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O enunciado afetivo no discurso da marca

No documento MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES (páginas 42-55)

Procuramos compreender a lógica das marcas partindo das articulações da Sanrio, em parte no resgate dos elementos imbricados na cultura e no estrato social contemporâneo, promotores de seu rápido reconhecimento por parte dos sujeitos consumidores. Porém, visamos também a entender como esses elementos são rearticulados pela percepção das ansiedades do consumidor, das nuances que podem afetar ou manter humores, e consequentemente que motivam a decisão de compra. Determinamos aqui uma narratividade que transita entre o espaço legitimado do consumo, da aquisição dos produtos, ao espaço social, das relações intersubjetivas, promovidas entre marca e o próprio segmento consumidor.

Reforcemos a importância do estudo da competência narrativa da marca pela sucessão linear das diferentes ações encadeadas, que promovem a circulação de valores e consequentemente, articulam os estados e os próprios atos dos sujeitos envolvidos. Nos termos de Diana Luz de Barros, a narrativa “deve ser pensada como um espetáculo que simula o fazer do homem que transforma o mundo” (BARROS, 2005, p. 20). Se a Sanrio edifica seu “fazer” à luz das dinâmicas do consumo e do cenário social contemporâneo – mediatizadora de um Japão repaginado em moldes ocidentalizados – devemos considerar de que modo ela se propõe a “transformar” um

certo segmento social, majoritariamente feminino, pela compra. Para compreendermos melhor como a marca Sanrio se articula é necessário nos aprofundarmos na metodologia semiótica, partindo da análise dos níveis que formam seu “percurso gerativo de sentido”. Destacamos em especial a estruturação de seu nível narrativo, no modo em que a marca manipula convencendo ao consumo. Faz-se assim necessário reconstituirmos o “fazer transformador” dela a partir das pistas deixadas em sua construção simbólica, na homologação entre os planos da expressão e do conteúdo. Antes de iniciarmos qualquer análise, salientemos que o sentido da Sanrio não se restringe em nenhum momento apenas à assinatura institucional. Sua construção, na sua totalidade, cabe a toda e qualquer manifestação discursiva que reitera os valores propostos pela empresa, partindo do seu logo, firmado no provocativo slogan e sociabilizada por meio das suas personagens. Esses três elementos irão marcar, conjuntamente, uma mesma entonação discursiva nas linhas de produtos, na programação visual das lojas, na publicização da marca, assim como nas suas reverberações no cenário digital – no discurso oficial da Sanrio e na informalidade das interações entre consumidores.

Desse modo, para construirmos uma linearidade na análise desse complexo imagético, trabalharemos inicialmente o logo institucional. Consideremos o elemento de análise:

Fig. 7. Logo Institucional Sanrio

Curiosamente, o nome Sanrio não se origina do idioma japonês. O termo nada mais é do que a conjunção de dois termos de origens linguísticas diferentes, em conformidade com a própria miscigenação cultural trabalhada pela marca. A romanização15 do kanji “san” expressa o algarismo

três; já o lexema “rio”, na etimologia das línguas latinas, significa afluente de água. Em termos gerais, a Sanrio parece ser traduzida como “Três Rios”. Alguns autores envolvidos com a descrição da multinacional nos sugerem uma visão mercantilista e colonizadora de seu fundador Shintaro Tsuji, ao homenagear os três rios fundantes de grandes civilizações: às margens do Tigre, Nilo e Huang He surgiram Babilônia, Egito e China. Por outro lado, na cultura popular oriental, o caudaloso afluente simboliza a ideia de transformação: o fluxo das águas indica a transição de um antigo estado a um novo, um renovado modo de ser. Em algumas fontes da própria corporação, inserida

