no produto. Articulamos os modos de presença da gatinha partindo de sua organização simbólica em caráter diacrônico, de sua reorganização discursiva em diferentes categorias que abarcam a heterogeneidade do público consumidor. De uma estética “Vintage” ao reconhecimento da marca na figura do laço, analisa-se como a felina mantém uma certa programação que a caracteriza e a torna reconhecível globalmente, além de superafirmar a axiologia da Sanrio nos pequenos objetos comercializados.

Por último, construída a cartografia da manifestação da Sanrio e sua mediação nos produtos Hello Kitty, no quarto capítulo depreenderemos como o discurso da marca reverbera-se além do moldes institucionalizados da multinacional, presentificado nas relações entre os consumidores que se dispõem a fazer visível a aquisição e utilização da marca em suas práticas de vida, vislumbrados no espaço geográfico das lojas, mas, principalmente, na conectibilidade do espaço digital, dos blogs, e das redes sociais. Assim como na análise do estatuto corporal da personagem, vislumbramos aqui corpos comovidos que buscam enunciar identidade e integração nas relações do “entre-si”, tanto no compartilhamento afetivo junto a outros consumidores como pela própria interação com a marca. Visualizamos aqui o fechamento ensimesmado do discurso da marca no próprio percurso das consumidoras, mesmo que, muitas vezes, esses corpos comovidos pelo consumo possam apresentar um modo de ser deveras estranho afetivo e bizarro mediado por esse universo.

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SANRIO

:

enunciação afetiva da marca

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo Quero apenas contar-te

a minha ternura Ah se em troca de tanta

felicidade que me dás Eu te pudesse repor

– Eu soubesse repor –

No coração despedaçado As mais puras alegrias

de tua infância!

(26)

1.1

| DA ENUNCIAÇÃO DAS MARCAS

Em nosso cotidiano, gostos e práticas de vida são promovidos nas rotineiras relações de consumo. Esse hábito do contemporâneo não responde apenas à monotonia da compra dos benefícios implícitos nos produtos enfileirados nas prateleiras. Produtos que por um ângulo modelam os hábitos da higiene pessoal e doméstica, da mobilidade da tecnologia e da comunicação, ou mesmo da alimentação enlatada. Por outro ângulo, programados em sua repetitiva utilização, dessemantizam-se enquanto produto nas práticas cotidianas, não satisfazendo mais o consumidor. Busca-se, desse modo, algo a mais na aquisição dos bens de consumo, a oferta de promessas outras, do plano imaterial, do imaginário individualizado, de narrativas estetizadas nas práticas de vida. Essas relações de significação são articuladas na construção de novas formas de interação entre o sujeito consumidor e os produtos, muitas vezes reguladoras de um status quo de inclusão e interação social. Elas são alimentadas em visibilidades que recobrem os próprios produtos, promovidas conforme o intento das respectivas empresas a estimular a prática, ou melhor, um gosto pelo consumo. Segundo o filósofo Lipovetsky, essas articulações que apontam a busca da (re)significação do cotidiano, mesmo que efêmera, são sintomáticas desse “novo tempo” em que vivemos, da pós-modernidade. Nele reina uma certa indiferença subjetivada, domina um sentimento de repetição e estagnação nas práticas de vida, ao mesmo tempo em que é desenhada a autonomia do sujeito sob si mesmo, além e aquém dos antigos parâmetros e papéis assinalados. Os modernos papéis sociais são aqui colocados em xeque em prol de uma subjetivação narcísica, do hedonismo, das motivações que transitam nas práticas de vida e no consumo, margeadas pelo conteúdo informacional dos media.

De forma a articular as significações que mantenham ou mesmo fundam um “querer consumir” por parte do consumidor, visando o poder de alcance global dos media, as empresas acabam por reger as visibilidades de seus produtos em conformidade com esse dinâmico cenário econômico, político e cultural da sociedade contemporânea. Forma-se assim ao redor do globo um incessante fluxo comunicacional: na propagação da world wide web pela posse pessoal de celulares, tablets

