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Danos emergentes e lucros cessantes

Capítulo 3 – Estrutura da responsabilidade civil

3.3. Dano

3.3.4. Espécies de dano

3.3.4.1. Danos patrimoniais e danos não patrimoniais

3.3.4.1.1. Danos emergentes e lucros cessantes

O dano patrimonial abrange o dano emergente (damnum emergens) e o lucro cessante (lucrum cessans). Diz-se que o primeiro provoca a diminuição do patrimônio do lesado e o segundo impede o seu aumento pela frustração de um lucro esperado189.

Na legislação brasileira, os danos emergentes e os lucros cessantes, designados pela expressão perdas e danos, vêm definidos, respectivamente, como aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar 190.

186 COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., p. 544.

187 Fernando Noronha traz o seguinte exemplo: “um álbum de velhas fotografias familiares pode ou não

ter valor econômico, mas certamente que o tem afetivo”. NORONHA, Fernando, op. cit., p. 557.

188 JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa, op. cit., p. 373; COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit.,

p. 543-544.

189 ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 189.

190 Artigo 402 do Código Civil brasileiro de 2002: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as

perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Em idêntico teor, artigo 1.059, caput, do Código Civil de 1916: “Salvo as exceções previstas neste Código, de modo expresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Encontra-se na doutrina antiga o emprego da expressão danos e interesses (tradução para o português da expressão dommages et intérêts prevista no Código Civil francês) no lugar de perdas e danos. A preferência por aquela justifica-se porque perdas e danos

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Aquilo que efetivamente se perdeu pode consistir numa diminuição do ativo ou num aumento do passivo191. De fato, se o enriquecimento é o incremento de uma posição jurídica ativa ou a diminuição de uma posição jurídica passiva, o dano emergente é o incremento de uma posição jurídica passiva ou a diminuição de uma posição jurídica ativa. No exemplo já citado do acidente envolvendo o táxi, as despesas com reparo do automóvel e com tratamento médico configuram danos emergentes.

Já o lucro cessante é o não incremento de posição jurídica ativa ou a não diminuição de posição jurídica passiva que ocorreria se os eventos seguissem o seu desdobramento causal normal.

Emprega-se, pois, na determinação do lucro cessante, um juízo de razoabilidade, consoante prescreve a lei civil brasileira192.

De fato, não é tarefa simples aferir os lucros cessantes. Fischer já observava que, se por um lado não se exige a certeza absoluta de que o lucro teria se verificado, não fosse a interferência do evento danoso, por outro, trabalhar com a mera possibilidade também não é adequado193.

É bastante esclarecedor, nesse sentido, o § 252 do BGB, o qual aduz: “como cessante considera-se o lucro que, de conformidade com o curso habitual das coisas, ou de conformidade com as circunstâncias especiais, particularmente com as disposições e prevenções adotadas, pode, com verossimilhança, ser esperado”.

Com base nesse dispositivo, Fischer conclui que deve existir “uma certa probabilidade objectiva, que resulte do «curso normal das coisas» e das «circunstâncias especiais do caso concreto»”194.

são palavras sinônimas, que designam apenas o dano emergente. Todavia, consagrou-se no direito pátrio

perdas e danos. Cf. ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 191-193.

191 ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 191; VARELA, João de Matos Antunes, op. cit., p. 599. 192 Cf. o artigo 402 do Código Civil já citado.

193 FISCHER, Hans Albrecht, op. cit., p. 51. 194 Idem.

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Apoiando-se nos estudos de Fischer, a doutrina brasileira195 construiu, então, a interpretação do termo “razoavelmente” empregada pelo artigo 402 do Código Civil.

Entende-se, assim, por razoável aquilo que, provavelmente, ocorreria dentro do curso normal dos fatos, tendo em vista as especificidades do caso concreto196.

A indenização devida ao taxista pelos valores que deixou de ganhar durante os dias em que seu veículo permaneceu no conserto funda-se na probabilidade de que ele, durante esse período, continuaria trabalhando. O mesmo se dá em relação à indenização de alimentos devida aos dependentes do empregado vítima de homicídio. Contudo, valendo-se aqui de exemplo utilizado por Fernando Noronha197, já não é certo que, no futuro, esse empregado, que sempre desempenhou suas atividades com muito zelo e competência, passaria a ocupar cargo mais alto e, assim, auferir renda maior, que justificasse um aumento do valor da indenização devida aos seus dependentes.

Está-se, nesse último caso, diante do denominado dano eventual, incerto ou

hipotético, definido como o prejuízo de verificação meramente possível, ou duvidosa e,

portanto, não reparável198.

Não se pode ignorar, todavia, as situações de responsabilidade civil pela perda de uma chance, que é tema extremamente próximo do aqui tratado, embora com ele não se confunda.