15 O termo romanização refere-se ao processo da equivalência dos pictogramas orientais ao alfabeto latino, mantendo-se

no discurso do afeto e nos jogos lúdicos da marca, “san” categoriza-se na etimologia católico- anglicana, como algo puro, movido por ações benéficas ao próximo. Independente do sentido proposto é fato que a sua pronúncia é de fácil execução e de rápida memorização. Nesse sentido, nos interessa prioritariamente como é plasmado na marca um sentido de mundo culturalizado, das vivências sociais, que não se restringe ao linguajar oriental, mas abarca um discurso capaz de contornar o globo. Focamos, assim, nos valores articulados na plástica e figuratividade do logo Sanrio. Ao direcionarmos o olhar ao arranjo expressivo das formas, contrastes e espacialidades, testemunha-se um perfil identitário que irá marcar seu discurso institucional em todas suas reverberações. Buscamos, desse modo, depreender a axiologia desses valores que emergem presença e visibilidade à marca. Devemos ressaltar que neste primeiro exercício de análise nos interessa a figura do logo enquanto visibilidade em detrimento do seu caráter cromático. Isto se deve ao fato de observarmos que, independente da manutenção de uma certa visualidade, seus jogos cromáticos variam conforme o arranjo discursivo no qual está empregado.

Fig. 8. Diferentes cromatismos utilizados no logo Sanrio: enquanto os arranjos discursivos no Japão geralmente utilizam-se da cor azul, no ocidente predomina as variações de rosa.

É importante novamente ressaltarmos que a visibilidade da marca, mesmo independente do seu caráter cromático, constrói um sentido deveras “globalizado” no resgate de valores já convencionalizados no cenário sociocultural, organizados e ressemantizados conforme as pretensas necessidades materiais e objetivas do sujeito consumidor, retornando aqui enquanto influência cultural à própria fonte, em seu novo arranjo enunciativo. Tal dinâmica assinalada nada mais faz do que, em parte, dar sentido e configurar o próprio tônus social, em razão das suas relações de significação, das práticas sociais e de consumo. Deste modo, a Sanrio lapidou no decorrer dos anos de experiência comercial um imaginário associado ao contato humano, à relação de

proximidade com o consumidor, do “estar junto” com as suas personagens. De forma a plasmar tais vínculos afetivos, sintetiza em seu logo a figura da “assinatura”, do traço pessoal que atesta, pela grafia, uma identidade. Desenhado em tipos Script, tipografia digital que figurativiza a escrita caligráfica, o logo Sanrio é marcado por caracteres gestuais e arredondados, sutilmente inclinados à direita, com suaves variações de espessura nas suas extremidades. Ele emerge o caráter autoral da grafia à mão, da humanização da marca enquanto o próprio sujeito que assina (ou desenha, como veremos na configuração plástica de Hello Kitty) e se coloca em relação de corpo a corpo com o consumidor. Desse modo, a figura do logo instaura a Sanrio enquanto sujeito destinador competente na construção do imaginário da marca, dando vida a seus pequenos produtos na materialidade da assinatura e do traçado das personagens.

A figura da “assinatura”, mote de proximidade com o público consumidor, não é novidade aos semioticistas que tratam da visualidade. Jean-Marie Floch nos apresenta na análise do anúncio das canetas Waterman16, a materialidade nostálgica da carta escrita em punho. Ao abordar temas

imersos na nostalgia da infância e do companheirismo fraternal, o anúncio analisado por Floch plasma uma certa temporalidade significante, das etapas da vida experienciadas pelos atores do discurso, autenticadas na escrita da caneta Waterman. Ana Cláudia de Oliveira também trata da construção de simulacros identitários tipificados nas assinaturas em papel, porém, diferente da carta, temos aqui a expressão do jornal impresso17. Na editoração jornalística, a autora apreende

a manutenção de um status quo do universo das notícias que é personificado na voz impressa, destacada no cabeçalho da primeira página. Manifesta-se aqui uma identidade que é conservada e temporalizada nas veiculações semanais do jornal. Neste caso, Oliveira denota a visibilidade gráfica do “The New York Times”, figurativizada em tipos góticos exclusivos do designer Mattew Carter. A expressão editorial dessa assinatura, na primeira página, instala o perfil tradicional e conservador do jornal nova-iorquino, que interage com seu leitor. A Sanrio diferencia-se do perfil “The New York Times”, restrito à regularidade da veiculação do jornal, ou do anúncio Waterman, que relembra e reafirma os laços fraternos na foto amarelada pelo tempo. O logo Sanrio abarcará, em sua assinatura, uma discursividade outra, por um lado também identitária e nostálgica, mas que mitifica produtos, desenha personagens, autentica o espaço do consumo, afirma-se enquanto a própria presença humanizada em prol da construção de uma proximidade com o consumidor.