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e do rádio; no arranjo customizado das vitrinas e na disposição das prateleiras em shoppings, supermercados e lojas; nos modos de vestir-se e apresentar-se; nas relações mediatizadas de posse dos produtos que aqui integram novas significações às práticas de vida. Essa complexa gama de visibilidades, que abarcam formas de “ver” e “ser visto” não apenas dos produtos, mas também do próprio consumidor e de sua performance do consumo, marca-se como presença significante nas relações do cotidiano, apreendida e rearticulada em diferentes níveis de relação: do consumidor assíduo, que faz do ato de compra sua prática de vida, ao sujeito que ocasionalmente depara-se defronte ao produto almejado e, mesmo de forma passageira, constrói em mente narrativas de posse do mesmo. Em ambos os casos, de uma forma ou de outra, o consumo toma parte no rotineiro modus operandi da vida contemporânea. Essas articulações, das práticas do consumo e da sua visibilidade, nada mais fazem do que emoldurar uma das facetas da chamada sociedade pós-moderna.

Pinçamos, nesse contexto social excessivamente motivado pelas visibilidades dos media, das relações complexificadas do consumo e da individualização das narrativas sociais, um corpus

que ilustra significativamente essa organização do contemporâneo: o fenômeno do consumo das marcas. De início, é importante ressaltarmos que essas narrativas em nenhum momento sedimentam-se em uma dinâmica social irracional, do imaginário cliché do capitalismo unilateral, do consumismo que vai, impreterivelmente, programar o consumidor como a uma máquina prestes a executar sua função. As articulações de consumo partem de uma consciência coletiva, da organização da sociedade em si mesma, do papel e importância desse tipo de identidade mediática como ferramental a ser utilizado − tanto para benefício quanto para malefício − nas práticas econômicas, políticas e socioculturais da atualidade. A marca, em nosso entendimento, conforma-se aqui enquanto manifestação que é promovida além das relações concebidas como comerciais, sendo integrada ao discurso social que circula no espaço público e privado. Ela se organiza em relações firmadas primordialmente pela promessa que abrange o seu aspecto enunciativo, articulando-se em pequenas “escapatórias” inscritas durativamente no hábito cotidiano. Partimos assim desse cenário para analisarmos a acepção inicial do termo “marca”, destacando no Houaiss1 as seguintes definições:

• Desenho, inscrição, nome, número, selo, símbolo, carimbo que se coloca sobre um artigo para distingui-lo de outros, ou como indicação de propriedade, qualidade, unidade, origem;

• traço, sinal, impressão deixada por alguém ou algo;

1 Suprimimos algumas definições do termo em conformidade com a objetivação do sentido específico empregado na

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• impressão, efeito de uma causa qualquer sobre o espírito, sobre os sentimentos.

As três definições complementarizam-se: o conceito de marca apresenta, no sentido genérico do termo, indícios figurados predominantemente na linguagem visual. Ela denota uma composição unitária, sintética e ordenada, que, ao mesmo tempo, exprime uma certa visibilidade que a identifica. Essa visibilidade não competencializa o termo apenas na descrição de um certo “artigo”, como pontua o Houaiss. Ela é ancorada em uma narrativa temporalizada, na “impressão deixada” por alguém ou algo, no rastro, na duração de um determinado percurso. Observaremos essa mesma característica repetir-se na sua utilização enquanto jargão da publicidade, do

marketing e do design. Marca define, segundo Kotler e Armstrong, “um nome, termo, signo, símbolo ou design, ou uma combinação deles, com a função de identificar os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de empresas e diferenciá-los dos concorrentes” (KOTLER; ARMSTRONG, 1995, p. 513)2. Partimos aqui do princípio de que a marca é construída e particularizada de forma a dar visibilidade e presença identitária às empresas, em vista é claro, da manutenção de uma demanda de consumo e lucratividade na venda de produtos.

Para melhor justificarmos essa ideia, de presença identitária mantenedora de narrativas que promovem por visibilidades o consumo de valores propostos em produtos ou serviços, analisamos dois jargões de praxe no vocabulário de mercado, denominadores respectivamente da construção e manutenção da marca: o anglicanismo Brand, que traduz o termo propriamente dito, conforme já definido por Kotler e Armstrong e seu derivativo Branding, na gestão estratégica das suas variáveis e invariáveis. Branding é a ferramenta basilar trabalhada pelas empresas para o alavancamento do share of mind, o nível de reconhecimento e fidelização da marca pelo consumidor. Seu sentido basal é resultado da reconfiguração modo-temporal do radical “Brand”, ao ser adicionada a desinência “ing”, indicativa do gerúndio. Conforme o gramático Bechara, essa forma linguística caracteriza-se por desempenhar a função verbal, em paralelo ao seu valor nominal − no sentido da performance em contínuo movimento. Nesse breve entendimento do arranjo expressivo da língua, retomamos no gerúndio a dinâmica de marca salientada em sua primeira acepção, do movimento contínuo, da narratividade − partindo é claro, do traço, do sinal, da organização de um determinado sentido relacionado ao entorno em que é manifestada essa identidade.