Ainda que não haja consenso acerca da natureza jurídica da perda de uma chance, ela pode ser mais bem compreendida se for analisada sob duas óticas distintas: a do causador do dano e a da vítima.

195 ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 203-210. DIAS, José de Aguiar, Da responsabilidade civil – Tomo II,

5ª ed. revista e aumentada, Rio de Janeiro, Forense, 1973, p. 347-350.

196 Isso implica dizer que deve o intérprete partir da presunção de que os fatos aconteceriam segundo seu

curso normal e, assim, admitir que a vítima lucraria aquilo que o bom senso diz que ela lucraria. É do agente chamado a indenizar o ônus de provar o contrário. ALVIM, Agostinho, op. cit., p. 204.

197 NORONHA, Fernando, op. cit., p. 583. 198 NORONHA, Fernando, op. cit., p. 581.

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Do ponto de vista do causador do dano, deve ser entendida como a conduta ilícita que afetou negativamente a esfera jurídica alheia por obstar ou interromper sucessão de eventos que tinham chance séria e real de culminar no surgimento ou incremento de posição jurídica ativa ou na diminuição de posição jurídica passiva, ou no não surgimento ou incremento de situação passiva para a vítima. Do ponto de vista da vítima, o dano consiste, justamente, na perda dessa chance199.

Com relação à espécie de dano causado, a doutrina diverge, havendo quem o entenda patrimonial, moral ou mesmo tertium genus200.

Caso se entenda que o dano é pura e simplesmente a perda da chance, não há outra opção senão enquadrá-lo como dano moral201. No entanto, para fins de determinação do modus e quantum da indenização, parece mais coerente que o enquadramento da espécie de dano dê-se de acordo com a natureza da chance perdida202. Assim, a perda da chance pode ocasionar dano moral ou patrimonial, ou mesmo moral e patrimonial.

Com base nessas constatações, percebe-se que a distinção entre lucro cessante e perda de uma chance circunscreve-se ao fato de que no lucro cessante a análise recai sobre a probabilidade objetiva de obtenção de um lucro e, na perda de uma chance,

199 O que é indenizado é justamente a chance de não alcançar determinado resultado, ou de auferir certo

benefício, chance que foi perdida pela vítima em razão de ato culposo do lesante. Cf.: MARTINS-COSTA, Judith, Comentário ao novo Código Civil, vol. V, tomo II: do inadimplemento das obrigações, arts. 389 a

420, coordenador TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 360. NORONNHA,

Fernando, op. cit., p. 676-679.

200Sobre os vários posicionamentos, cf.: Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, 8ª

ed. revista e ampliada, São Paulo, Atlas, 2008, p. 77-79.

201 Sérgio Savi entende que o dano é patrimonial, pois a chance já era algo pertencente ao patrimônio da

vítima. Responsabilidade civil por perda de uma chance, São Paulo, Atlas, 2006, p. 102. Parece que o autor vale-se da expressão patrimônio como sinônimo de esfera jurídica, imprecisão semântica que explica o equívoco de raciocínio.

202 Embora se deva concordar com Judith Martins Costa e Fernando Noronha quando afirmam que o dano

não é a vantagem perdida, mas a perda da chance de obter a vantagem, do ponto de vista operacional parece mais eficiente entender que à natureza da posição jurídica ativa afetada (não surgida ou não incrementada pelo perdimento da chance) caberá informar ao intérprete sobre o regime jurídico reparatório que será chamado a regular a hipótese em análise, por exemplo, se será deflagrada a estrutura de responsabilização para que se indenize dano injusto patrimonial ou extrapatrimonial; se a responsabilização seguirá a lógica da responsabilidade obrigacional ou extraobrigacional etc.

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sobre a certeza de impedimento ou interrupção da sucessão de eventos que tinham chance séria e real de culminar na obtenção de uma vantagem ou na evitação de um prejuízo203.

Por fim, cabe um último registro em relação à classificação dos danos patrimoniais aqui analisada. Não se pode pretender estabelecer uma relação necessária entre dano emergente e dano presente e entre lucro cessante e dano futuro.

São danos presentes todos aqueles que já tenham-se verificado quando da prolação da sentença que fixa o valor da indenização. Futuros, por sua vez, são aqueles que, neste momento, ainda não se concretizaram, mas que, segundo o desenrolar normal dos fatos e as peculiaridades do caso concreto, revelam-se certos204.

Assim, pode o dano emergente dizer respeito a um dano que irá verificar-se no futuro, como as terapias a que terá de submeter-se a vítima de lesão corporal grave que podem durar meses ou até mesmo anos. Também os medicamentos de que ela necessite podem ser de uso continuado. De outro lado, o lucro cessante pode configurar dano presente. É o que sucede com os valores que esta vítima de lesão corporal grave deixou de ganhar até a data da sentença em virtude da sua incapacitação para o trabalho205.