16 FLOCH, Jean Marie. Waterman and its doublés. In: Visual Identities. London and New York, Continuum, 2000. 17 OLIVEIRA, Ana Claudia de. A Dupla Expressão da Identidade do Jornal. In: Galáxia, nº 14. Dez. de 2007.

Para melhor compreendermos essa humanização vislumbrada no logo e seu pretenso posicionamento junto ao consumidor, devemos reconhecer que toda linguagem caligráfica nada mais é do que a expressão progressiva e temporalizada de uma vivência subjetivada. É por meio dela, muitas vezes, que vislumbramos as progressivas etapas de um “fazer” individual e subjetivo, da construção identitária de cada um, conforme suas próprias experiências no decorrer das narrativas vividas. Ela atesta o momento em que a criança firma o lápis para esboçar os primeiros caracteres pictóricos. Ela também manifesta as linhas invisíveis dos cadernos caligráficos, cuidadosamente grafados em circularidades estáticas. Emerge gênero, idade, subjetividade. Na sinuosidade das linhas do logo Sanrio, somos remetidos ao contexto ginasial, aos diários femininos, às folhas escritas e decoradas, à troca de confidências entre amigas. Nessa visibilidade de ordem nostálgica, da grafia que documenta amizades, segredos e principalmente a troca de experiências, retomam- se os valores de vivência, dos atos repetidos carregados de sentidos de hábito, que são cultivados pelo denominado universo feminino, na passagem do mundo lúdico ao adulto. A Sanrio resgata em sua assinatura o simulacro da jovem adolescente ocidental, impregnada das discursividades orientais, da cultura adocicada Kawaii. Observamos sua marcante influência caracterizada no estilo caligráfico Burikko, conhecido pela distorção da orgânica caligrafia oriental em busca de traços mais arredondados e graciosos. Esse estilo caligráfico caracteriza-se por ser decorado com pequenos simbolismos lúdicos, como corações, estrelas e faces, além da adesão de anglicanismos respectivos às interjeições de sociabilidade e afetividade, como a expressão “Love you”. Dessa forma, o logo Sanrio não afirmaria, assim, sua expressão, aos moldes Burikko?

Fig. 9. A caligrafia Burikko, arredondamento das formas e utilização do simbólico decorativo.

Ao retomarmos a figura do logo, no último caractere traçado surge o símbolo do coração, norte das atividades da empresa, conforme apregoado por Shintaro Tsuji. Mas o que manifesta o símbolo do coração? A quais sentidos somos remetidos diante da sua imagem? Além da figura do

estado patêmico, de ordem sentimental, que se instala no decorrer das experiências do homem, ele é, principalmente, valor de uso na mediação afetiva, símbolo da doação de sentimentos em relação a outros sujeitos. Em outros termos, se o coração nos dá uma visão simplista do que é amor em seu sentido abrangente, de fato ele indica algo mais além desse estado passional, ele é a própria ação pulsante de amar e de oferecer o sentimento ao próximo. Por outro lado, não seria a figura do coração a própria imagem do que chamamos “sentir-se vivo”? No compasso das batidas cardíacas atestamos euforicamente ainda “fazer parte”, de corpo e alma da rítmica da vida. Assim, vemos surgir uma axiologia de valores hermética, feminina e infantil, vinculada a uma narrativa movida pela comunicação de afeto, do contato com o outro, de um certo pertencimento por estar “em relação”, mas que também legitima um estado eufórico de “vivência”.