Assim, ao analisarmos o sentido de marca, é importante ressaltarmos que a utilização do termo aqui trabalhado indicará, em primeira instância, sua abrangência como fenômeno mediático, de influência e visibilidade global, que exprime uma pluralidade de sentido visando não apenas seu discurso publicitário e comercial, mas consequentemente uma discursividade

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que afeta as relações no âmbito social. Em segunda instância, de forma específica, o termo está sempre vinculado à enunciação dos valores de uma determinada empresa, sua presentificação identitária, organizada em diferentes arranjos discursivos e textuais que promovem de modo personalizado − conforme as volições de determinado nicho de mercado − as possibilidades de significação pelo seu consumo. Em ambos os casos, a lógica de enunciação deste tipo de construto mediático se organiza na edificação de simulacros, ou seja, modelando, rearticulando e sintetizando unidades expressivas que são reconhecidas por meio da linguagem do mundo ao qual estamos convencionalizados. Essas operações de tradução do mundo são inseridas nas manifestações de marca com maestria, integradas enquanto sentido de realidade para o sujeito contemporâneo. Nas palavras de Semprini, tais simulacros nada mais são do que a “construção de sentido altamente organizado, no qual confluem elementos narrativos, fragmentos de imaginário, referências socioculturais, elementos arquétipos, e qualquer outro componente que possa contribuir para tornar este mundo significativo” (SEMPRINI, 2010, p. 21). Pressupõe-se assim que a construção e projeção desses simulacros que manifestam intencionalmente estados de coisas e de sujeitos, assim como a narrativa das suas transformações, vai ao encontro da inteligibilidade e sensibilidade daquele que está propenso a captá-la no decorrer das suas práticas de vida. Por assim dizer, se escolhermos consumir a cremosa Doriana ao café da manhã, em detrimento de outras margarinas, a decisão parte consequentemente do simulacro que a marca enuncia em sua manifestação, da alimentação saudável, do momento em família, do “um minuto a mais de prazer que pode mudar o seu dia”3.

Porém, se essa lógica busca construir significações implícitas nas práticas do cotidiano, em nenhum momento devemos lhe creditar um caráter unilateral e absoluto, na edificação do desejo pelo consumo. Ao mesmo tempo em que evidencia sua influência ao introjetar sentido no cotidiano, a marca aprisiona-se nessa mesma dinâmica. Para a afirmação e reconhecimento da sua identidade e visibilidade, ela depende dos elementos resgatados do entorno sociocultural, da organização econômica e política, das especificidades cotidianas que interagem e dão sentido à subjetividade do sujeito contemporâneo. Desse modo, organiza-se progressivamente a narratividade desse construto mediático, em uma “dialética permanente entre produção e recepção de sentido, entre valores universais e tendências de momento, entre enraizamento histórico ou local e projeção no futuro ou no espaço internacional” (SEMPRINI, 2010, p. 270). Em outros termos, ao plasmar simulacros identitários em consonância com a evolução do contexto sociocultural e do sujeito consumidor, a marca presta-se, nos ditames do Branding, ao encadeamento de diferentes atos

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discursivos responsáveis pela manutenção do seu imaginário, ou seja, da sua articulação sensível cadenciada conforme o status quo desse contexto em questão. De fato, ela busca manifestar-se de forma que manifestar-seja suficientemente pertinente enquanto manifestar-sentido ao manifestar-seu consumidor, em conformidade com os seus valores, suas necessidades subjetivadas, assim como seu projeto de vida. A marca capta o ar dos tempos, os sinais e as mensagens que circulam no espaço social e pelos quais não é autora. Remodelam-se esses elementos, combinando-os e organizando-os em simulacros possíveis reinjetados no espaço social, contribuindo assim, para alimentar as novas apreensões e um novo ciclo de trocas. Podemos dizer que é a sua capacidade específica de conceber e organizar narrativas que lhe permite criar imaginários particularmente atraentes e sedutores. Se a marca é influenciada por um enredo de sentidos já em trânsito nas práticas contemporâneas e, a partir de sua construção discursiva, passa ao papel de influenciadora por uma lógica do “fazer crer” pelos simulacros instituídos, questionamos: como ela se articula estruturalmente de forma a instaurar a volição da compra?

