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Causas de exclusão do nexo causal Distinção entre exclusão e não

Capítulo 3 – Estrutura da responsabilidade civil

3.4. Nexo de causalidade

3.4.3. Causas de exclusão do nexo causal Distinção entre exclusão e não

Como afirmado, a causalidade não surge da mera sucessão temporal de fatos, sendo fundamental a intervenção da razão para, a partir desses dados, formar as relações causais266.

Ao se pensar no Direito, há de ter-se em mira que se trata de realidade cultural, formada axiologicamente, como inequivocamente demonstrou Miguel Reale ao longo de sua obra filosófica267. É, então, submetendo os elementos (dados) a valorações

264 Entre nós pioneiramente adotada por Patrícia Faga Iglecias Lemos. Meio Ambiente e responsabilidade

civil do proprietário – análise do nexo causal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.

265 CORDEIRO, António Menezes, Tratado de direito civil português, v. II – Direito das Obrigações,

Tomo III – Gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, Coimbra, Almedina,

2010, p. 537 e seguintes.

266 Nesse sentido, vide também Lourival Vilanova, Causalidade e relação no direito, 4ª ed. revista,

atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, especialmente, p. 59 e seguintes.

267 Especialmente: Fundamentos do direito, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972; O Direito

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guiadas pelo vetor axiológico justiça, que o jurista construirá as relações jurídicas de causalidade268 – no caso desta dissertação –, a fim de determinar a quem cabe a responsabilidade pela causação de certo resultado valorado negativamente.

Quando no subitem 3.4.1 desta dissertação demonstrou-se a relação entre os planos ôntico e deôntico, afirmou-se que o Direito pode comportar-se de, pelo menos, três maneiras distintas em relação à causalidade natural, isto é, utilizando-a, ignorando-a ou, de certa maneira, criando-a, fornecendo-se como exemplo da segunda maneira a chamada culpa exclusiva da vítima.

Ora, no momento em que se passa a ter clareza da independência, ainda que relativa, do Direito em relação ao natural, as hipóteses de não formação e de exclusão do nexo causal impõem-se como evidência lógica.

Partindo-se da estrutura elementar da relação causal, tem-se que é formada do seguinte modo: como dado necessário, dois ou mais termos em sequência temporal; como construído, a seleção axiologicamente dirigida destes termos dentre os sem-número de outros possíveis. A partir dessa seleção, o que era mera relação entre anterior e posterior recebe a qualificação de relação de antecedente e consequente, isto é, de relação causal.

Com relação a não formação do nexo causal, verificar-se-á sempre que faltar a sequência temporal entre os termos ou, sempre que, sobre os termos, ainda que em sequência temporal, não incidir seleção axiologicamente dirigida a que se aludiu.

Assim, não se poderá falar em relação causal se: (i) o termo que se pretende consequente ocorreu antes do termo que se pretende antecedente; ou (ii) se a relação temporal de antecedente e subsequente é não valorada.

tridimensional do direito: preliminares históricas e sistemáticas, 3ª ed. revista e atualizada, São Paulo,

Saraiva, 1980.

268 Apenas para simples exemplo, pense-se nas relações parentais formadas pela socioafetividade:

excetuada a adoção, até bem pouco tempo atrás o Direito valorava apenas dados biológicos para fixação da parentalidade. Graças a alterações axiológicas, hoje, o Direito reconhece a possibilidade de formação de vínculos parentais sem fonte (dados) biológica, e sim com base na chamada afetividade. Note-se que esta alteração operou-se por meio de novo recorte na realidade, isto é, em vez de considerar (valorar) os dados biológicos, passou a considerar dados sociológicos.

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Com relação a (i), uma conduta posterior à causação de um dano, por motivos lógicos, jamais pode ser considerada sua causa.

Já com relação a (ii), exige-se análise mais detida porque a sequência temporal entre os eventos pode levar a erro. Imagine-se que em uma praça várias crianças, acompanhadas de seus pais, estão a brincar de pega-pega, quando, então, duas delas se chocam, e uma delas sofre um profundo corte na testa. Inequivocamente, o choque é antecedente temporal do dano, mas não há entre eles relação jurídica de causalidade e, portanto, não surge qualquer obrigação de indenizar. Não há relação jurídica de causalidade porque, para a hipótese imaginada, a conduta fisicamente causadora do dano é inidônea para ser causa jurídica do dever de indenizar por lhe faltar culpa, no caso, o fator de seleção axiológica dos termos.

As chamadas causas de exclusão do nexo causal pressupõem a ocorrência de ato ou fato que, ao se intrometer na sequência de um desdobramento causal, atrai para si a causação do resultado.

Percebe-se neste tema toda a força da experiência no Direito. Isso porque só se fala em causa de exclusão do nexo quando o desdobramento causal que, segundo as máximas de experiência, seria idôneo a ser considerado causa jurídica de evento lesivo é interrompido por ato ou fato que, então, passa a ser considerado o único causador do dano. Imagine-se a conduta do motorista de trafegar com seu veículo por via pública. Essa conduta é, segundo máximas de experiência, apta a ser causa jurídica da causação de dano decorrente de atropelamento. Agora se, após o desencadeamento da série causal, isto é, iniciada a conduta de conduzir o veículo, um terceiro empurrar alguém na frente do veículo, ter-se-á de considerar responsável pelo dano, não o motorista, e sim este terceiro.

Dessa forma, a partir do quod plerumque fit, os cientistas do Direito elegem os atos e fatos capazes de atrair a causação jurídica do evento lesivo e passam a qualificá- los de causas de exclusão do nexo causal. Deste labor científico, aproveitado pelos legisladores e julgadores, generalizaram-se como causas de exclusão do nexo causal o ato exclusivo da vítima ou de terceiro, o caso fortuito e a força maior.

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Justamente por serem produtos da racionalidade humana, e não imposições naturalísticas, é que estas causas de exclusão do nexo causal não são rígidas, mas, ao contrário, amoldam-se segundo vetores axiológicos, permitindo, por exemplo, que a jurisprudência ou a lei afastem a alegação de causas de exclusão do nexo em certas hipóteses de desdobramento causal, por exemplo: a impossibilidade do transportador de pessoas alegar ato exclusivo de terceiro para livrar-se do dever de indenizar danos sofridos pelos passageiros269 ou, em sede de dano ambiental, a impossibilidade de alegar-se força maior.

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CAPÍTULO 4 – DESCONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA CLÁSSICA DA