Neste ponto, é imprescindível validarmos esta axiologia além das figuras resgatadas no contexto cultural da marca, na própria plasticidade do logo. Salientemos que a sua estrutura gráfica pode ter sua topologia dividida em três elementos: (1) Na grafia do maiúsculo “S”, elemento independente do restante da assinatura; (2) na sequencialidade de “anri” e finalmente (3) na grafia do símbolo do coração, repousado no final do traçado. Observamos que a forma do “S”, desmembrada do logo, caracteriza uma presença inicial de isolamento, fechada em si mesmo no voleio curvilíneo da esferográfica a dar cor à materialidade do papel. A consoante plasma-se solitária, contínua, completando-se em si mesma, na forma do infinito. Podemos inferir que o desenho do “S” traduz em si um estado disfórico, carente da proximidade vislumbrada nos demais elementos que o completam. Sequencialmente, a caneta retoma o contato com o papel para dar continuidade ao seu traçado curvilíneo, porém aqui caracterizado por movimentos horizontalizados e ritmados, de modulações altas e baixas, de uma continuidade intermitente, interligada ao formato do coração. Conectado à resultante da rítmica caligráfica, o coração irá retomar em sua circunscrição a presença de um estado subjetivado, já observado na consoante “S”, porém modalizado em uma outra continuidade, da euforia patemizada, da sociabilização, do sentido da vida. Enfatizamos duas características do símbolo do coração que pontua o logo. Seu posicionamento é de ordem terminativa, enfatizando a manutenção de um novo estado subjetivado. Seu traçado hermético, inclinado levemente à direita, induz à axiologia afetiva encerrada na marca, mas também figurativiza o bombeamento ininterrupto, na capacidade de manutenção da vida promulgada pelo coração, do universo semântico promovido nos produtos Sanrio. Não seria necessário assim estabelecer uma programação de consumo de forma a manter-se sempre no estado de “vida” sugerido? Ainda, se pensarmos que a materialidade do traçado como um todo nos remete a um fluxo de escrita que contrasta a brancura do papel, por outro lado, retomamos a etimologia que funda a denominação da Sanrio: somos posicionados defronte da sinuosidade do rio, das curvas que nos trazem a nascente do curso das águas e seu término na foz. Se atestamos no discurso

da marca a sugestiva passagem de um estado de solidão disfórica ao estado eufórico da vida, do “estar junto”, por meio dos traços desenhados pela Sanrio, não seria o retorno ao antigo provérbio oriental, das águas que limpam e instauram o novo ser?

Assim, compreendendo que as unidades formantes do nome e do logo enunciam a manifestação basilar da marca na homologação dos planos discursivos, é possível esboçar o seguinte esquema:

Fig. 10: Articulações entre os planos discursivos que fundam a enunciação basilar da marca Sanrio – sincretismo entre as linguagens verbal (gráfica e sonora), visual e espacial.

Salientamos que, independente da estruturação esquemática (de forma a melhor exemplificar a construção do sentido no logo Sanrio, em vista da articulação da linguagem

PLANO DO CONTEÚDO

NOME

Globalidade da marca ao reunir os dois polos mundiais na utilização de “San”, termo oriental para “três” e “rio”, termo latino para “afluente de águas”. Influência mítica do rio na história e cultura oriental, da transformação, renovação e evolução no fluxo das águas.

ASSINATURA

Humanização, personalização e proximidade com a Sanrio enquanto “mão” do destinador que assina. Nostalgia da estética dos diários femininos (Kawaii + Burikko), da segurança das memórias da infância, da troca de confidência entre amigas.

Traduz um estado solitário, contido em si mesmo no simbólico do infinito ∞.

CORAÇÃO

Responsável pela doação de afetividades. Simbólico de um estado afetivo. Traduz o próprio estado de estar vivo, por sua pulsação.

Na proximidade e competência de Sanrio à comunicação afetiva: transformação do estado da solidão, do mundo adulto a um pertencimento de ordem lúdica, suvizada, segura.

ASSINATURA

Organicidade do traço caligráfico. Homogeneidade da espessura do traço e do monocromatismo. Angulações suavizadas e arredondadas. Contrastes ritmados, na ondulação da escrita. Posicionamento incoativo de “S”, isolado do restante do logo, porém desenhado virtualmente em uma circularidade fechada em formato de “8” .

PLANO DA EXPRESSÃO

NOME

Intercalação de termos de línguas diferentes, porém com pronúncia e sonoridade global - de fácil memorização e reprodução.

Grafia fundamentada no alfabeto latino, conforme sua utilização no cenário internacional.

Posicionamento incoativo e terminativo dos dois elementos fechados em si mesmos, porém com dinâmicas independentes: o solitário “S” e o símbolo do “coração”, interligados à rítmica de “anri”

CORAÇÃO

Posicionamento terminativo, no final do logo.