Tendo em vista essa dinâmica que promove a construção do sentido no e pelo cenário sociocultural, e sua capacidade de articular com maestria tal enredo, observemos que a marca se organiza basicamente em prol do convencimento à efetivação regular do seu consumo. Analisamos, dessa forma, sua competência comunicacional no enredamento das ações necessárias para se “fazer ser” vista e apreendida de forma efetiva, mantendo-se assim, continuamente, parte integrante das práticas de vida do consumidor. Sedimentando como aporte teórico a semiótica discursiva e seus desdobramentos na semiótica plástica e sociossemiótica, depreenderemos e sistematizaremos as invariabilidades dessa competência de comunicação da marca. Nesse sentido, busca-se inferir, por meio do encadeamento dos diferentes atos que plasmam seu discurso, articulados em uma sintagmática de valores resgatados do próprio contexto social, as possibilidades de (re)organização de novas dinâmicas sociais, norteadas aqui pela prática de consumo. Nesse ponto, consideramos essa competência comunicacional, de sua potencialidade em dar vida e dinâmica ao discurso empregado, advinda da própria “natureza semiótica da marca”, conforme definição de Semprini:

Pela “natureza semiótica da marca” entendemos a capacidade desta última para construir e veicular significados. As marcas podem se organizar em narrativas explícitas fortemente estruturadas e organizadas, como no caso da comunicação comercial e na publicidade, mas elas podem, igualmente, ser veiculadas por um grande número de outras manifestações de marca, que funcionam então como tantos outros atos discursivos, mesmo não seguindo o caminho da comunicação publicitária tradicional. É exatamente nesses atos discursivos que reside a verdadeira natureza da marca, aquela que se constitui lenta e progressivamente ao longo do tempo, por uma acumulação coerente e pertinente de escolha e de ações.4

(SEMPRINI, 2010, p. 98)

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Retomamos novamente a figura dinâmica do rastro, do sinal indelével. Semprini reafirma as qualidades inerentes à acepção inicial emprestada do dicionário Houaiss, pelo modo de construção da significação da marca, ou seja, por sua “natureza semiótica”. Ela não se presta à visibilidade estagnada em um determinado tempo e espaço, como uma obra de arte, um filme, ou mesmo as crônicas de um bom autor. É a partir de seus atos discursivos, da articulação dos seus enunciados, das narrativas organizadas no decorrer do tempo cotidiano, que emerge uma visibilidade marcada lentamente na vivência do sujeito consumidor. Partimos das palavras do autor, da “capacidade de construir e vincular significados”, nas suas formas de manifestação e prolongamento nas dinâmicas do consumo e consequentemente das práticas sociais contemporâneas.

Para melhor compreendermos as filigranas dessa particular enunciação, devemos nos direcionar às unidades que compõem seu discurso, ou seja, a reunião dos dois polos constituintes da significação: o “significante” e o “significado”, ou na terminologia hjelmsleviana, o “plano da expressão” e o “plano do conteúdo”. Preferimos utilizar como referência os termos postulados por Hjelmslev em detrimento ao “signo” saussuriano. Nossa escolha tem como base as postulações do autor movidas pelos jogos de conformação entre duas grandezas compactas, o significante, da expressividade; e o significado, do arranjo de valores nele investidos. Hjelmslev irá traduzir o arranjo discursivo pela pressuposição entre planos articulados da expressão e do conteúdo, ambos formados por “categorias” que se vinculam de forma complexa para a construção do sentido. As formas de articulação entre esses planos instauram o próprio ato discursivo, enunciação ou, como muito temos empregado, a manifestação da marca, a colocação em discurso dos seus arranjos de valores reunidos em relação de reciprocidade aos traços que fazem reconhecer esses valores, temáticos, plásticos e figurativos. Em outras palavras, este tipo de construto mediático é vislumbrado pelo consumidor em seu papel comunicativo, pressupondo conceitos, ideias, valores à sua reprodução visual.