Traço contido em si mesmo. Rítmica pulsante em oposição à circularidade infinita do “S” e do movimento caligráfico de “anri”.

verbo-visual-espacial), os sistemas aqui articulados sintetizam um uníssono enunciado da marca, organizada de forma partitiva, carregando em si unidades (1) da ordem verbal – gráfica e sonora – da inteligibilidade e comunicabilidade voltada do oriente ao global, (2) do poder simbólico promulgado no visual e (3) da concatenação dessas ambas sistemáticas citadas na sua organização cinética e espacial, promotora das visibilidades dos simulacros de isolamento e de pertencimento em uma mesma tipologia linear. Denominamos a construção dessa “totalidade de sentido” de sincretismo, “processado pelo arranjo global de formantes de distintos sistemas, assim como de suas regras de distribuição e ordenação” (OLIVEIRA, 2009, p. 80). O sincretismo é marcado por operações de neutralização de modo a instaurar sua unívoca manifestação. Ora, é compreensível que as articulações da Sanrio, sujeito destinador responsável pela enunciação de determinados valores, busque articular os diferentes sistemas em uma apreensão sintética, homogênea, e de rápida inteligibilidade. Dessa forma não seria o papel das marcas contemporâneas firmar-se enquanto um fechado universo semântico de forma a melhor se “fazer ser” vista e desejável a um determinado segmento mercadológico? Assim, é necessário na sincretização dos sistemas das diferentes linguagens, neutralizar, suspender, rearticular as distinções entre os traços que dão tônus aos seus respectivos sistemas de forma que “coatuem em regimes de coexistência, copresença” (OLIVEIRA, 2009, p. 81). Nesse sentido, na reunião, justaposição e na devida sincretização das figuratividades e plasticidades do logo, pressupostos aos valores que abrangem as relações de afetividade, surge a presença identitária Sanrio. Na sua sonoridade e legibilidade, a marca afirma na própria discursividade da assinatura seu papel comunicacional.

Se primeiramente analisamos a manifestação da Sanrio em sua dinâmica discursiva, à esteira das visibilidades identitárias e de pertencimento, vislumbradas no logo, de forma a melhor compreendermos como ela articula seu discurso em vista do convencimento do sujeito consumidor é necessário pensarmos em sua dimensão narrativa. À esteira de Greimas, na depreensão do encadeamento das narrativas necessárias ao preparo da tradicional “Soup au Pistou”18, buscamos articular as ações trabalhadas pela marca, consoante à enunciação do “estar

junto”, do pertencimento sugerido. Sabemos que além do nível da sua manifestação organizam- se sintaticamente unidades outras, “mais abstratas e mais profundas, que comportam uma significação implícita e regem a produção e a leitura desse gênero do discurso” (GREIMAS, 2008, p. 328). Também é de conhecimento que a Sanrio edifica por meio dessa “sintaxe narrativa” relações de interação com o consumidor, articulando-se por regimes de visibilidade e modos de presentificação do seu arranjo de valores. Essas interações acabam sempre por implicar, no

18 Do esquema narrativo trabalhado pelo autor em La Soupe au Pistou ou la construction d’un objet de valeur. In: Du Sens

mínimo, a presença de dois protagonistas unidos por uma relação de pressuposição recíproca: “o que vê e o que é visto” (LANDOWSKI, 1992, p. 89). Partindo dessa instância, a marca Sanrio busca promover o convencimento à compra enquanto sujeito que constrói e promulga um certo imaginário a ser visto e reconhecido pelo consumidor, mas principalmente que acaba por ser consumido exatamente pelo status de visibilidade que seu consumo “faz ser”.

Sendo necessário avaliarmos como a Sanrio concretiza narrativamente a visibilidade que transforma e promove estados de ordem patemizada, é necessário primeiramente definirmos que toda e qualquer articulação na óptica do consumo parte de uma intencionalidade, própria da lógica da marca, em relação ao consumidor. Desse modo, instauram-se no mínimo dois sujeitos actantes, unidades sintáticas passíveis de executar e sofrer ações, assim como confrontá-las e rearticulá-las em um esquema que carrega em si suas respectivas volições e buscas subjetivas. Nesta interação entre actantes – que serão nomeados inicialmente sujeito Sanrio e sujeito consumidor – funda-se por um lado os estratagemas da manipulação, dos modos de melhor enunciar-se enquanto significação, e de outro lado, os modos de sua devida apreensão, tanto

No documento MARIA CECÍLIA PALMA MAGALHÃES (páginas 42-55)