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figurativos e plásticos do plano expressivo. Imprime-se assim sua unicidade por suas pertinentes escolhas, atualizadas de forma linear e temporal no contexto mercadológico. Porém, como são definidas as articulações ideais para o efetivo consumo? Como, a partir desse contexto, construir o desejo pela marca e principalmente, elevá-la à prática do gosto pelo consumo? Se ela constitui-se em uma determinada visibilidade, e essa visibilidade a instala enquanto “presença”, tal percepção apenas pode se dar partindo de uma ausência, de uma falta. Ora, não é apenas quando nos falta algo que temos a real certeza de sua necessidade? Tomemos então, como exemplo, a própria relação entre os termos fundamentais presença vs ausência. Veremos que essa oposição não nos remete apenas às necessidades basais da sobrevivência humana, mas também configuram uma ordem subjetivada dos gostos e modos individuais ou coletivizados, na busca de suprir um déficit

instaurado na vida cotidiana. É na percepção das necessidades subjetivadas do consumidor que as marcas instauram, intencionalmente, arranjos discursivos que promovam o seu consumo. Para melhor ilustrarmos tais jogos manipulativos, tomemos como exemplo a análise comparativa de Jean-Marie Floch nos idos anos 1990, das duas identidades expoentes da tecnologia: IBM e Apple.

Fig. 3. A listrada contraposição enunciativa entre os logos IBM e Apple.

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jogo. Surge, desse modo, um novo discurso na intertextualidade das listras, enunciação de um outro tipo de acesso à tecnologia primordialmente lançada pela IBM.5 Se a IBM inicialmente implicaria retidão, objetividade, certeza − sua organização plástica em comparação à presença libertária e descontraída da Apple acaba por tornar-se caráter restritivo: as barras monocromáticas restringem a “performance” do consumidor. A Apple utilizou desse mote, da oposição entre “restrição vs libertação” para reafirmar sua presença não apenas na visibilidade da marca, mas também em suas campanhas de veiculação publicitária.

Esses complexos estratagemas de articulação dos planos discursivos observados na relação competitiva entre as marcas Apple e IBM são de ordem semissimbólica. Entendemos aqui, por semissimbolismo os “sistemas significantes que não se caracterizam pela conformidade entre os planos da expressão e do conteúdo, mas pela correlação entre suas categorias” (GREIMAS; CORTES, 1991, p. 227-228), ou seja, não necessariamente as figuratividades instauradas no plano expressivo homologam strictu sensu as mesmas unidades semânticas implantadas no plano do conteúdo. O discurso semissimbólico “parece assim corresponder à construção de uma linguagem segunda, nos desvios de certos rasgos significantes, tendo como finalidade renovar e conformar certos significados” (GREIMAS; CORTES, 1991, p. 230). Trabalhando a partir da relação entre Apple vs IBM, vimos que o semissimbolismo corresponde, assim, ao processo de operação do discurso da marca visando, pela sensibilidade do consumidor, construir uma nova e ressemantizada significação. Nessa lógica, o caráter semissimbólico caracteriza-se estritamente pela rearticulação de universos simbólicos já convencionalizados e consequentemente de fácil interpretação pelo consumidor. Citamos como exemplo o próprio logo da Apple, projetado na imagem da maçã mordida. Ora, não seria a fruta representativa do simbólico judaico-cristão, rapidamente decodificado na imagem libertina da sedução do homem pela serpente? É claro que tal imaginário articulado pela Apple não busca promover a visão negativista do livro Gênesis, ou mesmo arrebanhar seguidores ao culto religioso. Mantém-se aqui os valores decodificados como o acesso a um outro patamar de esclarecimento, no reconhecimento de si enquanto sujeito que figurativamente é tentado à liberdade de uso de outra tecnologia, além dos cerrados portões dourados do Criador, ou seja, da IBM.

Entretanto, desde já é importante não restringirmos a acepção de simbólico a apenas um imaginário já totalmente enraizado na cultura popular, sem a possibilidade de articulação de novos universos de valores. Conforme as contribuições teóricas de Hjelmslev, o conceito de simbólico pode ser classificado como grandeza “que comporta senão um plano de linguagem,

5 Para maior aprofundamento à análise consultar FLOCH, Jean-Marie. IBM and Apple’s logo-centrism. In: Visual Identities.

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ou cujos dois planos estariam ligados por uma relação de conformidade” (GREIMAS; CORTES, 1991, p. 318). Esse conceito analisado pelo linguista indica a articulação de um arranjo de valores em vista de um referente visual estabelecido, fundando conforme convenção sociocultural uma ou mais interpretações restritas a sentidos já determinados. Em outros termos, a organização discursiva das marcas homologa-se pelo plano semissimbólico, mas resulta de um imaginário de teor predominantemente simbólico, que rearticula universos semânticos fechados, remodelados de forma a melhor embasar a unicidade de seu sentido.

Assim, entendemos que as correlações entre os planos do conteúdo e da expressão servem à marca partindo justamente da competência cognitiva do consumidor − de ordem sensível e inteligível − para a apreensão e reapreensão dos elementos significantes que margeam o decorrer das práticas cotidianas. Considerando que o discurso das marcas é construído no resgate dos valores da vivência e consequentemente do universo simbólico, implicado no entorno sociocultural dos sujeitos, destacamos que esse jogo manipulatório objetiva aqui, pela própria dinâmica da vida contemporânea, modelar o sujeito consumidor nas próprias regras do jogo. Se for o fato que a construção das marcas parte da articulação desses elementos significantes do nosso cotidiano e atualiza-se conforme novas tendências, mudanças de hábito e costumes do público, ela depende dessas reverberações de forma a canalizar os valores correspondentes à manutenção do seu imaginário.

Para melhor esclarecermos a sistemática de articulação desses valores, na organização das unidades da expressão e do conteúdo, na semiose semissimbólica em prol do imaginário simbólico, pinçamos aqui dois conceitos que contribuem para o entendimento do resgate desses universos complexos do contexto sociocultural e em sua reutilização enquanto produção de um novo sentido. O conceito bricolage é conhecido na teoria semiótica por expressar o modo de organização de diferentes discursos em um novo e ressemantizado discurso. Já bricoleur, é o conceito que indica o papel daquele que coletará e organizará tais arranjos discursivos. Segundo o dicionário Le Robert, Bricolage é “a ação,

geralmente de instalar, organizar algo com engenhosidade. Trabalho cuja técnica é improvisada com

materiais adaptados às circunstâncias”6. Seu sentido primeiro advém de “fazer com as próprias mãos”,

utilizando-se de uma gama diversa de elementos, independente de sua origem ou finalidade, na criação

de um novo objeto, com novo papel, utilidade e sentido. Tais conceitos são largamente empregados por

Jean-Marie Floch7 em suas análises das visualidades das marcas:

6 Disponível em: <http://lerobert.demarque.com/en/us/dictionnaire-francais-en-ligne/petit-robert>. Acesso: março de 2012.

7 Utiliza-se o conceito de Bricolage a partir das análises semióticas de Floch, partindo do sentido empregado por

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O produto do trabalho do bricoleur pode ser considerado como uma estrutura, como um objeto de significado com o seu próprio fechamento e seu próprio sistema. (...) Ao organizar e reorganizar os materiais e as imagens fornecidas pelos signos que ele ou ela coleta, o bricoleur produz sentido pela sua super-segmentação e estabelece paradigmas encontrados na semiose semi-simbólica. Isto significa que o bricoleur

faz “novo do velho”, jogando com as harmonias formais e desarmonias sugeridas pelos efeitos sensíveis dos signos coletados. Bricolage, portanto, pressupõe que devemos prestar atenção ao mundo sensorial, um mundo já dado pela história e pela cultura (FLOCH, 2000, p. 5).8

No contexto de nossa análise, nas dinâmicas de enunciação das marcas, entendemos por

bricolage a coleta de diversos elementos significantes das práticas de vida − do mundo natural

e cultural − e a sua reorganização, enquanto um único e novo objeto de sentido, firmando novas

realidades discursivas. Cabe ao enunciador, aquele responsável por organizar sua comunicação

e comunicabilidade, o papel de bricoleur, em performances introjetadas no consumo: ele é

sujeito dotado da capacidade de organizar e comunicar novos sentidos, plasmados a partir de

sentidos outros já existentes e reconhecidos nas práticas cotidianas do consumidor.

Podemos assim inferir que a marca, em sua presença e visibilidade, manejadas em

diferentes textualidades − da síntese do logo ao desenvolvimento de produtos, da espacialidade

das lojas à interatividade da world wide web instaura-se particularmente em figuratividades

investidas de manifestações outras, da vivência cotidiana, da experiência enlatada, já decodificada

e ressemantizada. As estratégias enunciativas para a presentificação de seu discurso trazem ao

modus vivendi contemporâneo performances além do ato da compra: surgem hábitos e gostos, de

certo modo estereotipados, abastecidos pelas relações de consumo. Como abordaremos a seguir, tais

operacionalizações no universo das marcas correspondem sobremaneira à mercantilista indústria

do entretenimento, velha conhecida por sua habilidade na criação e lançamento de manifestações

identitárias de cunho global e de reprodução imagética viral. Reciclando modismos, reorganizando

o espaço privado, promovendo relações de sociabilidade. Aprofundaremos nossa investigação no

desmembramento dos elementos discursivos do corpus de análise desta dissertação, a marca

Sanrio, como ela integra universos e define suas ações estratégicas, de forma a promover-se e

sedimentar-se como um dos “pequenos mitos” do consumo contemporâneo.

(36)

1.2

| A EMPRESA SANRIO: PRESENÇA

DA MARCA DO ORIENTE AO OCIDENTE

Partimos da lógica da construção das marcas para compreendermos como elas podem organizar as práticas do consumo integradas ao modus vivendi contemporâneo. É necessário, porém, focarmos nossa análise em um recorte textual específico, depreendendo e exemplificando como este tipo de discurso organiza-se dinamicamente e como pode afetar a rítmica social ao corporeificar simulacros que comunicam o universo em que ela se propõe a vender. Para tanto, tomamos como

corpus um tipo de marca que, além de integrar a experiência desta pesquisadora, traz em seu bojo as relações standart do consumo contemporâneo: a multinacional japonesa Sanrio. Referimo-nos aqui, especificamente, à sua depreensão nesta dissertação, em conformidade com alguns fatores que a posicionam entre uma das maiores representatividades mediáticas da atualidade:

• Primeiramente, a multinacional Sanrio abrange relações comerciais em caráter globalizado, tanto no polo oriental como ocidental do globo, ou seja, desenvolve suas articulações discursivas em vista de um segmento de público inicialmente considerado heterogêneo e diversificado.

• A marca Sanrio é usualmente conhecida pela criação, comercialização e publicização de personagens, a maioria animais de caráter humanizado, que estampam diversificadas linhas de produtos, tendo como carro-chefe da empresa a personagem felina Hello Kitty.

• A estética das personagens e produtos Sanrio é sazonalmente atualizada conforme os trends mercadológicos sem perder sua essência, porém motivando a dinâmica de aquisição de novos produtos.

• Por último, porém não menos importante, a Sanrio é margeada por consumidores considerados “fãs”, indivíduos que nutrem uma certa admiração e desejo pelas personagens e seus respectivos produtos, destacando novamente a gatinha Hello Kitty.

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produtos. Dessa forma, iniciamos nossa análise da marca Sanrio partindo das palavras do fundador e CEO9 da empresa, Shintaro Tsuji: “o fio que conduz a imensa variedade dos nossos negócios parte da ideia de ofertar “do coração” e “pelo coração”. (…) Esta é a razão do nosso trabalho, que nos orgulha em muito”.10

Fig. 4. Shintaro Tsuji e a personagem Hello Kitty.

A Sanrio busca, em todas suas presentificações, na voz de Tsuji ou no cerne de suas personagens, instaurar um efeito “rosado” às práticas rotineiras da vida, firmadas aqui pelo consumo de produtos atualizados sazonalmente nas prateleiras. Esse imaginário patêmico promovido pela empresa nos interessa de modo a justificar a construção de um império que capitalizou no ano de 2011 um montante em torno de 121 milhões de doláres11. Seu patrimônio engloba hoje em dia mais de 100 propriedades intelectuais, as personagens que estampam mais de 12.000 produtos com veiculação em diversificados segmentos manufatureiros e de prestação de serviço: da reconhecida linha de papelaria à produção de utilitários domésticos, da joalheria aos cosméticos, dos cuidados da maternidade ao serviço de bordo. A empresa ainda mantém mais de 3.000 lojas exclusivas e sede administrativa com ações de distribuição, licenciamento de personagens e desenvolvimento de produtos nos Estados Unidos, América Latina, Europa e nas grandes potências orientais Taiwan, Hong Kong, China e Coreia, sem contarmos a experienciação in loco da marca em dois parques temáticos no território japonês. A Sanrio também é reconhecida pelas suas coparcerias

9 Nomenclatura empregada para o mais elevado cargo administrativo na hierarquia empresarial: chief executive officer.

10 Texto extraído da mensagem institucional de Shintaro Tsuji. Disponível em:

<http://www.sanrio.co.jp/english/corpo-rate/about_s/social.html>. Acesso em: 26 maio de 2012.

11 Dados coletados do fechamento do ano fiscal de 2011 no site institucional da empresa. Disponível em: <http://www.

(38)

internacionais em diversificadas áreas de atuação: na arte, na moda, na indústria do entretenimento e mesmo na política, estabelecendo uma visibilidade institucional que contorna o globo, caminhando do espaço do consumo, ao estrato social e principalmente à sociabilidade.

Para melhor compreendermos como a empresa constrói sua discursividade rósea, de forma a melhor convencer e fidelizar o sujeito ao consumo, introduzimos, em caráter contextual, seu surgimento. A Sanrio nasce em meados da década de 1960, dos investimentos do próprio Shintaro Tsuji, businessman disposto a comercializar pequenos produtos estampados com personagens de fácil reconhecimento do público japonês e, de forma visionária, que pudesse ser exportado para o consumo norte-americano. Desde suas primeiras intervenções no campo comercial, a Sanrio direcionou suas atividades em prol de um vasto intercâmbio cultural e econômico com o Ocidente. Observamos que essa característica está onipresente em todas as ações da empresa, na criação de personagens com traços e trejeitos ocidentalizados, na inserção de anglicanismos e na utilização do alfabeto latino na comunicação da marca, assim como em suas suas articulações de exportação direcionadas à nação norte-americana. Retomando o conceito de bricolage, veremos que a empresa funda seu discurso partindo da forte influência simbólica ocidental no Japão, logo após o longo período de reconstrução da derrotada nação na Segunda Grande Guerra. Motivados pelas fábulas animadas Disney, o Japão torna-se aos poucos a grande indústria mundial de personagens. Ozamu Tezuka exportou o universo robótico de Astro Boy; Hayao Miyazaki trouxe um novo viés à indústria da animação com suas realidades oníricas e tecnocientíficas; o super-herói ganha nova roupagem nas performances de Ultraman. Ainda, à esteira de Barbie, surgem personagens ressaltando arquétipos femininos, em um contraditório culto da fragilidade, da sexualidade e do consumo acessório. Esses simulacros fantásticos vão ao encontro dos anseios de reconstrução da nação japonesa, seguindo os moldes econômicos ocidentais e edificando uma nova imagem de si. Destaca-se aqui um Japão desmilitarizado que institui um novo “código de conduta”, não mais fundado no imaginário transcendental do Império. A nação reconstrói-se enquanto presença global partindo da própria imposição cultural estrangeira, rearticulada e ironicamente exportada em uma nova e paradoxal roupagem às suas origens. O Japão se firma assim como superpotência e influência cultural de ordem massiva e popular ao utilizar com maestria as articulações e visibilidades dos media, com ênfase na infindável gama de personagens e seus desdobramentos comerciais. Nas palavras do controverso artista “Superflat”, Takashi Murakami, “Nós não temos qualquer religião. Nós só precisamos do grande poder de entretenimento”.12

A Sanrio participa ativamente desse prolífero cenário, integrando um culturalismo complexo, heterogêneo, que carrega em seu cerne a estética e dinâmica ocidental, porém embasada por traços distintivos do Japão. É importante salientarmos que essa lógica da marca apropriada da

Imagem

Fig. 1. O universo de licenciamento traz para as práticas do cotidiano o consumo de personagens
Fig. 2. Coleção de produtos Sanrio estampados com a gatinha Hello Kitty.
Fig. 5. algumas das principais personagens Sanrio – nomes e datas de criação, da esquerda para a direita, de cima  para baixo: Pippo - 1993 (porco), Marron Cream -1985 (coelha), Nyago - 2000 (gato amarelo), Little Twin Stars –  Lala e Kiki - 1975 (menina e
Fig. 6. A cultura Kawaii nas personagens Sanrio: mediatização e consumo global
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